Sumário: 1. Introdução: o cenário em evolução das regulamentações de sustentabilidade da UE e a posição do Brasil. 2. Principais regulamentações de sustentabilidade da UE: objetivos escopo e alcance extraterritorial. 2.1. Regulamento da taxonomia da UE. 2.2. Regulamento de divulgação de finanças sustentáveis (SFDR). 2.3. Diretiva de relatórios de sustentabilidade corporativa (CSRD). 2.4. Diretiva de due diligence de sustentabilidade corporativa (CSDDD). 2.5. Regulamento da UE sobre desmatamento (EUDR). 3. Riscos e desafios para empresas brasileiras. 3.1. Carga e custos de conformidade. 3.2. Rastreabilidade da cadeia de suprimentos e due diligence. 3.3. Potenciais barreiras comerciais e restrições de acesso ao mercado. 3.4. Riscos legais e reputacionais. 3.5. Alinhamento com padrões divergentes ou em evolução. 4. Estudos de caso: exemplos de empresas brasileiras navegando pelas regulamentações ESG da UE. 4.1. JBS. 4.2. Marfrig. 4.3. Vale/Samarco. 4.4. Suzano. 4.5. Natura. 4.6. iFood. 5. Oportunidades para empresas brasileiras. 6. Oportunidades para juristas no Brasil. 7. Conclusões e recomendações.
1. Introdução: O Cenário em Evolução das Regulamentações de Sustentabilidade da UE e a Posição do Brasil
A União Europeia (UE) tem liderado uma transformação global em direção a uma economia mais sustentável por meio de seu ambicioso Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal - EGD). Esse pacote regulatório e de investimentos visa a alcançar a neutralidade climática até 2050, estabelecendo novos padrões em áreas como eficiência energética, construção e práticas agrícolas e florestais. A UE utiliza seu considerável poder de mercado para incentivar a produção mais ecológica em todo o mundo, uma estratégia que busca evitar a "fuga de carbono" — o deslocamento de indústrias intensivas em carbono para regiões com regulamentações ambientais mais brandas — e assegurar condições de concorrência equitativas para produtos importados para o mercado europeu.
A influência regulatória da UE, frequentemente referida como "Efeito Bruxelas", é particularmente significativa para o Brasil, dado que a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do país e uma fonte primária de investimento estrangeiro direto. As mudanças regulatórias da UE, portanto, exercem uma pressão considerável sobre as entidades brasileiras para que se alinhem a critérios ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) rigorosos, a fim de manter o acesso ao mercado e atrair capital. Essa influência se estende para além das especificações de produtos, abrangendo a gestão de toda a cadeia de suprimentos, a governança corporativa e o desempenho ambiental e social.
Nos últimos anos, o Brasil tem demonstrado um compromisso crescente com a melhoria de seu impacto ambiental e com a resolução de desafios sociais, como as desigualdades no local de trabalho e as condições laborais precárias. Essa evolução reflete um reconhecimento nacional mais amplo da importância do desenvolvimento sustentável. O mercado ESG brasileiro tem experimentado um crescimento notável, com fundos de pensão incorporando cada vez mais métricas ESG em suas decisões de investimento e um aumento significativo na inovação impulsionada por ESG, especialmente nos setores de tecnologia, finanças e agronegócio. A adesão do Brasil ao Acordo de Paris de 2015, incluindo seus compromissos de reduzir as emissões de carbono e proteger seus inestimáveis recursos naturais, como a Floresta Amazônica, tem sido um catalisador poderoso, impulsionando muitas empresas a alinhar seus modelos de negócios com objetivos ambientais e sociais. O crescente foco doméstico em ESG no Brasil, impulsionado pela demanda crescente dos consumidores, pelas expectativas dos investidores e pelos compromissos de políticas nacionais, cria um ambiente favorável para a adaptação às normas de sustentabilidade da UE. Isso sugere que o ímpeto para a mudança não é apenas uma pressão externa, mas também uma mudança interna, impulsionada pelo mercado e apoiada por políticas, em direção à sustentabilidade. Empresas brasileiras que já iniciaram ou adotaram práticas ESG internamente provavelmente encontrarão maior facilidade e menor custo na adaptação aos requisitos mais rigorosos da UE. Essa postura proativa pode se traduzir em uma vantagem competitiva significativa nos mercados internacionais. Além disso, as iniciativas do governo brasileiro, como o desenvolvimento de sua própria Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), são partes integrantes de uma agenda nacional de sustentabilidade mais ampla, e não apenas respostas reativas a pressões externas.
