Resumo: Este artigo analisa o conflito entre as restrições convencionais de uso do solo e a legislação urbanística municipal superveniente, destacando a prevalência desta última à luz da Constituição Federal, da LINDB e da jurisprudência dominante. O texto defende que as normas municipais devem prevalecer sempre que fundadas no interesse público e na função social da propriedade, observando ainda os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A abordagem metodológica contempla o exame legislativo, jurisprudencial e principiológico do tema.
Palavras-chave: Urbanismo. Restrição convencional. Legislação municipal. LINDB. Função social.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado no Direito Urbanístico. 3. Fundamentos Constitucionais da Função Social da Propriedade e da Cidade. 4. A Dinâmica Urbana e a Superação das Restrições Convencionais. 5. A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. A Jurisprudência do TJSP. 7. A LINDB como Fundamento Interpretativo. 8. Aplicação dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. 9. Considerações Finais.
1. Introdução
A crescente complexidade das dinâmicas urbanas impõe constantes desafios ao ordenamento jurídico, notadamente no que se refere ao uso e ocupação do solo urbano.
Entre os temas que mais suscitam debate está o conflito entre as restrições convencionais estabelecidas em loteamentos e as disposições normativas municipais supervenientes.
Este artigo propõe-se a examinar a prevalência da legislação urbanística municipal sobre tais restrições privadas, com fundamento na Constituição Federal, na jurisprudência dominante e na aplicação de princípios como a função social da propriedade e a razoabilidade.
2. O Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado no Direito Urbanístico
A prevalência da legislação urbanística municipal sobre as restrições convencionais de loteamento encontra seu pilar fundamental no Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, uma das colunas mestras do Direito Administrativo e, por extensão, do Direito Urbanístico.
Este princípio estabelece que, em um conflito entre o interesse de um particular e o interesse da coletividade, o interesse público deve prevalecer, desde que devidamente justificado e legitimado por lei.
No contexto do uso e ocupação do solo, isso se traduz na capacidade do poder público municipal de intervir nas relações privadas para garantir que o desenvolvimento urbano ocorra de maneira ordenada, equitativa e em benefício de todos.
As restrições convencionais, embora originadas da autonomia privada dos loteadores e registradas em cartório, vinculando os adquirentes dos lotes, não possuem caráter imutável ou absoluto.
Sua validade e eficácia estão subordinadas ao interesse público e à capacidade de o município, no exercício de sua competência constitucional, definir as regras de parcelamento, uso e ocupação do solo.
A rigidez dessas cláusulas privadas, muitas vezes estabelecidas há décadas em realidades urbanas distintas, pode se tornar um verdadeiro entrave ao desenvolvimento da cidade. Imagine, por exemplo, um loteamento planejado exclusivamente para uso residencial em uma área que, com o tempo, se tornou central e com grande demanda por comércio e serviços.
Manter a restrição residencial, nesse caso, seria um obstáculo ao desenvolvimento econômico local, à oferta de serviços à população e à otimização da infraestrutura existente, gerando uma distorção que apenas a intervenção normativa municipal pode corrigir.
É nesse ponto que entra o Poder de Polícia Urbanístico, uma prerrogativa essencial do município. Através desse poder, a administração pública atua para condicionar e restringir o exercício de direitos e atividades individuais em prol do bem-estar coletivo.
No âmbito urbanístico, o poder de polícia se manifesta na elaboração e fiscalização das leis de zoneamento, códigos de obras, planos diretores, entre outros instrumentos.
Essa capacidade de regulação e controle permite ao município não apenas criar novas normas, mas também rever e flexibilizar restrições convencionais preexistentes, sempre que a dinâmica urbana e o interesse público demandarem.
O objetivo não é anular a autonomia privada, mas sim garantir que ela se harmonize com os objetivos maiores do planejamento urbano, assegurando que o espaço da cidade sirva à sua função social e às necessidades de seus habitantes.
3. Fundamentos Constitucionais da Função Social da Propriedade e da Cidade
A base para a compreensão da primazia da norma urbanística pública reside nos princípios constitucionais que regem o direito de propriedade no Brasil. Historicamente concebido como um direito individual absoluto, o conceito de propriedade passou por uma significativa evolução, especialmente após a Constituição Federal de 1988.
