Resumo: Este trabalho foi elaborado para resumir os principais aspectos do programa do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, denominado Plano “Pena Justa”, decorrente da ADPF 347, no qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional brasileiro. O artigo indica os princípios ideológicos, sociológicos e políticos que embasam o plano, além de suas diretrizes, de natureza nacional e estadual. Por fim, aponta as matrizes de risco e faz um contraponto entre o abolicionismo penal, que fundamenta ideologicamente o plano, e o princípio da proteção deficiente do Estado, em matéria de segurança pública e proteção aos demais direitos fundamentais.
Palavras-chave: pena justa, plano, abolicionismo penal, proteção deficiente, diretrizes, segurança pública.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade discutir o programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Plano “Pena Justa”2. O trabalho traz esboços da origem do plano, os seus fundamentos teóricos, jurídicos e políticos, e as suas principais recomendações e determinações. Além do mais, faz um contraponto entre os princípios do abolicionismo penal, que fundamenta boa parte das argumentações teóricas do plano, e o princípio da proteção deficiente, já que o sistema prisional visa proteger, essencialmente, a sociedade brasileira e garantir que o direito à segurança pública, prevista constitucionalmente, seja garantido.
Tratamos também de aspectos discutidos no plano, como o alegado encarceramento em massa, a seletividade racial e a política antipunitivista defendida, discutindo pontos nevrálgicos sobre tais aspectos e erros de diagnósticos pelos autores de tal plano, com os riscos inerentes à aplicação desse sem a verificação de seus impactos.
O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional, determinou a elaboração de planos para adequações pelo sistema prisional, a cargo do CNJ e justiça estadual. Não há dúvidas acerca da necessidade de padronização de execução do plano, buscando o máximo de eficácia e humanização na aplicação da pena. Mas, por outro lado, todas as matrizes de risco devem ser observadas na elaboração e execução de tal plano. Apesar de ser, substancialmente positivo, o plano traz alguns elementos de duvidosa constitucionalidade, como a criação da central de regulação de vagas, criando causas impeditivas de decretação de prisão preventiva não previstas em Lei, ferindo a independência funcional de juízes de direito, além de criar causas de liberação de apenados não previstas na Lei de Execução Penal.
As matrizes de risco não consideradas pelo Plano são citadas abaixo, dentro desse contraponto, entre abolicionismo penal e vedação à proteção deficiente estatal, com considerações acerca da impunidade criminal, já uma realidade brasileira3, e que tende a se agravar com a implantação irrestrita do Plano “Pena Justa”.
2. O RECONHECIMENTO DO ESTADO DAS COISAS INCONSTITUCIONAL NAS PRISÕES BRASILEIRAS
O conceito de Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) foi criado pela Corte Constitucional da Colômbia na decisão SU-559, de 6 de novembro de 19974. Trata-se de um instrumento jurídico voltado ao reconhecimento de violações graves e sistemáticas de direitos fundamentais, resultantes de falhas estruturais em políticas públicas. Seu objetivo é mobilizar a atuação conjunta de diferentes entidades estatais para enfrentar essas violações.
No Brasil, através do instituto das Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPFs), o STF tem aplicado o conceito de estado de coisas inconstitucional. O Plano “Pena Justa”, do CNJ, foi elaborado a partir do ADPF 347, ajuizado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pleiteando o reconhecimento do ECI no sistema prisional brasileiro, além da adoção de medidas concretas para melhorar as condições carcerárias e combater o hiperencarceramento. Em 2015, o STF deferiu as medidas cautelares e reconheceu o ECI, diante da omissão estatal frente às violações generalizadas de direitos. Em outubro de 2023, o julgamento do mérito consolidou o entendimento da Corte, reconhecendo a falência estrutural das políticas públicas voltadas à população carcerária.
O ECI se manifesta, segundo o STF, pela superlotação e má qualidade das vagas existentes, com falta de serviços e bens essenciais, pelo ingresso desproporcional de novos presos, especialmente primários e autores de delitos de baixa periculosidade e pela manutenção de pessoas presas por períodos além do previsto, ou em regime mais severo do que o determinado judicialmente.
Após o reconhecimento do ECI, o STF determinou a realização de audiências de custódia preferencialmente presenciais, em até 24 horas após a prisão, a fundamentação da não aplicação de medidas alternativas à prisão e a liberação e não contingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).