A relação entre a UE e o Brasil é cada vez mais definida por um compromisso compartilhado com a sustentabilidade. Fóruns como o Fórum de Investimento UE-Brasil trabalham ativamente para fomentar investimentos sustentáveis, alinhando-se ao Plano de Transformação Ecológica do Brasil e à Estratégia Global Gateway da UE. Essa convergência de agendas, particularmente em áreas como democracia, direitos humanos e a transição para uma economia de baixo carbono, é vista como o alicerce essencial para um ambiente de negócios saudável, competitivo e mutuamente benéfico entre as duas regiões.
2. Principais Regulamentações de Sustentabilidade da UE: Objetivos, Escopo e Alcance Extraterritorial
Esta seção oferece uma visão detalhada das principais regulamentações de sustentabilidade da UE, descrevendo seus objetivos centrais, o escopo das entidades a que elas visam e suas significativas implicações extraterritoriais para empresas e mercados financeiros brasileiros.
2.1. Regulamento da Taxonomia da UE
O Regulamento da Taxonomia da UE serve como um sistema de classificação fundamental projetado para definir claramente quais atividades econômicas são consideradas ambientalmente sustentáveis. Seus objetivos primários são mobilizar e direcionar fluxos de capital para projetos sustentáveis, combater o greenwashing (alegações enganosas sobre sustentabilidade) por meio do estabelecimento de critérios claros e baseados na ciência, e fornecer uma linguagem comum e transparente para que os investidores compreendam o que constitui um investimento "sustentável". O regulamento estabelece limiares de desempenho específicos, conhecidos como "critérios de triagem técnica", para atividades econômicas.
A Taxonomia delineia seis objetivos ambientais abrangentes: mitigação das mudanças climáticas; adaptação às mudanças climáticas; uso sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; transição para uma economia circular; prevenção e controle da poluição; e proteção e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas. Para que uma atividade seja qualificada como ambientalmente sustentável, ela deve "contribuir substancialmente" para pelo menos um desses objetivos, ao mesmo tempo em que garante que "não cause danos significativos" (DNSH) a nenhum dos outros cinco objetivos e que adere a salvaguardas sociais e de governança mínimas. As empresas são obrigadas a identificar e relatar as atividades que são tanto elegíveis (capazes de serem alinhadas com a Taxonomia) quanto alinhadas (atendendo aos critérios). Grandes empresas de interesse público começaram a relatar seu alinhamento com a Taxonomia para o período de relatório de 2024 em 2025, com outras grandes empresas seguindo em 2026 para os períodos de relatório de 2025.
Embora empresas não-UE sujeitas à Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) a partir de 2028 não sejam explicitamente obrigadas a relatar o alinhamento com a Taxonomia, aquelas que relatam em nível consolidado para operações tanto na UE quanto fora dela podem incluir informações da Taxonomia. Fundos classificados sob os Artigos 8 e 9 do Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR), que promovem características ambientais/sociais ou têm objetivos de investimento sustentável, podem se comprometer a investir em atividades alinhadas com a Taxonomia, tornando o alinhamento com a Taxonomia um requisito de fato para atrair certos tipos de financiamento sustentável da UE. O Regulamento da Taxonomia é consistentemente descrito como um "sistema de classificação" e uma "linguagem comum". Seus critérios (contribuição substancial, danos significativos aos outros (DNSH), salvaguardas mínimas) são fundamentais porque outras regulamentações chave da UE, como a SFDR e a CSRD, explicitamente se referem e integram suas definições. Isso indica que a Taxonomia não é meramente mais uma regulamentação, mas o arcabouço fundamental que define "verde" e "sustentável" para todo o ecossistema de finanças sustentáveis e relatórios corporativos da UE. Para empresas e instituições financeiras brasileiras que buscam acesso aos mercados de capitais da UE ou que se relacionam com entidades da UE, a compreensão e, quando estrategicamente benéfico, o alinhamento com as definições da Taxonomia da UE é essencial. Mesmo que não seja diretamente obrigatório, esse alinhamento influencia a percepção dos investidores, a categorização de fundos sob a SFDR e as obrigações de relatórios sob a CSRD para seus parceiros da UE. Isso também ressalta a importância estratégica da própria taxonomia sustentável em desenvolvimento do Brasil (TSB) e sua interoperabilidade com o arcabouço da UE.
