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Urnas eletrônicas com biometria

30/06/2008 às 00:00
Leia nesta página:

O Uso de Biometria na Eleição

Em 2008, o Tribunal Superior Eleitoral estará testando a identificação dos eleitores por impressão digital acoplada às novas urnas eletrônicas, que estão sendo chamadas de urnas biométricas ou, simplificadamente, urnas-B.

O teste será desenvolvido durante as eleições de 2008, em três municípios – Colorado do Oeste/RO, São João Batista/SC e Fátima do Sul/MS. Em março e abril, foi feito o recadastramento nestas cidades, com a coleta das impressões digitais dos dez dedos e da foto digitalizada em alta resolução dos eleitores. Em junho e julho, serão feitos testes simulados com os próprios eleitores. Finalmente, em outubro haverá a primeira eleição com biometria nessas cidades.

A propaganda oficial do TSE sobre as urnas-B tem seguido o mote de que seriam "as urnas eletrônicas mais modernas do mundo" desenvolvidas para acabar com o "último reduto da fraude eleitoral", quer dizer, com a possibilidade de um eleitor votar no lugar de outro.

Vejam, por exemplo, o texto oficial do TSE:

Voto Seguro

:: IDENTIFICAÇÃO BIOMÉTRICA DO ELEITOR

... merece destaque o desenvolvimento de Urnas Biométricas, que processarão o voto a partir da identificação biométrica do eleitor. A missão da Justiça Eleitoral brasileira é a de colocar nas mãos dos brasileiros o futuro cada vez mais seguro para a democracia e levar o Brasil à vanguarda tecnológica dos processos eleitorais em todo o mundo.

... O objetivo desse cadastramento biométrico é excluir a possibilidade de uma pessoa votar por outra, tornando praticamente impossível a fraude ao procedimento de votação.


Pensando por si próprio

Fora do Brasil, a resposta à pergunta (B), acima, é um sonoro NÃO. Somente aqui se usa - e os eleitores toleram - idenficar o eleitor no prório computador onde se vota.

E não se pense que é uma questão de domínio da tecnologia. Toda a tecnologia embutida na fabricação de nossas urnas-B é 100% importada e nem nos países que nos vendem estas tecnologias se usa identificar o eleitor nas próprias máquinas de votar.

Quer dizer, o software básico e o hardware de identificação do eleitor vem pronto de fora, mas lá fora eles não se atrevem a conectar biometria com urnas-e.

O motivo desta recusa é óbvio: não há como garantir a inviolabilidade do voto contra um software malicioso que for inserido indevidamente nas urnas-e

Assim, para evitar esta possibilidade, toma-se a medida de segurança mais eficaz: não se permite que a identificação e o voto do eleitor estejam simultaneamente disponíveis na mesma máquina.

Infelizmente, o brasileiro aceita este risco sem reclamar e o TSE continua fazendo a identificação do eleitor nas urnas-e sob o argumento, certamente falacioso, que seria impossível a inserção de software malicioso em seus computadores.

A principal consequência negativa da integração entre identificação e votação eletrônicas é o estímulo ao Voto-de-Cabresto-em-Massa, como recentemente foi posto em prática pelas milícias no Rio de Janeiro.


O Eleitor-fantasma Eletrônico

Com relação à segunda modalidade de fraude, comumente chamada de "compra de votos", convém assistir o episódio da série Myth Busters do Discovery Channel onde eles detonam o mito da inviolabilidade da impressão digital biométrica.

Com humor eles mostram como conseguem enganar o sistema de reconhecimento biométrico tanto do computador quanto de uma "fechadura biométrica" recorrendo a recursos banais como gelatina balística, filme de latex (cola branca escolar) e até com a impressão digital impressa em papel! Mostram, também, como obtiveram a amostra da impressão digital da pessoa autorizada sem que esta a tivesse fornecido voluntariamente.

Além de tentativas de falsificar impressões digitais, outra forma de fraude no cadastro biométrico seria a inserção maliciosa, na base de dados, de comando que libere o cadastramento de pessoas com impressões digitais já cadastradas. Esta modalidade de fraude centralizada, que não seria possível sem as novas urnas-B, atende ao conceito de "centralismo fraudocrático" ironicamente anunciado pelo Prof. Pedro Rezende da UnB.