Como se trata de um processo estrutural, a Corte enfatizou que sua solução deve ocorrer em duas fases: 1. Reconhecimento do ECI e definição dos objetivos a serem alcançados; 2. Elaboração, homologação e monitoramento das medidas a serem implementadas. A responsabilidade foi atribuída aos três poderes da República, abrangendo a União, os Estados e o Distrito Federal. O STF determinou a elaboração de um Plano Nacional, elaborado pela União em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), com prazo de até 6 meses para sua elaboração e até 3 anos para implementação, e Planos Estaduais e Distrital, com prazo de 6 meses após a homologação do Plano Nacional e implementação em até 3 anos.
O CNJ, com base nos parâmetros acima, instituiu o Plano “Pena Justa”, acionando os Estados e seus sistemas de justiça para elaborarem seus planos, conforme determinação do STF.
3. ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E DAS DIRETRIZES DO PLANO NACIONAL
O plano nacional criado pelo CNJ, chamado de Plano “Pena Justa”, tem princípios e metas, além das justificativas sociológicas e políticas. São essas, em suma:
3.1. Escravização, racismo e o histórico da privação de liberdade no Brasil
O plano traz elementos históricos e sociológicos, relacionando a violência contra pretos e pardos à formação do país, com a escravização e favelização, sendo o reconhecimento de tais fatos a linha mestra do plano, que exige a atuação dos agentes públicos no combate ao racismo institucional.
A análise histórica é correta, mas não é suficiente para explicar o impacto do crime sob o corte étnico-racial. Toda a população brasileira é vítima do estado de coisas inconstitucional, relacionada ao predomínio do crime organizado em territórios tomados do Estado brasileiro5. Em suma, a população brasileira, como um todo, é vítima do estado de coisas inconstitucional. Delimitar, com base em um corte étnico e racial, a população a ser protegida pelo ADPF é insuficiente, em especial quando se busca proteger apenas os perpetradores da violência (que estão nesse corte étnico e racial), esquecendo-se das vítimas do crime, principalmente as pessoas mais pobres (pretas, pardas etc.).
A discussão étnico-racial do plano precisa analisar dados objetivos, abandonando ideias e conceitos pré-concebidos. Em simples análise dos dados do Anuário da Violência 2024, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, verifica-se que 77,8 % (setenta e sete vírgula oito por cento) dos homicídios dolosos tiveram como vítimas pessoas negras e pardas. Os dados do Atlas da Violência 2025, confeccionado pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Aplicadas, verifica-se que, não obstante pontuar com veemência uma suposta exacerbação de taxas de homicídios contra pessoas negras, o próprio atlas não consegue escamotear – até por conta dos dados do IBGE – que nessa população negra que sofreu o total de 35.213 homicídios, fazem parte tanto pretos quanto pardos, o que por lógica matemática reflete nada mais que a maioria da própria população negra, ou seja, pretos e pardos, conforme classifica o IBGE6.
No Censo de 2022, mais de 92,1 milhões de brasileiros se declararam pardos, o equivalente a 45,3% da população do Brasil, estimada em 203 milhões de pessoas. Foi a primeira vez desde 1991, quando a pesquisa censitária nacional passou a incluir “cor ou raça”, que a população parda foi maioria.
Cerca de 88,2 milhões de pessoas se declaram brancas (43,5% da população), 20,6 milhões se declaram pretas (10,2%), 1,7 milhão se declaram indígenas (0,8%) e 850,1 mil se declaram amarelas (0,4%). Ou seja, somando-se pardos e pretos (negros), esta categoria (raças) corresponde a 55,5% da população, sendo essa a população mais vitimada por crimes violentos (77,8%).
Os cortes étnico-raciais citados no IBGE devem ser analisados em conjunto com os dados do SENAPPEN, mas, a priori, verifica-se que, majoritariamente, vítimas e autores de crimes violentos representam a média da população em determinado local, quanto à cor e etnia. Na mesma tônica, se observarmos os dados do SENAPPEN, é possível verificar que a maioria das pessoas presas se considera parda, ou seja, representa exatamente a maioria da demografia brasileira. Indo mais além, Estados como o Paraná, Rio Grande do Sul7, Santa Catarina e São Paulo, locais que sofreu historicamente uma grande influência da imigração europeia, portanto brancos, a imensa maioria das pessoas presas que se declararam brancas ultrapassa as que se declararam pretas. (Presos por cor de pele/raça/etnia em 31/12/2023 – SISDEPEN).