Nossa Carta Magna estabelece de forma categórica que a propriedade, seja ela rural ou urbana, deve cumprir sua função social (art. 5º, XXIII). Isso significa que o exercício do direito de propriedade não pode ser dissociado de seu propósito coletivo, devendo atender aos interesses da sociedade e do desenvolvimento sustentável.
No contexto urbano, a função social da propriedade assume uma dimensão ainda mais crucial. O artigo 182 da Constituição Federal, ao tratar da política de desenvolvimento urbano, reitera que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.
O Plano Diretor, por sua vez, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, e sua aprovação depende de lei municipal, evidenciando a competência do ente local para ditar as regras do jogo urbanístico. Assim, a garantia do direito de propriedade está intrinsecamente vinculada ao cumprimento das diretrizes de uso e ocupação do solo estabelecidas pelo município, visando o bem-estar da coletividade e a organização espacial da cidade.
Complementarmente, a própria função social da cidade emerge como um princípio norteador, consolidado e regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Este diploma legal instrumentaliza os preceitos constitucionais, oferecendo aos municípios ferramentas para promover o adequado ordenamento territorial, como o zoneamento, o parcelamento, a edificação compulsória e a desapropriação com pagamento em títulos.
A cidade, em sua concepção contemporânea, é um bem coletivo, e sua organização deve visar a justiça social, a sustentabilidade ambiental e a eficiência econômica. Nesse cenário, as normas urbanísticas municipais não são meras regulamentações técnicas; elas são a expressão da vontade coletiva em moldar o espaço urbano de forma equitativa e funcional, sobrepondo-se, quando necessário, a interesses particulares que se mostrem dissonantes do projeto de cidade que se busca construir.
4. A Dinâmica Urbana e a Superação das Restrições Convencionais
As cidades são organismos vivos, em constante mutação. Sua complexidade e seu ritmo acelerado de transformação impõem um desafio contínuo ao ordenamento jurídico, que precisa ser flexível o suficiente para se adaptar às novas realidades socioeconômicas e espaciais.
Nesse cenário dinâmico, as restrições convencionais de loteamento, concebidas em um dado momento para atender a um planejamento específico, podem facilmente se tornar obsoletas e até prejudiciais ao desenvolvimento urbano saudável.
A principal questão reside na rigidez inerente a essas convenções. Muitas delas foram estipuladas há décadas, quando as áreas onde os loteamentos foram implantados tinham características completamente diferentes.
Um bairro que nasceu exclusivamente residencial, com o tempo, pode se ver circundado por grandes eixos viários, polos comerciais ou áreas de serviço, gerando uma demanda natural por usos mistos.
Manter, à força, uma restrição que proíbe atividades comerciais ou a construção de edifícios de maior altura nessas áreas não apenas impede o adensamento populacional necessário, mas também frustra o potencial econômico da região, obriga os moradores a se deslocarem mais para acessar serviços e subutiliza infraestruturas urbanas já existentes.
Em vez de preservar uma "harmonia" estética original que já não se encaixa na paisagem circundante, a insistência nessas restrições pode, paradoxalmente, criar bolsões de desfuncionalidade urbana e segregação.
Em contrapartida, a legislação urbanística municipal é, por sua própria natureza, desenhada para ser mais adaptável.
Por meio de instrumentos como o Plano Diretor, as leis de zoneamento e os códigos de obras, os municípios têm a prerrogativa de revisar periodicamente suas normas para refletir as necessidades emergentes da população e os objetivos de desenvolvimento da cidade.
Essas leis são fruto de discussões técnicas e, idealmente, da participação social, buscando um equilíbrio entre a proteção do patrimônio e a promoção do crescimento.
O objetivo não é descaracterizar indiscriminadamente os empreendimentos, mas sim integrá-los à malha urbana de forma coerente, permitindo que eles evoluam junto com a cidade e contribuam para sua vitalidade e funcionalidade.
A superação das restrições convencionais, portanto, é um mecanismo essencial para garantir que o tecido urbano seja flexível, resiliente e capaz de atender às demandas de uma sociedade em constante evolução.
