INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva discorrer sobre o direito ao esquecimento e a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 1.010.606, que originou o Tema de Repercussão Geral nº 786, que entendeu ser incompatível com a Constituição Federal a possibilidade de impedimento de que certas informações verídicas fossem publicadas em meios de comunicação social, com base na ideia de que esse direito conflitaria com o direito à liberdade de expressão e à livre informação.
No entanto, em tal julgamento, o STF utilizou como base um caso que discutia a veiculação de documentário jornalístico, em programa de televisão, ignorando a diferença entre as informações fornecidas pelos meios tradicionais de radiodifusão e aquelas publicadas na internet, bem como o conflito principiológico que ocorre na sociedade de informação em massa, que constantemente gera embates entre o direito à privacidade e o direito à informação.
Para tanto, será apresentado o conceito de direito ao esquecimento, sua relação com os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República Federativa de 1988, e o conflito de jurisprudência entre o Superior Tribunal de Justiça, que entendia por sua aplicabilidade, e a decisão do Supremo Tribunal Federal, que fixou o entendimento acima.
Também serão mencionados os aspectos históricos do instituto, bem como exemplos da aplicabilidade do direito ao esquecimento no âmbito internacional, com a intenção de demonstrar que ele se coaduna com o ordenamento jurídico pátrio, sendo perfeitamente possível sua aplicabilidade em cotejo com as balizas fixadas pela Constituição Federal.
1. O CONCEITO DE DIREITO AO ESQUECIMENTO
O direito ao esquecimento pode ser entendido como a possibilidade de um indivíduo solicitar a remoção ou desindexação de informações sobre sua vida, quando consideradas desatualizadas, irrelevantes ou prejudiciais à sua honra e privacidade.
Embora há muito discutido por vários doutrinadores, principalmente no âmbito criminal, com a popularização da internet e a facilidade com que uma informação pode ser encontrada e acessada, ganhou especial relevância.
Diz-se que o direito ao esquecimento:
É a faculdade que o titular de um dado ou fato pessoal tem para vê-lo apagado, suprimido ou bloqueado, pelo decurso do tempo e por afrontar seus direitos fundamentais. Trata-se de uma espécie de caducidade, onde a informação, pelo decurso do tempo e por sua proximidade com os direitos fundamentais afetos à personalidade, deveria perecer, ainda que por imposição de lei” (CHEBAB, 2015, p.88).
A Constituição Federal, em seu art.5º, X, sempre entendeu como garantia fundamental a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Após a Emenda Constitucional nº 115/2022, também incluiu a proteção de dados no inciso LXXIX, inclusive nos meios digitais, como direito merecedor de proteção, entendido como direito fundamental, naquilo que a doutrina convencionou chamar de “autodeterminação informativa” (Ferreira, 2023).
Para Daniel Bucar (2013), o direito à privacidade e o direito à autodeterminação informativa estão diretamente relacionados, permitindo ao indivíduo exercer o controle sobre seus próprios dados no tempo e espaço, exigindo seu consentimento para o tratamento de suas informações.
O Supremo Tribunal Federal desenvolveu o conceito de direito ao esquecimento ao entender ser
incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2021).
Embora tratado de forma separada, a doutrina entende que o direito ao esquecimento está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana e seu livre desenvolvimento, além do controle sobre a própria memória (Sarlet, 2020).
Conforme defendem Acioli e Júnior (2017), o direito ao apagamento recebe um novo contexto na era digital como uma forma de garantia da privacidade e tratamento de dados pessoais, o que impede que certas informações sejam disponibilizadas eternamente, devendo ser descartadas após a conclusão daquilo que justificou sua coleta. “Isto quer dizer que um dado que era lícito no momento da coleta pode se tornar ilícito com o decorrer do tempo, tornando-se possível que o interessado faça o pedido de seu apagamento” (Acioli; Júnior, 2017, p.396).