Por mais que seja razoável a discussão acerca do racismo institucionalizado e a questão racial dentro do contexto do sistema prisional, o foco do trabalho deve englobar não apenas os perpetradores da violência, mas, principalmente, aqueles atingidos por essa. O Brasil é o país do mundo com maiores taxas de homicídio contra populações pretas, indígenas, pardas, e contra minorias. Isso também, porque é o país com maiores taxas de homicídio contra a população em geral, independentemente do corte étnico-racial.
O combate ao racismo institucionalizado passa, principalmente por implementação de projetos sociais e intervenção nas comunidades mais afetadas pelo crime, como vilas e favelas, buscando a melhoria das condições sociais. As políticas massivas de desencarceramento, desvinculadas ao enfrentamento às mazelas sociais e à recuperação e melhoria de territórios ocupados pelo crime organizado, tende a fracassar ou, até mesmo, a piorar a percepção de insegurança pública, além de deixar a população mais atingida pela violência (pretos e pardos) absolutamente desprotegida.
3.2. A prisão como reforço da insegurança social
O Plano “Pena Justa” parte do princípio de que a prisão é última medida (ultima ratio) a ser aplicada. Apesar disso, teria ocorrido um aumento de 266% na população prisional de 2000 a 2023 (de 232.755 para 851.493), mesmo com aumento de vagas, o que evidenciaria a aplicação expansionista da pena de prisão. A superlotação decorreria do uso excessivo do encarceramento, e não da simples falta de vagas. A prisão provisória diminuiu de 40,13% (2014) para 25,48% (2023), mas a população prisional total não reduziu, mostrando a prisão como medida central da política penal.
Aqui, os gestores do plano adotam, por principiologia, o mito do encarceramento em massa, adotando, também, o princípio de que a violência é gerada por questões sociais.
Na verdade, o aumento de pessoas encarceradas é uma resposta direta ao aumento dos índices de violência, sendo essa resposta tímida e ineficaz, já que a maior parte dos criminosos violentos não se encontra presa, e quando o são, acabam sendo favorecidos por políticas antipunitivistas, que permitem a esses se manter praticando novos crimes (teoria da porta giratória no sistema prisional8). O princípio de que o crime é gerado apenas por mazelas sociais e desigualdade, não é absoluto e precisa ser colocada de frente a índices estatísticos.
Tomemos como corte o Nordeste, local de aumento exponencial dos índices de morte violenta9. De 1996 a 2008 o impacto percentual foi na ordem de 106% nos números absolutos, num crescimento linear na série histórica. O Nordeste é conhecido pela desigualdade e pela pobreza, mas tais fatores, apesar do senso comum, não têm sido os fatores mais relevantes no aumento da quantidade de crimes contra a vida. José Maria Nóbrega Jr e Jorge Zaverucha10, analisando os dados oficiais da evolução do crime e procedendo ao cruzamento desses dados com a situação econômica, indicaram que está ocorrendo um processo inverso: enquanto a miséria tem diminuído nas últimas décadas, os índices de crimes violentos têm aumentado. Os autores concluíram que:
“no confronto dos dados de homicídios com as macrovariatas socioeconômicas utilizadas como proxy para desigualdade e pobreza, concluímos que não há relação entre as variáveis, ou seja, refutamos que, no Nordeste em geral, e em Pernambuco em particular, a violência homicida seja explicada (ou causada) pela desigualdade/pobreza”.
Os autores completam:
“Entre 2001 e 2005 a desigualdade de renda declinou substancialmente no Brasil, e de forma contínua, alcançando neste último ano o menor nível das últimas três décadas. Além de relevante por si só, esta desconcentração teve consequências expressivas sobre a pobreza e a extrema pobreza no país. A despeito do lento crescimento econômico, a extrema pobreza declinou para uma taxa seis vezes mais acelerada que a requerida pela primeira meta do primeiro objetivo de desenvolvimento do milênio (…) Os homicídios no Nordeste vêm crescendo independente das melhorias estruturais, como foi visto na relação entre os homicídios e as macrovariatas socioeconômicas elencadas de acordo com a literatura sobre o assunto. A teoria de que o desenvolvimento econômico, a diminuição da desigualdade (social e de renda) e da pobreza são fatores decisivos para o controle da violência (proxy=homicídios) não se comprovou no caso desta região”.