Não se perca de vista que as restrições convencionais decorrem da autonomia privada, sendo usualmente estipuladas pelo loteador com o objetivo de conferir determinado padrão urbanístico ao loteamento.
Tais cláusulas, registradas junto ao cartório de imóveis, vinculam os adquirentes dos lotes e podem versar sobre aspectos como altura das edificações, recuos, uso exclusivo residencial, entre outros.
Todavia, é bem de ver que o caráter estático dessas restrições nem sempre se coaduna com o dinamismo das cidades e com os objetivos públicos de desenvolvimento urbano.
5. A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
Não se pode perder de vista que a Constituição Federal de 1988, ao conferir aos municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) e promover o adequado ordenamento territorial (art. 182), consolidou a primazia do poder público local no planejamento urbano.
A legislação federal também evoluiu nesse sentido, como demonstra a alteração introduzida pela Lei 9.785/1999 à Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1979), reconhecendo expressamente que a definição do uso e ocupação do solo é matéria de competência municipal.
Embora parte da jurisprudência tenha sustentado a tese da prevalência das restrições convencionais, como no REsp 302.906/SP, rel. Min. Herman Benjamin, o próprio julgado admite exceções relevantes — abrindo margem para a tese defendida neste trabalho. O STJ tem adotado posição firme no sentido de que a norma urbanística municipal posterior pode afastar restrições convencionais anteriormente impostas, desde que observados o interesse público e a função social da propriedade. Destaca-se o seguinte trecho do REsp 1.774.818/SP, rel. Min. Nancy Andrighi:
"Dessa forma, não há como opor uma restrição urbanística convencional, com fundamento na Lei 6.766/1979, à legislação municipal que dispõe sobre o uso permitido dos imóveis de determinada região. De fato, já em conformidade com a nova ordem constitucional, a Lei 9.785/1999 alterou a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, em seu artigo 4º, parágrafo 1º, para reconhecer expressamente que essa competência é do município."
Ainda no REsp 302.906/SP, rel. Min. Eliana Calmon, a Segunda Turma do STJ concluiu que, havendo justificativa de interesse público, o município pode abrandar restrições urbanísticas convencionais.
Mais recentemente, no REsp 302.906/SP, rel. Min. Herman Benjamin, a Primeira Turma do STJ reconheceu a validade das restrições convencionais com base na premissa de que, havendo conflito entre norma legal e cláusula restritiva, deve prevalecer a mais gravosa ao uso do solo urbano, quando voltada à proteção de valores urbanístico-ambientais.
Não obstante, o próprio julgado reconhece que o Município detém o ius variandi sobre o uso e ocupação do solo, podendo afrouxar restrições convencionais "excepcionalmente", desde que fundamentado em "clamoroso interesse público". A utilização da expressão denota a necessidade de uma motivação qualificada por parte do Poder Público para afastar restrições convencionais, não se tratando de mera conveniência administrativa.
Tal exigência encontra respaldo na LINDB, que impõe a consideração das consequências práticas das decisões e o dever de compatibilizá-las com a realidade fática e os valores jurídicos conflitantes (arts. 20 e 21). Tal compreensão se alinha à leitura sistemática da Constituição Federal e da LINDB, notadamente de seus arts. 20 e 21, que exigem análise das consequências práticas e do interesse público na aplicação do direito.
Com efeito, a exigência de “clamoroso interesse público”, além de carecer de base normativa expressa, apresenta-se como formulação retórica excessivamente rigorosa. A Constituição Federal, a legislação infraconstitucional e a LINDB não exigem tal qualificação intensificada do interesse público para legitimar a atuação normativa do Município.
O que se exige é a demonstração de que a norma municipal está fundada em critérios objetivos, técnicos e democráticos, compatíveis com a função social da propriedade e com a evolução do tecido urbano. O uso da expressão “clamoroso” parece sugerir um padrão de exceção excepcionalíssima, que contraria a própria dinâmica da política urbana e a necessidade de flexibilização razoável de regras obsoletas.