De qualquer forma, seja um direito decorrente do direito à privacidade, seja um direito autônomo, o direito ao esquecimento se caracteriza, em especial, entendem Alexandre da Silva e Marlea Macial, pela proteção da pessoa humana do dano ou da possibilidade de dano existencial, visto que o direito ao esquecimento se propõe a proteger o indivíduo em seu projeto pessoal de vida. Em razão dessa natureza existencial do dano, inclusive, o direito ao esquecimento “[...] se estende aos parentes e outros que possuem (possuíam) íntima relação com a pessoa envolvida com os fatos, chamado de dano em ricochete”. De tal modo, é possível que os parentes ajuízem ação pleiteando o reconhecimento do direito ao esquecimento sobre fato de uma pessoa morta, tal como no caso Aída Curi, o qual será visto mais adiante (Acioli; Júnior, 2017, p. 401).
Não mais limitado ao direito criminal, que já garante o sigilo à folha criminal após a reabilitação de um condenado por fato criminoso, hoje o direito ao esquecimento se faz presente em todos os setores do direito, permeando as relações civis, principalmente quando pensamos nos novos modelos de socialização, por meio da internet, onde a informação, após publicada, dificilmente conseguirá ser definitivamente excluída, o que exige um novo olhar para essa problemática e a busca de novas e melhores soluções.
2. ASPECTOS HISTÓRICOS
A origem do direito ao esquecimento na Europa é apontada ainda em 1881, quando a Lei de Imprensa Francesa, já naquela época, proibia a divulgação de informações consideradas pessoais e relacionadas a certos processos judiciais, por não serem de interesse público.
Posteriormente, a França também reconheceu o droit à l’oubli, em 1965, em um caso sobre um ex-condenado que requeria que a imprensa não publicasse as razões de sua condenação, garantindo assim a sua reinserção na sociedade (Acioli; Júnior, 2017).
Já nos Estados Unidos, o right to be forgotten foi traçado no caso Melvin v. Reid, julgado pela Suprema Corte em 1930 (Acioli; Júnior, 2017).
A ideia de um direito ao esquecimento, do ponto de vista substancial, tem a sua concepção decorrente de construções desenvolvidas em decisões judiciais, quer dizer, foi no âmbito da jurisprudência que se revelou a evolução do direito ao esquecimento, compreendido como “o direito subjetivo de reagir contra a injustificada utilização de fatos pretéritos, desprovidos de interesse público ou relevância social, com aptidão para malferir, de forma relevante, direitos da personalidade”. Embora, encontre raízes distantes, ressurgiu com maior vigor na quadra atual devido à expansão da Internet, que oferece novos perigos aos direitos da personalidade, principalmente pela grande difusão da informação que proporciona e pela perpetuidade da disponibilização de escritos, imagens e outros dados capazes de impactar a dignidade humana (Guerreiro; Santos, 2024, p.382-383).
Capo (2024) aponta que, embora as origens do direito ao esquecimento remontem às ciências criminais, “é possível observar no campo civil uma relação estreita com os direitos inerentes à personalidade humana e os seus desdobramentos”, quando, também na França, foi julgado caso relativo à indústria cinematográfica, que impediu a publicação de nomes e detalhes da vida pessoal dos envolvidos em um documentário sobre o serial killer Henri Désiré Landru2.
3. O DIREITO AO ESQUECIMENTO NO ÂMBITO INTERNACIONAL
Em 1978, a França promulgou a Lei n.78-17, que tratava sobre a proteção de dados pessoais, relacionando-a com o direito ao esquecimento, impedindo o uso abusivo de dados pelo setor tecnológico, exemplo que foi seguido pelo Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de outubro de 1995 nas Diretivas n. 95/46/CE (Limongi, 2016).
Na Alemanha, o direito ao esquecimento foi aplicado em 1969 pelo Tribunal Constitucional Alemão no “Caso Lebach”, que restringiu a exibição de nomes e características físicas dos condenados por um crime que seria narrado em um documentário (Capo, 2024).
Embora inicialmente tenha sido rejeitada a medida cautelar para impedir a exibição do documentário, o Tribunal Constitucional Alemão realizou um sopesamento de princípios ao perceber a existência de conflito entre o direito de proteção à personalidade e a liberdade de informação por meio de radiodifusão. Para o Tribunal, a finalidade de interesse social na informação estaria ausente no caso, por se tratar de uma ocorrência passada, afastado o requisito da atualidade, e a exibição do documentário colocaria em risco a ressocialização do autor da ação (Alexy, 2006).