Um exemplo deste tipo de ataque interno ao cadastro biométrico veio à tona com o recente desbaratamento de uma quadrilha que fraudava o cadastro biométrico do DETRAN/SP para burlar a emissão de carteiras de motorista.

Folha Online

04/06/2008 - 18h06

Venda de CNHs derruba corregedor e dois delegados do Detran

PAULO TOLEDO PIZA

A Polícia Civil de São Paulo anunciou nesta quarta-feira o afastamento do corregedor do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), Francisco Norberto Rocha de Moraes, e outros dois delegados acusados de envolvimento no esquema de venda de CNHs (Carteira Nacional de Habilitação) desmantelado na Operação Carta Branca.

......

A investigação do esquema começou com a Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso do Sul. Os policiais verificaram que diversas ocorrências envolvendo motoristas com carteiras emitidas no Estado de São Paulo eram suspeitas de fraude. Entre os fatores que despertaram a desconfiança de policiais estão CNHs de pessoas analfabetas e deficientes físicos, que não possuíam a carteira para portadores de deficiência.

De acordo com o Ministério Público, essas carteiras eram emitidas sem que houvesse a necessidade da presença física do candidato a condutor. A quadrilha descobriu que o sistema de identificação por impressão digital do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) de São Paulo poderia ser fraudado

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Além de usar a mesma digital em diversos documentos, a quadrilha também usava dedos de silicone e digitais coletadas em massas de modelar.


A Tinta Indelével

Existem, ainda, outras modalidades de fraudes de identificação menos frequentes que também não serão resolvidas pelas novas urnas-B como a "compra da abstenção" - quando se paga para um eleitor do adversário político não votar, mediante retenção do seu título e do seu RG.

Enfim, a biometria só ajuda a atenuar o problema do eleitor fantasma onde mesários e os operadores do cadastro são honestos e os fiscais atentos.

Mas, para evitar que eleitores ilegitimos possam votar em seções eleitorais onde os mesários são honestos e os fiscais atentos, não é necessário se recorrer a um carríssimo "maior cadastro biométrico do mundo" que o TSE planeja montar em 10 anos.

Bastaria usar a velha "tinta indelével", como se usou recentemente na eleição presidencial do Paraguai e que se usa nos parques Playcenter, para pintar o dedo do eleitor que já votou. Simples, baratíssimo e tão eficaz quanto a parafernália eletrônica.

Em países em que se adota a tinta indelével, exibir o dedo pintado depois de votar se tornou um ato de orgulho e prova de cidadania, como mostra a foto abaixo da candidata a presidente no Paraguai em 2008, Blanca Ovelar.

Para fazer a coleta dos dados biométricos dos eleitores, o TSE desenvolveu computadores especiais, chamados de Kitbio, que substituirão a função dos computadores comuns usados atualmente nos cartórios eleitorais.

Enfim, analisando sem tecno-fascinação o uso da biometria nas urnas-E brasileiras se constata que este processo:

  • - dá a um tribunal a administração de um cadastro de cidadãos;
  • - põe em risco a inviolabilidade do voto;
  • - dificulta mas não elimina a falsificação de identidade
  • - facilita ainda mais o Voto-de-Cabresto-em-Massa;
  • - não elimina a fraude do mesário;
  • - tem o custo proibitivo a ponto do essencial batimento ser postergado;
  • - é rejeitado no resto do mundo

Assim, sob nenhum ângulo que se examine com mais cuidado, como o político, o da segurança e o econômico, se encontra argumentos que justifiquem o enorme gasto que o administrador e justiça eleitoral pretende incorrer com a adoção das urnas-e biométricas que, no resto do mundo, são evitadas e até proibidas.

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Sobre o autor
Amilcar Brunazo Filho

Engenheiro em Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto Eletrônico, membro do Comitê Multidisciplinar Independente - CMind.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNAZO FILHO, Amilcar. Urnas eletrônicas com biometria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1825, 30 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11444. Acesso em: 4 nov. 2024.

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