2.2. Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR)
O SFDR impõe obrigações mandatórias de divulgação ESG para gestores de ativos e outros participantes do mercado financeiro (Financial Market Participants - FMPs). Seus objetivos centrais são aumentar a transparência no mercado de produtos de investimento sustentáveis, prevenir o greenwashing (alegações enganosas sobre sustentabilidade) e, assim, facilitar o redirecionamento de capital para projetos genuinamente sustentáveis. É uma componente chave do Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da UE.
O SFDR se aplica amplamente a FMPs estabelecidos na União Europeia, incluindo bancos, empresas de investimento, gestores de ativos, fundos de pensão e seguradoras. Embora o regulamento abranja todas essas instituições, a obrigação de divulgar os Principais Impactos Adversos (PAIs) só se aplica obrigatoriamente a entidades com mais de 500 funcionários ou àquelas que optarem por fazê-lo de forma voluntária. O SFDR exige divulgações em dois níveis:
Divulgações em nível de entidade (Nível 1): Em vigor desde março de 2021, exigem que os FMPs publiquem em seus sites suas políticas sobre como os riscos de sustentabilidade são integrados nas decisões de investimento, como os Principais Impactos Adversos (PAIs) dos investimentos em fatores de sustentabilidade são considerados (incluindo 14 fatores obrigatórios como emissões de GEE e direitos humanos), e como os riscos de sustentabilidade são considerados nas políticas de remuneração. O relatório sobre PAIs tornou-se obrigatório a partir de janeiro de 2022.
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Divulgações em nível de produto (Nível 2): Exigidas desde janeiro de 2022, envolvem divulgações específicas para cada produto financeiro, categorizadas como:
Produtos do Artigo 6: Produtos convencionais que consideram riscos de sustentabilidade, mas não necessariamente promovem características ESG ou têm objetivos sustentáveis.
Produtos do Artigo 8 ("verde claro"): Produtos que promovem características ambientais ou sociais, exigindo informações adicionais sobre como esses atributos são atendidos, incluindo o alinhamento com a Taxonomia da UE.
Produtos do Artigo 9 ("verde escuro"): Produtos com um objetivo de investimento sustentável, exigindo explicações detalhadas sobre como esse objetivo é alcançado e o alinhamento com o Regulamento da Taxonomia da UE.
O SFDR se aplica a FMPs e consultores financeiros estabelecidos na União Europeia, afetando diretamente os fluxos de investimento e os requisitos de divulgação associados aos produtos financeiros comercializados na região. Empresas não pertencentes à UE, mas com subsidiárias ou operações significativas no bloco europeu, podem ser indiretamente impactadas, uma vez que os FMPs da UE precisarão de dados dessas contrapartes para atender suas próprias obrigações de transparência.
Os objetivos declarados do SFDR incluem direcionar o capital para uma economia mais sustentável e combater o greenwashing. Por meio de exigências de divulgação obrigatória e da categorização de produtos financeiros com base em sua ambição de sustentabilidade (Artigos 6, 8 e 9), o regulamento envia um sinal regulatório claro aos investidores.
A definição de “investimento sustentável” no SFDR é fortemente influenciada pela Taxonomia da UE, particularmente para aspectos ambientais. Embora nem todos os produtos precisem estar alinhados com a Taxonomia, produtos classificados como Artigo 9 e aqueles do Artigo 8 que alegam tal alinhamento devem demonstrar conformidade com os critérios estabelecidos na Taxonomia.
Consequentemente, empresas brasileiras que buscam captar recursos de investidores sediados na UE enfrentarão um escrutínio regulatório crescente. Seus projetos e atividades operacionais precisarão demonstrar, quando aplicável, alinhamento com os critérios da Taxonomia da UE para serem considerados investimentos sustentáveis ou para promover características ambientais ou sociais, conforme exigências dos artigos 8 e 9. Isso vincula, de forma cada vez mais direta, a elegibilidade de projetos brasileiros para financiamento verde da UE aos padrões europeus de sustentabilidade.
2.3. Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD)
A CSRD visa aprimorar significativamente a transparência corporativa, tornando obrigatórias divulgações abrangentes de sustentabilidade. Seu objetivo central é integrar informações de sustentabilidade verificadas externamente com as divulgações financeiras, fornecendo às partes interessadas (investidores, analistas, consumidores) melhores ferramentas para avaliar o desempenho de sustentabilidade das empresas e os riscos e impactos de negócios relacionados. Ela foi projetada para apoiar a meta mais ampla da UE de neutralidade climática e abordar inconsistências encontradas em sua predecessora, a Diretiva de Relatórios Não Financeiros (NFRD).