Nota-se que, apesar de o julgamento não ter feito referência direta à expressão “direito ao esquecimento”, esse clássico da jurisprudência alemã foi usado como paradigma, sendo certo que as decisões posteriores passaram a observar a possibilidade da deliberação, a fim de garantir o monitoramento pelo cidadão sobre os próprios dados pessoais, alvos de uma posterior veiculação contrária aos seus interesses (Capo, 2024).
Em 2018, foi aprovado pela União Europeia o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), que fixou balizas para a uniformização de tratamento de dados, impedindo que informações pessoais de indivíduos fossem utilizadas sem sua devida autorização.
Na atualidade, o caso que fez o direito ao esquecimento voltar a ser debatido com mais intensidade foi o seu reconhecimento pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Google Spain (2014), que reconheceu o direito dos cidadãos de solicitar a remoção de links irrelevantes ou desatualizados de motores de busca, com base no direito à privacidade, e que tem influenciado a forma com outros países analisam e tratam o tema de proteção à informação e à privacidade.
Em 5 de março de 2010, o cidadão espanhol MCG apresentou reclamação à Agência Espanhola de Proteção de Dados – AEPD contra La Vanguardia Ediciones SL, editora de jornal de grande tiragem na Catalunha, e contra o Google Spain e o Google Inc. A reclamação era que os internautas, ao inserirem o nome dele nos motores de busca do Google (Google Seach), eram direcionados para duas publicações do jornal La Vanguardia, de 19 de janeiro e de 19 de março de 1998, que continham anúncio com seu nome acerca de venda de imóveis em hasta pública em decorrência de arresto que sofrera por dívida com a seguridade social. O reclamante pedia que a AEPD ordenasse a La Vanguardia que suprimisse seus dados pessoais da página — na prática, que apagasse esses dados —, e que o Google deixasse de exibir as informações publicados pela La Vanguardia entre os resultados das buscas do Google Search, pois a dívida com o fisco já havia sido quitada há anos, de forma que a informação já não mais possuía relevância atual (Acioli; Júnior, 2017, p.388).
Nesse caso, foi negada a responsabilidade do jornal La Vanguardia, visto que os anúncios foram publicados por força de determinação judicial e justificada necessidade de se dar publicidade aos leilões. No entanto, a responsabilidade das empresas Google Spain e Google Inc. foi reconhecida para determinar a retirada dos conteúdos dos seus resultados de pesquisa, por serem responsáveis pelo tratamento dos dados que realizam. Também na oportunidade, o Tribunal entendeu que
tendo em vista a possibilidade de uma informação antiga e inicialmente legítima vir a se tornar ilegítima, o tribunal reconheceu o direito fundamental individual de uma pessoa exercer o seu direito à desindexação de determinadas dados expostos nos resultados de sites de busca, com base nos artigos 7º15 e 8º16 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, prevalecendo, a priori, esse direito de autodeterminação informativa ante o interesse econômico dos provedores de busca e o interesse do público em acessar esses dados. Ante, pois, essas exposições, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, em 13 de maio de 2014, no julgamento C-131/12, conceder permissão para que os cidadãos europeus peçam a empresas provedoras dos motores de busca, tal como o Google, que removam links para páginas que exponham seus dados pessoais quando essas informações possam ser consideradas imprecisas, inadequadas ou irrelevantes (...) (Acioli, Júnior, 20147, p.390).
Aqui, é interessante destacar as diferenças entre o que foi decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e o que, posteriormente, restou positivado no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, pois a Corte reconheceu, na verdade, um direito à desindexação, ou seja, o direito de requerer que os servidores de busca sejam impedidos de mostrar certos conteúdos, ao contrário do RGPD, que permitiu que esses dados fossem apagados, suprimindo as informações (Guerreiro; Santos, 2024).
Na América Latina, a doutrina jurídica tem igualmente defendido a possibilidade de um direito ao esquecimento como forma de proteção dos dados dos usuários, cada vez mais interconectados no âmbito da Internet e de novas tecnologias em constante expansão, ainda que, ocasionalmente, isso resulte na relativização das liberdades de expressão e de informação. A Corte Constitucional da Colômbia, por exemplo, nos autos da Sentencia nº T-277/1519, determinou a atualização e a correção de informações publicadas pela Casa Editorial El Tiempo em seu site sobre fatos relacionados à autora, além de determinar a desindexação da notícia dos mecanismos de busca da Internet, a fim de neutralizar a possibilidade de livre acesso à notícia a partir da mera digitação do nome da autora (Guerreiro; Santos, 2024, p.386).