Partindo da premissa de que a miséria e a desigualdade são fatores primordiais para a violência, deveríamos verificar redução dos índices criminais no Nordeste nos últimos 30 anos, quando todos os aspectos de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) melhoraram. Mas temos observado o contrário. Esse fato precisa ser discutido objetivamente dentro da implementação do PLANO, pois diagnósticos errados geram a implementação de políticas públicas deficitárias.
Em relação ao alegado encarceramento em massa, o Plano “Pena Justa” se olvida de frisar, também, que a população brasileira, segundo dados do próprio IBGE é composta de mais de 212 milhões de habitantes, o que, em comparação com outros países, evidencia-se que a taxa de encarceramento está no patamar proporcional a sua população11. De outra banda, levando-se em conta as taxas de criminalidade brasileira, em especial, o homicídio, crime que afeta o bem jurídico mais importante, ou seja, a vida. Deflui-se na verdade que a taxa de encarceramento, levando-se em conta tão somente este tipo de delito – gravíssimo por sinal – deveria ser bem maior, posto que somos responsáveis por pouco mais de 10% (dez por cento) dos homicídios de todo o planeta Terra, isto quer dizer, a cada 10 mortes violentas intencionais que acontecem no globo terrestre, o Brasil é responsável por um deles.
Ademais, quando difunde-se mensagem de que o Brasil tem a quinta população carcerária do mundo, o que seria em termos matemáticos, por si só, proporcional, pois a população brasileira também é a quinta maior, olvida-se de se pontuar que destes supostos presos, uma boa parte, aproximadamente um quarto, não estão efetivamente presos, pois gozam de regalias, tais como, prisão domiciliar (com ou sem tornozeleira eletrônica), assim como estão em regime aberto ou semiaberto “harmonizado”, o que de fato se traduz em liberdade praticamente plena sem qualquer vigilância estatal12.
Em suma, a afirmação de que a prisão gera insegurança pública é teratológica e destituída de prova estatística, principalmente quando se leva em conta os índices de violência extrema a que a população brasileira é submetida, tendo grande viés ideológico.
3.3. Crime organizado e facções prisionais
Talvez a principal crítica ao Plano “Pena Justa” do CNJ seja os aspectos relacionados ao crime organizado. O plano parte do princípio de que a resposta estatal baseada no agravamento da pena tem falhado, piorando as condições no cárcere sem conter a atuação das facções.
Conforme Vanessa Galvão Herculano13,
de todas as medidas necessárias e urgentes, sem sombra de dúvidas, o oferecimento de condições mínimas de sobrevivência aos internos é o primeiro passo. O Estado precisa garantir, efetivamente, a vida dos presos dentro dos estabelecimentos penais para que o interno tenha opções de escolha e condições de ressocialização.
Não há como garantir a vida e a integridade de pessoas presas e egressas, além da possibilidade de escolher sair ou não do mundo do crime (que é, em última instância, uma escolha pessoal), fechando os olhos para um fato notório: a existência de organizações criminosas violentas, como facções e milícias.
Ainda, segundo a autora acima,
a liberação desordenada de toda essa massa carcerária excedente, como defendem alguns estudiosos, sem a devida contraprestação do Estado no reforço do sistema de segurança pública como um todo, mostra-se equivocada. Não devemos esquecer que essas pessoas estão presas pelo cometimento de crimes graves, e devolvê-las precocemente à sociedade irá gerar outros três efeitos indesejados, que são o descrédito das instituições, a certeza do incremento da sensação de impunidade e a reiteração de atos criminosos graves.
Há dois dogmas relacionados às ORCRIMs (facções e milícias), adotados pelo plano, implicitamente (escolha ideológica). O primeiro, diz respeito ao princípio de que a prisão serve apenas para favorecer o recrutamento de novos membros, pelas facções. E o segundo, é que a pena de prisão é incapaz de conter a atuação dessas entidades.