Ressalte-se, ainda, que o julgamento foi marcado por significativa divergência interna. A relatora originária, Ministra Eliana Calmon, havia se posicionado pela prevalência da legislação municipal superveniente, em linha com a função social da propriedade e a competência constitucional dos municípios. Tal entendimento foi revertido após pedido de vista e voto divergente do Min. Herman Benjamin, que acabou prevalecendo. Essa cisão no julgamento demonstra que a matéria ainda está em aberto no âmbito do STJ, legitimando a tese aqui defendida.
Ademais, a decisão foi tomada em contexto normativo específico, com base na legislação do Município de São Paulo que consagrava a prevalência da norma mais restritiva, razão pela qual não se trata de tese absoluta.
Assim, pode-se sustentar, à luz da LINDB e da função social da propriedade, que normas municipais supervenientes legitimamente aprovadas podem e devem prevalecer sobre restrições convencionais, quando não mais atendem à realidade urbana e aos interesses coletivos locais.
6. A Jurisprudência do TJSP e o Julgamento da ADI Nº 2172228-15.2021.8.26.0000
O Tribunal de Justiça de São Paulo segue o mesmo entendimento, conforme exemplificado no julgamento do Agravo Interno Cível 2026006-25.2014.8.26.0000:
"Lei urbanística que deve se sobrepor às restrições convencionais do loteamento. Interesse Público. Tutela antecipada cassada."
Cumpre ainda destacar o recentíssimo julgado do Órgão Especial do TJSP na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2172228-15.2021.8.26.0000, rel. Des. Décio Notarangeli, julgado em 03/04/2024, que consagra o mesmo entendimento:
"Ao contrário do alegado, a legislação municipal superveniente que altera as normas sobre o uso e ordenação do solo urbano prevalece sobre as restrições convencionais, ainda que possa, de mal concebida, levar à descaracterização do modelo original do empreendimento idealizado pelo loteador."
"Portanto, a restrição urbanística imposta pelo loteador não tem prevalência sobre as diretrizes menos restritivas prevista na legislação municipal superveniente, pois consideradas estas adequadas à nova e atual realidade urbana do Município e às necessidades dos moradores, daí a ilegitimidade das restrições convencionais antigas que não mais atendem ao interesse público."
"Não se discute a licitude da restrição imposta pelo loteador, todavia, tal restrição não deve assumir caráter perpétuo em face da dinâmica social e urbanística, podendo e devendo ser flexibilizada pelo Município sempre que presente o interesse público, identificado pela existência de lei estrita aprovada pela Câmara de Vereadores, visando incentivar e proporcionar de forma impessoal o desenvolvimento da cidade e o bem-estar dos cidadãos."
Ademais, no julgamento da Apelação Cível nº 1003933-41.2018.8.26.0322, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, decidiu-se que a Lei Complementar Municipal nº 1.085/08, ao permitir o uso misto em zona anteriormente restrita ao uso residencial, deve prevalecer sobre a convenção do loteador, por estar fundada em interesse público e planejamento urbano regular:
“Tais restrições, como imposições urbanísticas de ordem pública, têm supremacia sobre as convencionais e as derrogam quando o interesse público exigir, alterando as condições iniciais do loteamento, quer para aumentar as limitações originárias, quer para liberalizar as construções e usos até então proibidos.”
(TJSP, Ap. Cív. 1003933-41.2018.8.26.0322)
Da mesma forma, na Apelação Cível nº 1008844-16.2016.8.26.0048, o TJSP afastou exigência de recuo imposta por associação de moradores, ao entender que a cláusula registral era remissiva à legislação municipal vigente — que havia sido modificada — e, portanto, não prevalecia o critério do regulamento associativo, mas sim a norma pública atualizada, aplicável aos imóveis do loteamento.
7. A LINDB como Fundamento Interpretativo
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), especialmente após a alteração promovida pela Lei nº 13.655/2018, passou a ter papel central na interpretação e aplicação do direito público, impondo que decisões administrativas e judiciais considerem as consequências práticas dos atos jurídicos e observem valores como segurança jurídica, interesse público e razoabilidade.
No tocante ao tema ora em análise, a LINDB contribui para reforçar a prevalência da legislação urbanística municipal superveniente sobre restrições convencionais, à luz da dinâmica social e do interesse público.