É notória a importância da temática ao redor do globo, principalmente considerando o avanço da internet e a possibilidade de que uma notícia tome alcances inimagináveis, principalmente quando comparados com os meios de comunicação tradicionais.
A regulamentação da matéria é necessária, não somente de forma local, mas até mesmo por meio de tratados e convenções internacionais, garantindo o respeito à privacidade e à dignidade dos envolvidos, sem deixar de lado a liberdade de informação e o interesse público, sopesando os princípios e garantindo maior efetividade e proteção aos direitos fundamentais.
4. O STJ, O STF E O TEMA 786
No Brasil, é notoriamente conhecido o caso Xuxa, em que a apresentadora Maria da Graça Xuxa Meneghel propôs ação contra a empresa Google para que sua imagem fosse desvinculada, nos provedores de busca, de cena de cunho sexual do filme Amor Estranho Amor. Na oportunidade, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que os conteúdos disponíveis na rede não seriam de responsabilidade dos provedores de pesquisa, cabendo à parte buscar a retirada desses conteúdos dos sites que os disponibilizam, e não dos provedores (STJ, 2012).
No entanto, os dois casos de maior relevância, e que destacaram a importância do debate sobre o direito ao esquecimento nos Tribunais Superiores brasileiros foram as duas decisões do Superior Tribunal de Justiça, que tratavam do pleito de indenização contra órgãos de comunicação.
No REsp n. 1.334.097, a 4ª Turma do STJ entendeu que um réu tem direito de ser esquecido, independentemente de o resultado de seu julgamento ter sido pela absolvição ou pela condenação, decidindo pelo sigilo da folha de antecedentes criminais, no caso “Chacina da Candelária”, reconhecendo o direito do autor de não ser lembrado sobre fatos considerados desabonadores de sua reputação, mas que foi inocentado posteriormente.
Já no caso Aída Curi, julgado também pela 4ª Turma no REsp n. 1.335.153, prevaleceu o interesse público e histórico sobre os direitos da personalidade, considerando a relevância daquele caso, que se tornou de domínio público:
(...) 4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor –condenado e já penalizado –deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima –por torpeza do destino –frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido. 5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Ainda Curi. 6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos (...) (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2013).
Como se percebe, o STJ sempre entendeu pela compatibilidade de um direito ao esquecimento com o ordenamento jurídico pátrio, realizando sopesamentos principiológicos, conforme Alexy (2006) defendia, nos casos concretos analisados.
A aplicação no Brasil da doutrina da posição preferencial ou, ainda, dos direitos preferencias – preferred rights, em inglês – é um reflexo da influência que a jurisdição constitucional americana tem exercido no pensamento constitucionalista brasileiro. A ideia pela qual “[...] alguns direitos e garantias fundamentais ocupariam posições preferenciais em relação a outros direitos e garantias fundamentais” precisa, contudo, ser entendida em dois termos. Rocha, Cunha e Oliveira argumentam que, no entendimento mais rigoroso, os direitos de liberdade de expressão e de informação se sobressairiam em relação ao direito à privacidade, por exemplo, de forma tal que o julgador não poderia decidir contra eles. No entendimento mais flexível – e,
ao que parece, é a posição adotada pela doutrina brasileira – o julgador teria uma margem maior de decisão, ponderando os direitos envolvidos caso a caso (Acioli; Júnior, 2017, p.405).
No entanto, a jurisprudência sofreu uma guinada quando, em 2021, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal editou o Tema nº 786, que entendeu que o direito ao esquecimento é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Para a Corte Constitucional, não é possível obstar a publicação de informações verídicas em razão do critério do tempo.
Ocorre que, conforme destacam Junior, Oliveira e Sampaio (2022), o caso julgado pelo STF tratava de um problema relativo a um programa de televisão e a exibição de um documentário sobre um crime emblemático na história do Brasil, e que acabou sendo utilizado para abordar situações distintas, criadas posteriormente, com o advento da era digital e das novas formas de comunicação e de informação.
Segundo o STF, a intervenção do Estado somente deve ocorrer nos casos de abuso e conforme a análise de cada caso concreto, não sendo possível, de antemão, impedir a publicação de certo conteúdo verídico e informativo.
