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A inconstitucionalidade da pena perpétua imposta aos servidores públicos federais

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11/08/2025 às 14:08

Resumo:


  • O artigo analisa a inconstitucionalidade da pena imposta ao servidor público federal no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90.

  • Foram abordados os tipos de penas existentes no ordenamento jurídico, as vedações constitucionais e a problemática da pena de caráter perpétuo.

  • O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do dispositivo em questão, estabelecendo um prazo de incompatibilidade de 5 anos para os servidores punidos, conforme a ADI 2975.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. CRITÉRIOS FUNDANTES PARA A PROBLEMÁTICA DA PENA PERPÉTUA APLICADA AO SERVIDOR

Antes de adentrar no debate sobre os critérios fundantes da problemática da pena perpétua aplicada ao servidor público federal, devemos entender que essa penalidade é característica do Direito Administrativo Sancionador, cujo objetivo é controlar as condutas dos servidores no desempenho de suas funções.

“Sanção” é definida da seguinte forma, segundo a lição de Reale (2001, p. 72):

[...] Se a obediência e o cumprimento são da essência da regra, é natural que todas elas se garantam, de uma forma ou de outra, para que não fiquem no papel, como simples expectativas ou promessas. As formas de garantia do cumprimento das regras denominam-se “sanções”.

Apresentamos, a seguir, o posicionamento de José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 77), que compara a função do Direito Penal à do Direito Punitivo Funcional, afirmando que:

Cada um desses conjuntos normativos traz preceitos impositivos de conduta e prevê sanções para as hipóteses de infração. As relações jurídicas por eles reguladas, no entanto, apresentam perfil diverso. O Direito Penal deriva do poder punitivo geral atribuído ao Estado na sua relação com os indivíduos em geral, ainda que no exercício de função pública. Já o Direito punitivo funcional se enquadra dentro do Direito Administrativo, e emana da relação entre Administração Pública e os seus servidores, exatamente para preservar a disciplina que deve reinar na organização administrativa.

Logo, assim como no Direito Penal, que atribui penalidades a quem pratique conduta diversa daquela prevista na lei penal, sendo estas de âmbito geral, o Direito Administrativo Punitivo busca controlar condutas ilícitas, aplicando sanções aos servidores que infringirem as regras contidas em seus estatutos, como é o caso da Lei nº 8.112/90.

Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gonet Branco (2009, p. 835) entendem que a finalidade da aplicação da pena é desestimular a prática de determinadas condutas, bem como evitar que aquele que praticou uma ilicitude venha a reincidir, conforme explanação a seguir:

Evidentemente, a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é prevista e ao depois aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade.

Verificamos, portanto, que a pena não tem a intenção de causar castigo ou provocar no servidor amargura por sua conduta inapropriada, mas, sim, disciplinar a ordem social, permitindo uma convivência salutar entre todos os membros de uma sociedade.

Outrossim, para corroborar nosso entendimento, podemos apresentar, conforme destaca Cesare Beccaria (2005, p. 62), que a finalidade das penas não é atormentar ou afligir o apenado, mas impedir que novos danos sejam causados, afirmando o seguinte:

Da simples consideração das verdades até aqui expostas, resulta evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. [...] O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.

Ademais, Cleber Masson (2010, p. 529) leciona que existe uma diferença entre a finalidade e os fundamentos da pena, ressaltando que estes estão relacionados ao objetivo que se busca alcançar com sua aplicação. Apresenta a retribuição, a denúncia, a incapacitação, a reabilitação e a dissuasão como sendo os principais fundamentos da pena, além de esclarecer o seguinte sobre cada um deles:

a) Retribuição: (...) O mal que a pena transmite ao condenado deve ser equivalente ao mal produzido por ele à coletividade. O crime deve ter a pena que merece (desvalor do criminoso), semelhante ao desvalor social da conduta.

[...]

c) Denúncia: (...) A necessidade de aplicação da pena justifica-se para exercer a prevenção geral por meio da intimidação coletiva, e não para desfazer o equilíbrio causado pelo crime.

d) Incapacitação: (...) embora na aparência o fim da pena seja a vingança social ou o desejo de fazer sofrer o culpado um mal análogo ao que ele produziu, na realidade o que se deseja é isto: em primeiro lugar, excluir do meio coletivo os delinqüentes inassimiláveis; depois constranger o autor de um mal a repará-lo, tanto quanto possível.

e) Reabilitação: (...) A pena precisa restaurar o criminoso, tornando-o útil à sociedade. Funciona como meio educativo, de reinserção social, e não punitivo.

f) Dissuasão: busca convencer as pessoas em geral, e também o condenado, de que o crime é uma tarefa desvantajosa e inadequada.

Por conseguinte, muito embora os fundamentos anteriormente citados sejam provenientes do Direito Penal, é conveniente entender que eles também devem ser aplicados no âmbito do Direito Administrativo, pois estamos tratando da aplicação de pena, que é uma forma de punição tanto na esfera penal quanto na administrativa.

Dessa forma, não podemos afastar os fundamentos acima mencionados em relação ao Direito Administrativo Sancionador, por estarem relacionados aos objetivos que se pretende alcançar na administração ao punir o servidor.