A CSRD expande drasticamente o número de empresas em seu escopo, de aproximadamente 11.700 sob a NFRD para cerca de 50.000 empresas. Isso inclui grandes empresas da UE (listadas ou não), PMEs listadas e empresas-mãe não-UE com operações significativas na UE. A implementação é faseada:
Ano fiscal de 2024 (relatório em 2025): Para organizações que já cumpriam a NFRD (grandes entidades de interesse público com mais de 500 funcionários).
Ano fiscal de 2025 (relatório em 2026): Para grandes empresas que ainda não cumpriam a NFRD.
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Ano fiscal de 2026 (relatório em 2027): Para PMEs listadas.
Ano fiscal de 2028 (relatório em 2029): Para certas empresas-mãe não-UE.
As principais características da CSRD incluem:
Materialidade Dupla: Um princípio fundamental que exige que as empresas relatem duas dimensões: como suas atividades impactam o meio ambiente e a sociedade (materialidade de impacto), e como as questões de sustentabilidade afetam a saúde financeira da empresa (materialidade financeira).
Padrões Europeus de Relatórios de Sustentabilidade (ESRS): As divulgações devem estar alinhadas com os ESRS detalhados, desenvolvidos pelo EFRAG, cobrindo categorias transversais, ambientais, sociais e de governança. Isso inclui a divulgação obrigatória das emissões do Escopo 3 (emissões indiretas em toda a cadeia de valor), sujeitas à avaliação de materialidade.
Auditoria: Todas as divulgações da CSRD devem ser publicamente disponíveis e sujeitas a auditoria externa obrigatória, inicialmente com asseguração limitada, progredindo para asseguração razoável dentro de três anos.
A CSRD se aplica explicitamente a empresas-mãe não-UE com receitas anuais na UE de pelo menos EUR 150 milhões que também possuam uma grande empresa sediada na UE, uma subsidiária listada na UE ou uma filial na UE com faturamento significativo. Propostas recentes (o pacote Omnibus em fevereiro de 2025) visam simplificar as regras, potencialmente reduzindo o escopo em 80% (aplicando-se a empresas com mais de 1.000 funcionários) e adiando os prazos, embora os requisitos centrais permaneçam. A CSRD exige a integração de informações financeiras e de sustentabilidade, sujeitas a auditoria externa e rotulagem digital. O princípio da materialidade dupla impõe uma avaliação abrangente dos impactos ESG, tanto para dentro (financeiro) quanto para fora (societal/ambiental). Isso vai além da mera divulgação; exige uma mudança fundamental na forma como as empresas gerenciam, medem e relatam seu desempenho de sustentabilidade, necessitando de uma colaboração interfuncional profunda entre equipes financeiras, de sustentabilidade, RH, jurídicas e de operações. Empresas brasileiras dentro do escopo da CSRD (ou aquelas em sua cadeia de valor que precisam fornecer dados a parceiros da UE) devem desenvolver sistemas internos robustos para coleta de dados, governança, avaliação de riscos e relatórios. Isso exigirá um investimento significativo em tecnologia, processos e capital humano. O rigoroso requisito de auditoria introduz uma nova camada de risco legal e reputacional por não conformidade, impulsionando as empresas a uma maior precisão e transparência.
2.4. Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD)
A Corporate Sustainability Due Diligence Directive - CSDDD introduz uma obrigação de due diligence corporativa para grandes empresas em relação aos seus impactos nos direitos humanos e na proteção ambiental. Seu objetivo principal é identificar, prevenir, mitigar e prestar contas sobre impactos adversos nos direitos humanos (por exemplo, trabalho infantil, trabalho forçado) e impactos ambientais (por exemplo, poluição, desmatamento) dentro de suas próprias operações, as de suas subsidiárias e, crucialmente, em toda a sua "cadeia de atividades" (cadeia de valor).
A CSDDD se aplica a empresas muito grandes da UE e a empresas não-UE que geram um faturamento líquido significativo dentro da União Europeia (por exemplo, mais de €450 milhões em receita na UE). A implementação é faseada, começando em julho de 2027 para as maiores empresas (aquelas com mais de 5.000 funcionários e €1,5 bilhão de faturamento líquido).