Como ponto de partida, há que se observar que a própria decisão do STF deixou espaço para a construção de soluções jurídicas para casos específicos mediante a ponderação de outros direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal, o que permite o prosseguimento do debate sobre o direito ao esquecimento, dentro de certas balizas .A passagem do tempo, por exemplo, não é capaz de gerar o direito de obstar a divulgação de fatos ou dados verdadeiros e licitamente obtidos. O entendimento do STF, nesse ponto, alinha-se perfeitamente ao regime jurídico de proteção dos direitos fundamentais (no caso, as liberdades comunicativas), que possuem a característica da imprescritibilidade, não perdendo o seu titular o direito de exercê-los pelo mero decurso do tempo. Por outro lado, a tese fixada pelo STF ressalva, na sua parte final, as “expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, que, não obstante deixem de fazer qualquer referência ao direito ao esquecimento, sem dúvida nele se inspiram e, na prática, o efetivam (Guerreiro; Santos, 2024, p.390).
Deve-se argumentar, não obstante, que a decisão do STF poderia ter sido mais cautelosa, considerando a proteção da dignidade humana, que também é um valor constitucional fundamental, e apto a limitar outros direitos constitucionais, como a liberdade de expressão e o direito à informação.
Apesar do entendimento do Tema 786, não é possível deixar de lado a preocupação com a proteção de dados pessoais na era da informação, e a necessidade de tutela das referências publicadas sobre um indivíduo na internet, ainda mais quando reconhecemos a impossibilidade de controle da propagação dessas informações.
Tecidas essas considerações, temos que o referido julgamento não consagrou a inexistência de direito ao esquecimento no Brasil, ao contrário do que se vê em alguns noticiários especializados; houve, na verdade, o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma forma por meio da qual se poderia concretizá-lo na prática. Noutras palavras, não foi o direito ao esquecimento a ser julgado inconstitucional, mas o pedido para impedir a divulgação de determinada informação verdadeira, em razão do critério de tempo; a diferença é sutil, mas seu efeito prático é cabal, o qual não pode e nem deve ser ignorado (...) Da análise doutrinária é possível concluir que o critério temporal é um limitador do direito, servindo para balizar o interesse coletivo pela informação, ou, em alguns casos, um limitador previsto legalmente. O fundamento de eventual pedido relacionado ao direito ao esquecimento pode ser, por exemplo, a reinvenção pessoal, como aponta Sarlet (2020, p. 69). Cumpre-nos, assim, para contrapor a tese, conceituar o direito ao esquecimento – e mais uma vez alertamos que não buscamos exaurir a matéria, mas contribuir para o seu desenvolvimento (Junior; Oliveira; Sampaio, 2022, p.16).
Considerando essa realidade, é que o direito à desindexação é apresentado como uma manifestação do direito ao esquecimento, e perfeitamente compatível com a Constituição Federal, bem como com o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), que asseguram o direito ao esquecimento aos dados pessoais tratados por provedores de aplicações, bem como a necessidade de consentimento para tratamento de dados pessoais sensíveis.
Não há dúvidas de que o direito ao esquecimento tenha grande importância em relação a conteúdos indexados por sites de busca, pois tanto as sugestões de pesquisa a partir de palavras-chave quanto o conteúdo exibido ao final de uma busca determinam a percepção do usuário acerca daquele tópico pelo qual ele se interessou. Noutras palavras, ao pesquisar o nome de alguém, podemos encontrar diversos adjetivos como sugestões e, após iniciarmos a pesquisa, teremos um conteúdo organizado pelo motor de busca de acordo com critérios algorítmicos baseados em número de acessos, hierarquia de hiperlinks etc. Essas informações dispostas podem, inclusive, ser distorcidas por outros atores (internautas) na rede (LOVELUCK, 2018, p. 244), os quais, compreendendo a lógica de funcionamento do site, utilizam o espaço seja a seu favor, promovendo seus conteúdos, seja contra outrem, numa forma de ataque – esta última prática conhecida como Google bombing, por meio da qual se imputam resultados negativos a algo ou alguém (Junior; Oliveira; Sampaio, 2022, p. 9).