O que se observa é que, ao aplicar a pena ao servidor público federal, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, verifica-se que sua imposição contraria completamente a finalidade e os fundamentos da pena, bem como um dos requisitos essenciais para a validade da norma jurídica — sua legitimidade —, além de afrontar princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, o da natureza temporária, limitada e definida das penas, o da individualização da pena e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.


4. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADI 2975

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a matéria acerca da inconstitucionalidade do dispositivo objeto deste artigo e declarou sua inconstitucionalidade, uma vez que viola dispositivo constitucional que proíbe a aplicação de pena de caráter perpétuo.

Ademais, em 2023, ao julgar os embargos de declaração na ADI 2975, o Supremo Tribunal Federal definiu que deve ser aplicado um prazo de incompatibilidade de 5 (cinco) anos nas hipóteses do art. 137, parágrafo único, até que o Legislativo venha a fixar outro prazo, conforme segue o resumo do julgado:

O parágrafo único do art. 137. da Lei nº 8.112/90 proíbe, para sempre, o retorno ao serviço público federal de servidor que for demitido ou destituído por prática de crime contra a Administração Pública, improbidade administrativa, aplicação irregular de dinheiro público, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional e corrupção.

Essa previsão viola o art. 5º, XLVII, “b”, da CF/88, que afirma que não haverá penas de caráter perpétuo.

STF. Plenário. ADI 2975, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 04/12/2020 (Info 1001).

Em embargos de declaração, o STF decidiu que, nas hipóteses descritas no art. 137, parágrafo único, da Lei 8.112/90, deverá ser aplicado o prazo de incompatibilidade de 5 anos previsto no caput do art. 137. , até que o Legislativo fixe outro.

Assim, os ex-servidores que forem demitidos por crime contra a administração pública, improbidade administrativa, aplicação irregular de dinheiros públicos, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional e corrupção somente poderão ser investidos em novo cargo público federal depois do prazo de 5 anos.

STF. Plenário. ADI 2975 ED, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, julgado em 27/03/2023.

Assim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é que a sanção administrativa não pode ser mais grave que a sanção penal, embora ambas sejam esferas do poder sancionatório estatal.

Conclui-se que o dispositivo apresentado neste artigo, em razão de sua declarada inconstitucionalidade, pode ser questionado judicialmente por qualquer servidor público federal que tenha sido punido com a pena constante no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, realizando-se o controle de constitucionalidade pela via incidental.


CONCLUSÃO

A título de conclusão, destacamos as principais ideias apresentadas ao longo do artigo:

  1. Servidor público é o agente público administrativo, ocupante de cargo ou função pública, que desempenha atividade de forma profissional e definitiva, com vínculo de dependência e subordinação junto à União, suas autarquias e fundações públicas.

  2. O regime jurídico do servidor público federal é o estatutário, regulado pela Lei nº 8.112/90, sendo o estatuto funcional que disciplina as penalidades a serem aplicadas aos servidores, as quais devem ser impostas de acordo com a gravidade da infração. Entre as sanções previstas estão: advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada.

  3. A pena restritiva de direitos por tempo indeterminado, imposta ao servidor público federal demitido por cometer os crimes previstos no art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, possui caráter perpétuo e, portanto, é inconstitucional, por afrontar o art. 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal de 1988.

  4. O servidor público federal punido com base nesses dispositivos, que tenha sido demitido e esteja impossibilitado de retornar ao serviço público federal, mesmo aprovado em novo concurso, poderá ajuizar ação visando à declaração de inconstitucionalidade da pena imposta, realizando-se o controle de constitucionalidade pela via da exceção ou incidental.

  5. Ressalte-se a existência da ADI 2975, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da referida pena e fixou prazo de incompatibilidade de 5 (cinco) anos nas hipóteses previstas no art. 137, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90.


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https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/09853c7fb1d3f8ee67a61b6bf4a7f8e6 acesso em 25.06.2025 às 19:30hs


Abstract: This study has for object the analysis of the unconstitutionality of the penalty imposed to the federal public servant in the only paragraph of art. 137. of law 8,112/90, from a bibliographic type of research and a free and exploratory methodology about the theme. A research concerning the public servants was conducted, carrying out an approach about their legal regimen, the penalties contained in the law 8,112/90 and the problematic of the application of the penalty of perpetual character imposed to the federal public servant. The control of constitutionality and the fundamental criteria for the problematic of the penalty of perpetual character were discussed. It was concluded that the device in study is unjust in virtue of the constitutional text that forbids the application of penalty of perpetual character, forbidding the federal public servant from returning to exert position or public office in the sphere of the federal public administration, thus opposing the objectives for application of the penalty.

Word keys: Constitutional law, Administrative law, Federal Public Servant .

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Sobre o autor
Manuel Juca Terceiro Junior

Advogado, OAB/CE nº 30.928.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TERCEIRO JUNIOR, Manuel Juca. A inconstitucionalidade da pena perpétua imposta aos servidores públicos federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8076, 11 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114633. Acesso em: 5 dez. 2025.

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