Processo de Due Diligence: As empresas devem seguir os seis passos definidos pelas Orientações de Due Diligence da OCDE: integrar a due diligence nas políticas e sistemas de gestão; identificar e avaliar impactos adversos; prevenir, cessar ou minimizar impactos; avaliar a eficácia das medidas; comunicar; e fornecer reparação.
Foco na Cadeia de Valor: Uma característica fundamental é sua extensão a parceiros de negócios na cadeia de valor, exigindo que as empresas identifiquem riscos como emissões perigosas, práticas trabalhistas injustas e desmatamento em suas redes de suprimentos.
Planos de Transição Climática: Grandes empresas também são obrigadas a adotar e implementar um plano de transição climática para garantir que seu modelo de negócios e estratégia sejam compatíveis com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris para o aquecimento global.
Responsabilidade Civil: A Diretiva introduz um arcabouço de responsabilidade civil, o que significa que as empresas podem ser responsabilizadas por danos sofridos por pessoas físicas ou jurídicas como resultado de sua falha em cumprir certas obrigações de due diligence.
A CSDDD impacta explicitamente empresas não-UE com receita substancial na UE, incluindo multinacionais sediadas nos EUA com operações ou receita significativa na UE. Mesmo empresas não diretamente sujeitas à CSDDD podem ser afetadas se tiverem parceiros de negócios na UE que são obrigados pela diretiva, pois esses parceiros podem ser solicitados a encerrar relações com fornecedores não conformes. A combinação da due diligence obrigatória em direitos humanos e meio ambiente em toda a cadeia de valor com um arcabouço de responsabilidade civil representa uma mudança legal profunda. Isso efetivamente transforma diretrizes internacionais anteriormente não vinculativas em obrigações legalmente aplicáveis. Isso significa que as empresas da UE exercerão pressão significativa sobre seus fornecedores brasileiros para demonstrar conformidade, impactando diretamente suas práticas operacionais e gestão de riscos. O desastre da barragem de Mariana, anterior à CSDDD, já ilustrava as graves consequências de falhas na due diligence, que a CSDDD visa prevenir e penalizar de forma mais direta. Empresas brasileiras, especialmente aquelas em setores de alto risco como agronegócio e mineração com cadeias de suprimentos globais ligadas à UE, enfrentarão requisitos obrigatórios de due diligence em direitos humanos e meio ambiente de seus parceiros da UE. Isso exige um mapeamento abrangente das cadeias de suprimentos globais, o estabelecimento de políticas claras de due diligence e o engajamento proativo com os fornecedores. O não cumprimento pode levar à rescisão de relações comerciais cruciais , tornando a conformidade uma questão de acesso ao mercado.
2.5. Regulamento da UE sobre Desmatamento (EUDR)
O EUDR é um pilar do Pacto Ecológico Europeu, especificamente projetado para minimizar a contribuição da UE para o desmatamento e a degradação florestal globais. Ele visa garantir que commodities e produtos específicos colocados ou exportados do mercado da UE sejam "livres de desmatamento" e tenham sido produzidos em conformidade com as leis do país de origem.
O regulamento se aplica a sete commodities chave: gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira, bem como a uma ampla gama de produtos derivados. Os importadores da UE (operadores) devem fornecer evidências concretas de que seus produtos não contribuíram para o desmatamento ou a degradação florestal desde 31 de dezembro de 2020.
Sistema de Due Diligence Obrigatório: Os operadores devem implementar um sistema rigoroso de due diligence que compreende avaliação de risco, medidas de mitigação de risco e relatórios de conformidade.
Rastreabilidade e Geolocalização: Um requisito crítico é a capacidade de rastrear produtos desde sua origem (fazenda ou lote de terra) até o ponto de exportação, incluindo dados precisos de geolocalização (coordenadas de latitude e longitude) de todos os lotes de terra onde as commodities foram produzidas ou estabelecimentos onde o gado foi mantido.
Requisito de Legalidade: Os produtos também devem ser produzidos de acordo com todas as leis locais relevantes do país exportador, incluindo direitos de uso da terra, proteção ambiental, leis trabalhistas e o princípio do consentimento livre, prévio e informado (FPIC) para povos indígenas.