Defender o fim do encarceramento para dificultar o recrutamento de novos membros de facção é teratológico. Primeiro, as facções e milícias recrutam novos membros, preponderantemente, dentro das comunidades que dominam, vilipendiando o direito de desenvolvimento saudável dos jovens vindos de famílias fragmentadas, oferecendo o caminho do crime como única opção de vida (e morte). Ou seja, a prisão é o lugar onde se menos recruta novos membros, pois, em regra, quando o agente perpetrador do crime é preso, já está devidamente inserido em uma ORCRIM. Segundo, hoje a forma mais eficaz de recrutamento de faccionados e milicianos é a via digital14. As ORCRIMs recrutam ou incentivam influenciadores digitais, que atuam em três vias: fazendo propaganda das vantagens da organização (família, como muitos chamam), recrutando novos membros, principalmente jovens ambiciosos e em risco social, e atuando na lavagem de dinheiro (vide atuação de alguns MCs, investigados por tais fatos).
Facções e milícias são responsáveis por retirar do Estado brasileiro parcela substancial do território nacional, criando “estados paralelos”, colocando a população sob cárcere permanente e sendo responsável por índices de morte violenta e outros crimes graves. O enfrentamento de tais entidades exige força estatal, tanto para recuperar territórios perdidos, quanto para manter em cárcere membros violentos das ORCRIMs. Por mais que a prisão seja um ato de violência de per si, em um mundo real, não há outra forma de impedir a reiteração delitiva ou punir criminosos violentos.
3.4. Déficits de gestão e indução da política penal
O Plano “Pena Justa” faz considerações corretas sobre os déficits de gestão prisional, indicando algumas melhorias e avaliações de risco, além de metas que estão sendo ou precisam ser implementadas. Dentre os pontos positivos, indica que houve a expansão do número de prisões, a transferência de detentos de delegacias para unidades prisionais, e a criação das Secretarias de Administração Penitenciária, escolas de serviços penais e ouvidorias.
Indicou também problemas na consolidação de informações penais, apenar de avanços com o Sisdepen (Executivo), BNMP 2.0 e 3.0, SEEU e CNIEP (Judiciário), mas afirmando persistir falhas de integração entre os sistemas, dificultando políticas públicas eficazes.
Por fim, dentro da gestão prisional em si, haveriam problemas de desestruturação dos modelos de cumprimento da pena, com políticas de alternativas penais ainda em consolidação, monitoração eletrônica mal utilizada, política para pessoas egressas incipiente, normalização da permanência excessiva nas celas, ausência de classificação por tipo penal e regime de custódia, mistura de presos provisórios e condenados agrava vulnerabilidades, pouca adoção de métodos de justiça restaurativa ou mediação, e modelo de gestão baseado em contenção e punição.
3.5. Diretrizes do Plano Nacional
O Plano Nacional traz diretrizes gerais e específicas, que precisam ser replicadas pelos entes federativos. Ao se estruturar como uma política pública robusta mediante um marco lógico claro, tem como imperativo central humanizar o sistema prisional e promover efetivamente a segurança pública. Para tanto, fundamenta-se em três diretrizes gerais cruciais: o controle rigoroso da superlotação e a melhoria das condições físicas das vagas, essenciais para qualquer avanço; o estímulo decidido a medidas alternativas à prisão, reduzindo a entrada desnecessária no sistema; e o aprimoramento dos mecanismos de progressão de regime e controle de saídas, garantindo maior racionalidade e segurança no processo de retorno à sociedade.
Estas diretrizes gerais encontram ressonância direta e são operacionalizadas por um conjunto abrangente de Diretrizes Específicas, que visam assegurar desde a dignidade básica do preso, com alojamento adequado, alimentação, água, higiene, saúde, educação, trabalho e assistência, até um tratamento diferenciado e adequado para os diversos grupos vulneráveis, como jovens, mulheres (incluindo gestantes e lactantes), população LGBTQIA+, pessoas com deficiência, indígenas e idosos, mediante também uma criteriosa separação entre presos por periculosidade, regime e vulnerabilidade.
A efetivação destas metas exige, ainda, a garantia de pessoal qualificado em número suficiente, com capacitação contínua em direitos humanos e alocação específica de servidoras nas unidades femininas, aliada a um forte compromisso com transparência e informação, expresso num sistema acessível de denúncias, no respeito ao devido processo legal e no amplo acesso à assistência jurídica.
As diretrizes são necessárias e as metas são críveis. Faremos algumas considerações acerca de riscos operacionais abaixo.