Ressalta-se o disposto no art. 20 da LINDB estabelece que nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, razão pela qual há se concluir que o referido dispositivo impõe que a aplicação do direito se faça com base em critérios que considerem as realidades concretas e os efeitos sociais das normas.
No caso das restrições convencionais que obstam o uso misto do solo urbano, é evidente que sua perpetuação pode engessar a expansão ordenada da malha urbana e a adaptação do território às novas demandas.
Além disso, o art. 21 da LINDB reforça que a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidez de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas, o que obriga o intérprete a considerar a repercussão da decisão em face do interesse público, como ocorre em casos em que se postula a prevalência de cláusulas restritivas sobre normas municipais legitimamente editadas.
Dessa forma, a LINDB oferece a base principiológica para que se reconheça que a superveniência de norma urbanística municipal, fruto da atuação do Poder Legislativo local, deve prevalecer sobre a restrição convencional anterior sempre que esta não mais se compatibilize com a realidade social e urbana.
8. Aplicação dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade
Em casos nos quais sequer há legislação municipal afastando as restrições convencionais, a jurisprudência paulista tem reconhecido, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a possibilidade de flexibilização dessas cláusulas, notadamente quando não há prejuízo efetivo à estética ou à harmonia urbanística. Nesse sentido:
"Decorridos tantos anos da construção, a medida extrema da demolição parece ser excessiva, considerando que o valor que a lei tutela, qual seja, o resguardo da harmonia arquitetônica das construções, não foi agredido."
(TJSP, Apelação Cível 0005524-42.2002.8.26.0152, Rel. Viviani Nicolau)
"Perito que afirmou textualmente que 'tais irregularidades não implicaram em prejuízo significativo ao conceito arquitetônico do local'. Sentido teleológico da norma regulamentar atendido. Aplicação dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade."
(TJSP, Apelação Cível 1007200-94.2016.8.26.0482, Rel. J.L. Mônaco da Silva)
9. Considerações Finais
A autonomia privada, embora respeitável, encontra limites quando confrontada com o interesse público e com o exercício legítimo da competência legislativa municipal. As restrições convencionais, por sua rigidez, não podem obstruir o adequado desenvolvimento urbano.
A jurisprudência tem evoluído para reconhecer a prevalência da legislação urbanística superveniente e, mesmo na ausência desta, a flexibilização razoável das restrições com base nas peculiaridades do caso concreto. Assim, fortalece-se a aplicação dos princípios constitucionais, a segurança jurídica e a função social da propriedade.
A prevalência da norma pública e a ponderação do caso concreto revelam um caminho equilibrado entre a proteção do urbanismo planejado e a realidade viva das cidades em transformação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1979.
BRASIL. Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999. Altera dispositivos da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 fev. 1999.
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 9 set. 1942.
BRASIL. Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018. Acrescenta dispositivos à LINDB sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.774.818/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27 mar. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 302.906/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 26 nov. 2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 302.906/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 25 set. 2023.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo Interno Cível nº 2026006-25.2014.8.26.0000, rel. Des. Paulo Galizia, j. 29 set. 2014.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 0005524-42.2002.8.26.0152, rel. Des. Viviani Nicolau, j. 04 maio 2017.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1008844-16.2016.8.26.0048, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 14 fev. 2019.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1003933-41.2018.8.26.0322, rel. Des. Sidney Romano dos Reis, j. 27 ago. 2019.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1007200-94.2016.8.26.0482, rel. Des. J.L. Mônaco da Silva, j. 04 set. 2019.
SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. ADI nº 2172228-15.2021.8.26.0000, rel. Des. Décio Notarangeli, j. 3 abr. 2024.
Abstract: This article analyzes the conflict between conventional land use restrictions and subsequent municipal urban planning laws, emphasizing the supremacy of the latter under the Federal Constitution, the LINDB, and prevailing case law. It argues that municipal laws should prevail when grounded in public interest and the social function of property, considering also the principles of reasonableness and proportionality. The methodological approach includes legislative, jurisprudential, and principled examination.
Keywords: Urban planning. Conventional restrictions. Municipal legislation. LINDB. Social function.