O EUDR impacta diretamente as relações comerciais com os principais países produtores de commodities como o Brasil. A conformidade é exigida a partir de 30 de dezembro de 2025 para grandes operadores e a partir de 30 de junho de 2026 para pequenas empresas. O não cumprimento pode resultar em multas substanciais, apreensão de produtos ou proibições de mercado. O EUDR impacta diretamente o acesso ao mercado para commodities específicas. Os rigorosos requisitos de rastreabilidade, legalidade e data de corte fixa criam barreiras comerciais imediatas e tangíveis se a conformidade não for atendida. A forte reação do governo brasileiro, classificando-o como um "instrumento unilateral e punitivo" que poderia afetar US$ 15 bilhões em exportações , sublinha a ameaça econômica direta. O agronegócio brasileiro, particularmente os setores de carne bovina e soja, enfrenta uma imensa pressão para reformular fundamentalmente sua gestão da cadeia de suprimentos e sistemas de dados. O desafio de rastrear fornecedores indiretos e a potencial exclusão de pequenos produtores que carecem de recursos para a conformidade são questões sistêmicas críticas. Este regulamento forçará uma transformação rápida e profunda nas práticas agrícolas e na transparência da cadeia de suprimentos em todo o Brasil, impulsionando a adoção de tecnologias avançadas de monitoramento.
Tabela 1: Principais Regulamentações de Sustentabilidade da UE – Objetivos, Escopo e Requisitos Chave
Regulamento da UE |
Objetivo Primário |
Escopo Principal |
Requisitos Chave |
Impacto Extraterritorial |
Prazo de Implementação (Operadores/Empresas Grandes) |
Taxonomia da UE |
Definir atividades econômicas ambientalmente sustentáveis e combater o greenwashing. |
Empresas da UE, participantes do mercado financeiro. |
Contribuição substancial a 1 de 6 objetivos ambientais; Não causar Dano Significativo (DNSH) aos outros 5; Salvaguardas mínimas. |
Influencia fundos SFDR Art. 8/9; Alinhamento de fato para acesso a financiamento sustentável da UE. |
Relatórios para 2024 em 2025 (grandes empresas de interesse público); 2025 em 2026 (outras grandes empresas). |
SFDR |
Aumentar a transparência em produtos de investimento sustentável e direcionar capital. |
Participantes do Mercado Financeiro (FMPs) baseados na UE (>500 funcionários). |
Divulgações em nível de entidade (riscos de sustentabilidade, PAIs); Divulgações em nível de produto (Art. 6, 8, 9). |
Aplica-se a investidores e investimentos baseados na UE; Influencia globalmente. |
Nível 1: Março 2021; Nível 2: Janeiro 2022 (PAIs obrigatórios). |
CSRD |
Mandatar relatórios abrangentes de sustentabilidade e integrar informações ESG com financeiras. |
Grandes empresas da UE (listadas ou não), PMEs listadas, empresas-mãe não-UE com operações significativas na UE. |
Materialidade dupla; Alinhamento com ESRS (incl. Escopo 3); Auditoria externa obrigatória. |
Aplica-se a empresas-mãe não-UE com faturamento significativo na UE (>€150M). |
FY2024 (relatório em 2025) para empresas NFRD; FY2025 (relatório em 2026) para outras grandes; FY2028 (relatório em 2029) para certas não-UE. |
CSDDD |
Impor due diligence obrigatória em direitos humanos e meio ambiente em toda a cadeia de valor. |
Grandes empresas da UE e não-UE com faturamento significativo na UE (>€450M). |
Processo de due diligence (OECD); Foco na cadeia de valor; Planos de transição climática; Responsabilidade civil. |
Aplica-se a empresas não-UE com receita substancial na UE; Parceiros de negócios da UE podem exigir conformidade de fornecedores não-UE. |
Julho 2027 (maiores empresas); Julho 2028 (empresas com >3000 funcionários); Julho 2029 (empresas com >1000 funcionários). |
EUDR |
Minimizar a contribuição da UE para o desmatamento global e garantir produtos livres de desmatamento. |
Operadores da UE que importam/exportam commodities específicas (gado, soja, café, etc.). |
Sistema de due diligence obrigatório; Rastreabilidade e geolocalização; Requisito de legalidade (produzido de acordo com leis locais). |
Impacta diretamente as exportações de commodities brasileiras para a UE; Não conformidade pode levar a multas/proibições de mercado. |
30 de Dezembro de 2025 (grandes operadores); 30 de Junho de 2026 (PMEs). |