7. FUNDAMENTOS ADOTADOS PELA JUSTIÇA FEDERAL
A Justiça Federal tem desempenhado papel essencial na garantia dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no tocante à concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo INSS. Diante da rigidez dos critérios administrativos e da recorrente negativa por parte do órgão previdenciário, os tribunais federais têm adotado fundamentos mais sensíveis e condizentes com a realidade das famílias de pessoas autistas. Conforme Silva (2022), o Judiciário tem reconhecido que o autismo impõe barreiras significativas à autonomia e à vida social do indivíduo, o que configura um impedimento de longo prazo nos moldes exigidos pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Entre os principais fundamentos utilizados pela Justiça Federal, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, aliado à igualdade material. Silva (2022) argumenta que o Judiciário tem relativizado a aplicação rígida do critério de renda per capita, quando evidenciado que a família da requerente arca com elevados custos relacionados a tratamentos, terapias e medicações não ofertadas integralmente pelo SUS. Nesses casos, os juízes têm interpretado o direito ao BPC de forma ampliada, observando o contexto social do núcleo familiar e a necessidade de garantir uma existência minimamente digna à pessoa com TEA, ainda que formalmente a renda ultrapasse o limite legal.
Além disso, os pareceres técnicos elaborados por assistentes sociais e profissionais da saúde vinculados ao SUS têm sido fundamentais para embasar decisões judiciais. Conforme enfatiza Silva, o acolhimento e a orientação familiar realizados por esses profissionais contribuem para demonstrar, de forma concreta, a dependência da pessoa autista em relação a terceiros e a necessidade de apoio contínuo. Esses elementos, quando apresentados ao Judiciário, têm reforçado a visão de que o BPC deve ser um instrumento de inclusão social e de proteção contra a vulnerabilidade, reafirmando o compromisso do Estado com os direitos fundamentais das pessoas com deficiência. (SILVA, 2022).
Considerações finais
A análise desenvolvida ao longo deste trabalho permitiu constatar que o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e garantido pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, representa uma das principais políticas públicas de proteção social para pessoas com deficiência, incluindo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conforme Oliveira e Cavalcante (2025), a natureza jurídica não contributiva do BPC reforça seu papel fundamental na promoção da dignidade da pessoa humana, sobretudo em contextos de vulnerabilidade socioeconômica. Todavia, sua efetividade depende da superação de entraves práticos e da correta interpretação dos critérios legais estabelecidos.
A inclusão das pessoas com TEA como beneficiárias do BPC encontra respaldo na Lei nº 12.764/2012, que reconhece o autismo como deficiência para todos os efeitos legais. Esse marco legal é essencial, pois, como ressaltam Almeida (2023) e Mendes (2024), os desafios enfrentados por essas pessoas vão além das limitações visíveis, abrangendo barreiras psicossociais e contextuais que impactam diretamente sua autonomia e inclusão social. A avaliação biopsicossocial adequada, prevista na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), torna-se, assim, indispensável para assegurar que o BPC seja concedido de forma justa.
Entretanto, conforme argumentam Gomes e Santos (2019) e Andrighetto e Gomes (2020), persistem violações ao princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente nas áreas da saúde e da educação. A omissão estatal em garantir terapias contínuas ou um ambiente escolar inclusivo compromete não apenas o desenvolvimento pleno da pessoa com TEA, mas também evidencia a fragilidade da proteção social assegurada formalmente pela legislação. Tais falhas demonstram que o reconhecimento legal deve ser acompanhado de políticas públicas eficazes e acessíveis.
Além disso, como pontuado por De Araújo (2024), a ausência de previsão constitucional expressa sobre o TEA gera insegurança jurídica e favorece interpretações restritivas por parte dos órgãos administrativos, resultando em negativa indevida do BPC. Essa lacuna acaba empurrando as famílias para a via judicial, o que agrava ainda mais sua vulnerabilidade e distancia a assistência social de sua função originária de proteção imediata e eficaz. O Estado, ao falhar na concretização do direito, compromete o próprio ideal de justiça social consagrado pela Constituição.
A percepção limitada da sociedade e dos avaliadores do INSS sobre o autismo, conforme discutido por Silva (2020), também contribui para a não efetivação do benefício. Estereótipos e a ausência de compreensão sobre as manifestações menos evidentes do TEA resultam em avaliações superficiais e decisões administrativas inadequadas. Portanto, é urgente a capacitação dos profissionais responsáveis pela análise do BPC e a sensibilização da sociedade quanto à complexidade do transtorno.
Dessa forma, a aplicabilidade do BPC às pessoas com TEA demanda não apenas o cumprimento da legislação existente, mas um compromisso ético, social e institucional com a inclusão, a igualdade material e a dignidade humana. Como destacam Girardi (2024) e Mendes (2024), a integração entre os sistemas de assistência social, saúde, educação e justiça é essencial para a superação das barreiras estruturais e atitudinais que ainda persistem.
Em suma, embora a legislação brasileira tenha avançado no reconhecimento dos direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista, sua efetivação plena depende de medidas concretas que garantam o acesso equitativo ao BPC. A dignidade da pessoa com TEA só será verdadeiramente respeitada quando os princípios constitucionais forem traduzidos em práticas administrativas justas, acessíveis e humanizadas, garantindo assim o exercício pleno da cidadania e a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
REFERÊNCIAS
GUIMARÃES, Luíza. A lei como instrumento de proteção à pessoa com transtorno do espectro autista. 2021.
SILVA, Solange Cristina da et al. Estudantes com Transtorno do Espectro Autista no ensino superior: analisando dados do INEP. Psicologia Escolar e Educacional, v. 24, p. e217618, 2020.
ALMEIDA, Beatriz Victória Albuquerque de. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENOR DE 16 ANOS: ANÁLISE SOBRE O CRITÉRIO DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. 2023.
OLIVEIRA, Suzanne Aparecida Sousa; CAVALCANTE, Jéssica Painkow Rosa. AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA PROTEÇÃO JURÍDICA DE PESSOAS COM TEA (TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA) COM FOCO NA REALIDADE DE DIANÓPOLIS-TO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 11, n. 5, p. 1010-1037, 2025.
MENDES, Isia Lima Rosa et al. A proteção jurídica das pessoas portadoras de transtorno do espectro Autista: uma análise sobre a limitação dos planos de saúde quanto às sessões de tratamento do Autista. Revista de Casos e Consultoria, v. 15, n. 1, p. e33696-e33696, 2024.
ANDRIGHETTO, Aline; GOMES, Fernanda Fagundes Ribeiro. Direitos do Portador de Transtorno do Espectro Autista: políticas públicas de inclusão escolar sob a ótica da Lei Federal n. 12.764/2012. Revista da Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, 2020.
GIRARDI, Gabriela F. Freire. O benefício de prestação continuada (BPC-LOAS) ao autista. 2024.
DE ARAÚJO, Elizabete C. Rabelo. Perspectivas em Direitos Humanos.
SILVA, Ihani Roque Prado da. O acolhimento/orientação familiar de autistas pelo Serviço social através do SUS. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social)-Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.