Com essa realidade em mente, e sendo a indexação a atividade realizada por provedores de busca, por meio de softwares, que encontra e agrupa informações sobre um determinado assunto ou indivíduo a partir de determinados parâmetros buscados, a desindexação consiste exatamente na possibilidade de o indivíduo controlar e requerer que certos assuntos ou referências desabonadoras de sua vida pregressa sejam retirados desse agrupamento de informações (Guerreiro; Santos, 2024).
A doutrina de Caio César de Oliveira bem sintetiza os elementos que perfazem o direito à desindexação: (I) a ação de desindexar não garante a remoção total do conteúdo, pois ele permanece disponível no site original; (II) a desindexação incide sobre a busca realizada pelo nome do titular da informação, porém essa informação continua podendo ser localizada a partir de outros parâmetros de busca; e (III) a desindexação não garante o esquecimento e, tampouco, pode ser considerada como sinônimo de um direito ao esquecimento (Guerreiro; Santos, 2024, p. 393-394).
Não sendo sinônimo de direito ao esquecimento, mas apenas uma das maneiras de concretizá-lo, protegendo dados e informações pessoais das pessoas, o direito à desindexação não foi abarcado pelo julgamento do STF que originou o Tema 786, que em momento algum retirou a responsabilidade dos provedores de internet, tendo a Ministra Rosa Weber declarado, explicitamente, que o julgamento não pretendia discutir o direito à desindexação, sendo prematuro qualquer debate sobre o tema naquele momento.
Conforme defendem Acioli e Júnior (2017), o direito à desindexação, embora não abarque a propagação de informações pelas mídias tradicionais, ao permitir que seja retirado determinado conteúdo da lista de resultados de um provedor de busca ou, ao menos, torne mais difícil que esse conteúdo seja encontrado, sendo necessária uma combinação mais complexa de palavras-chave para que aquele conteúdo surja, é uma tentativa de harmonizar o direito à privacidade com o direito de acesso à informação.
O direito ao esquecimento não é tema afeto somente à jurisprudência, tramitando hoje, no Congresso Nacional, o PL nº 1676/2015, que conceitua, em seu art. 3º, o direito ao esquecimento como “expressão da dignidade da pessoa humana, representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos, não possuem, ou não possuem mais, interesse público”.
O parágrafo único do mesmo art.3º permite que os titulares desse direito exijam dos meios de comunicação e provedores de conteúdo e de busca da internet que determinadas notícias sejam excluídas ou não veiculadas de suas referências, independente de ordem judicial, demonstrando que, ao contrário daquilo entendimento pelo Supremo Tribunal Federal, o nosso ordenamento jurídico permite que um direito ao esquecimento seja aplicado, sendo condizente com o texto constitucional.
Obviamente, um projeto de lei que esteja relacionado com o uso livre e democrático da internet precisa ser debatido publicamente, com audiências públicas sendo convocadas para melhor discutir a temática, com soluções que não atentem contra a liberdade de expressão e informação, também garantidos pela Constituição Federal.
A lógica fluida da rede, pela qual a informação corre de maneira rápida e livre de constrições, demanda que, para a implementação do direito ao esquecimento na internet, sejam aplicadas regras distintas, tal como dispostas no Marco Civil da Internet, a respeito das quais comentamos em tópicos anteriores. A importância da liberdade de expressão e de informação na rede, a qual entra em choque com a possibilidade de sérios danos ao indivíduo pelo acesso de seus dados pessoais por terceiros, implica não ser adequado, conforme Paulo Carmona e Flávia Carmona destacam, simplesmente expandir mecanismos jurisdicionais originalmente adaptados para “[...] uma conceituação pensada e desenvolvida para a realidade de publicações na mídia televisiva” (Acioli; Júnior, 2017, p.402).
Apesar do decidido pelo STF, o debate acerca do direito ao esquecimento não está encerrado, e a tendência é que ele se torne cada vez mais constante, o que tornará necessária uma nova análise pelo Plenário da Corte Constitucional, que novamente terá que enfrentar a limitação da liberdade de informação e de expressão perante a garantia da privacidade e da honra.
“A imprensa tem o direito e o dever de funcionar (...) O indivíduo, por sua vez, tem que tomar consciência do seu direito à autodeterminação informacional” (Limongi, 2016, p.48).