CONCLUSÃO
O direito ao esquecimento não é uma novidade trazida com o avanço da internet, mas uma discussão que há muito se faz presente no âmbito jurídico e doutrinário, tendo sua aplicação reconhecida em diversos ordenamentos jurídicos europeus e estadunidense.
No Brasil, o direito ao esquecimento já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, antes de ser entendido como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu ser incompatível com o nosso ordenamento a negativa de publicação de fatos verídicos somente pelo decurso do tempo, no Tema 786.
A decisão do STF no Tema 786, ao desconsiderar o direito ao esquecimento, negligencia aspectos fundamentais da dignidade humana e da proteção à privacidade, que são garantidos pela Constituição de 1988, assim como o direito à proteção de dados e à memória.
Tanto a Constituição Federal quanto o Marco Civil da Internet e a LGPD permitem que certos conteúdos desabonadores da reputação de um indivíduo sejam retirados da internet ou, ao menos, desindexados dos provedores de busca, garantindo assim a honra, a privacidade e o direito ao esquecimento de ações passadas, que não precisam ser constantemente rememoradas e perpetuadas.
Por óbvio, tal direito, assim como todos os outros direitos fundamentais, deve ser receber a devida regulamentação, com a imposição de limites para evitar abusos e em respeito a outras garantias fundamentais, como o direito à informação e à liberdade de expressão. A necessidade de fixação de limites materiais à sua aplicação é necessária até mesmo para salvaguardar o seu instituto e evitar eventuais abusos que possam ocorrer na tentativa de retirada de conteúdos de interesse público e social ou de apagamento de fatos históricos importantes para a formação da sociedade.
Algumas pessoas, por ocuparem cargos públicos, por exemplo, podem ter o seu direito ao esquecimento mais restrito do que os considerados cidadãos comuns, em um equilíbrio entre os princípios da razoabilidade e da moralidade, que regem a Administração Pública, e o direito à privacidade, sempre tendo como norte que nenhum direito é absoluto e é possível que, em certas situações, certos princípios sejam afastados em prol de um outro que também seja considerado fundamental pelo ordenamento jurídico.
Isso posto, é importante considerar os princípios gerais de Direito e os critérios de ponderação construídos ao longo da História. A nosso ver, somente é possível vislumbrar uma solução ao conflito aparente entre tais direitos fundamentais em caso concreto – caberá ao Estado-juiz definir que direito deve prevalecer. É importante destacar que Sarlet (2020, p. 70) entende que o direito ao esquecimento ultrapassa o interesse individual, posto que “consiste num processo social”, pois, apesar de revelar um plano individual, guarda relação com a memória coletiva (Junior; Oliveira; Sampaio, 2022, p.14).
A legislação e a jurisprudência precisam acompanhar as evoluções sociais e entender o funcionamento das novas tecnologias que passam a integrar umbilicalmente a vida em sociedade, para criar soluções que respeitem os interesses de todos os envolvidos, sem colocar jamais em risco os direitos e garantias previstos pela Constituição Federal e pelos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil faz parte.
REFERÊNCIAS
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Nota
1 Conhecido como Barba Azul, é considerado o maior serial killer da França, condenado pela morte de onze mulheres, embora estima-se que esse número possa ser muito maior (Chabouté, 2020).