Resumo: Este artigo tem por objeto a análise da inconstitucionalidade da pena imposta ao servidor público federal, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, a partir de uma pesquisa do tipo bibliográfica e de uma metodologia livre e exploratória sobre a temática. Realizamos uma investigação acerca do servidor público, abordando seu regime jurídico, as penalidades previstas na Lei nº 8.112/90 e a problemática da aplicação da pena de caráter perpétuo imposta ao servidor público federal. Também tratamos do controle de constitucionalidade e dos critérios fundantes relacionados à problemática da pena de caráter perpétuo. Conclui-se que o dispositivo em estudo é injusto, por afrontar o texto constitucional que proíbe a aplicação de pena de caráter perpétuo, ao impedir que o servidor público federal retorne a exercer cargo ou função pública na esfera da Administração Pública Federal, contrariando, assim, os objetivos da aplicação da pena.
Palavras–chave: Direito Constitucional. Direito administrativo. Servidor Público.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo busca fazer uma análise constitucional da pena imposta aos servidores públicos federais, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112, de 1990.
Para compreendermos essa problemática, é necessário observar, inicialmente, os tipos de pena existentes em nosso ordenamento jurídico, previstos no texto constitucional, em seu art. 5º, inciso XLVI, sendo eles: privação ou restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.
Outrossim, o art. 5º, inciso XLVII, apresenta as vedações em relação às penas a serem adotadas. Assim, não é permitida no Brasil a aplicação da pena de morte, salvo nos casos de guerra declarada, bem como não há consentimento para a existência de penas de banimento, cruéis ou de caráter perpétuo.
Dessa forma, o parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 dispõe que o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, não poderá retornar ao serviço público federal.
Portanto, após analisar os preceitos supramencionados, podemos concluir que as penas de caráter perpétuo não se relacionam apenas à privação de liberdade, mas a qualquer pena prevista no texto constitucional, incluindo as de interdição de direitos.
O parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 constitui uma inequívoca proibição de interdição de direitos, pois impede que o servidor público retorne a cargo ou função pública federal.
Dessa forma, a aludida norma deve ser declarada inconstitucional, por não estipular prazo para o retorno do servidor ao serviço público, criando, assim, uma perpetuidade na interdição de direitos do serventuário, o que não é permitido pelo texto constitucional.
Diante do exposto, surgiu a preocupação em analisar a constitucionalidade do parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, verificando se tal preceito pode ser considerado uma pena de caráter perpétuo e, portanto, inconstitucional. Busca-se, ainda, examinar quais alternativas um servidor público federal teria para retornar ao serviço público caso cometesse as infrações previstas na referida norma, bem como identificar as características da pena e os objetivos de seu cumprimento.
Quanto aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas por meio de pesquisa bibliográfica, a partir de levantamento livre e exploratório sobre a temática. Cumpre, então, verificar a pertinência do tema abordado e observar a inconstitucionalidade do dispositivo em estudo, considerando os critérios constitucionais relevantes que são afrontados pelo parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90.
2. OS SERVIDORES PÚBLICOS
Antes de adentrar no assunto específico, é importante esclarecer o conceito de servidor público, bem como relacioná-lo à Lei nº 8.112/90 e às penalidades impostas pelo referido diploma legal.
A Constituição Federal de 1988 modificou a terminologia empregada para caracterizar as pessoas ocupantes de cargo ou função pública que possuem vínculo de emprego com o Estado, deixando, assim, de utilizar a denominação “funcionário público” e passando a adotar “servidor público” para designar os ocupantes desses cargos.
Ocorre que, apesar dessa mudança, ainda hoje existe grande confusão acerca do assunto, sendo comum observar a expressão “funcionário público” ainda em uso. Destaca-se, por exemplo, o art. 327 do Código Penal, que assim dispõe:
Art. 327.Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Logo, para chegar a um conceito de servidor público que será objeto de nossa pesquisa, e evitar confusão quanto à terminologia a ser aplicada em razão das diversas modalidades de agentes públicos existentes — como agentes políticos, empregados públicos e contratados por tempo determinado —, é conveniente observar o entendimento doutrinário a respeito do significado de “agente público”, que Meirelles (2007, p. 74) define da seguinte forma:
São todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. Os agentes normalmente desempenham funções do órgão, distribuídas entre os cargos que são titulares, mas excepcionalmente podem exercer funções sem cargo. A regra é a atribuição de funções múltiplas e genéricas ao órgão, as quais são repartidas especificamente entre os cargos, ou individualmente entre os agentes de função sem cargo. Em qualquer hipótese, porém, o cargo ou função pertence ao Estado, e não ao agente que o exerce, razão pela qual o Estado pode suprimir ou alterar cargos e funções sem nenhuma ofensa aos direitos de seus titulares, como podem desaparecer os titulares sem extinção dos cargos e funções.
Dessa forma, podemos afirmar que o servidor público é uma das categorias abrangidas pelo conceito de agente público. No entanto, este se divide em agente político e agente administrativo, que, de acordo com Afonso da Silva (2007, p. 678), distinguem-se nos seguintes termos:
O elemento subjetivo do órgão público – o titular – denomina-se genericamente agente público, que, dada a diferença de natureza das competências e atribuições a ele cometidas, se distingue em: agentes políticos, titulares de cargos que compõem a estrutura fundamental do governo, e agentes administrativos, titulares de cargo, emprego ou função pública, compreendendo todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, não eventual, sob o vínculo de dependência, caracterizando-se, assim, pela profissionalidade e relação de subordinação hierárquica. (grifo do autor)
Destarte, analisando a assertiva acima, chegamos a outro atributo essencial para formular a definição de servidor público: trata-se de um agente administrativo, tendo em vista as características já descritas, que são ocupar cargo público, manter relação de trabalho não eventual com o Estado, exercida de maneira profissional e com a consequente subordinação hierárquica à função estatal.
Ademais, existe ainda uma subdivisão do conceito de servidor público, conforme posicionamento doutrinário, que o define em sentido amplo e em sentido restrito.
Com efeito, Meirelles (2007, p. 414) assevera o seguinte sobre os servidores públicos em sentido amplo:
Servidores públicos em sentido amplo, no nosso entender, são todos os agentes públicos que se vinculam à Administração Pública, direta e indireta, do Estado, sob o regime jurídico (a) estatutário regular, geral ou peculiar, ou (b) administrativo especial, ou (c) celetista (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), de natureza profissional e empregatícia.
No mesmo sentido, Di Pietro (2010, p. 513) define os servidores públicos em sentido amplo, afirmando que:
São servidores públicos, em sentido estrito, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos.
Não obstante, Alexandrino e Paulo (2006, p. 58) atestam, sobre o conceito de servidor público em sentido estrito, que:
Servidor público, em sentido estrito, é expressão utilizada para identificar aqueles agentes que mantêm uma relação permanente com o Estado, em regime estatutário, por integrarem o quadro funcional das pessoas políticas e de suas autarquias e fundações públicas.
Outrossim, o servidor público em sentido estrito também pode ser chamado de servidor público estatutário, em razão do vínculo de natureza legal existente entre este e o Estado. Senão, vejamos o que relata Carvalho Filho (2010, p. 646) ao se manifestar sobre o assunto:
Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. (grifo do autor)
Deste modo, concluímos que, para o desenvolvimento deste trabalho, devemos utilizar o conceito de servidor público em sentido estrito, em face do disposto nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.112/90, que estabelecem:
Art. 1º. Esta Lei institui o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais.
Art 2º. Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.
Desta feita, após observar todas as definições anteriores e com o intuito de elaborar um conceito de servidor público que possa servir como objeto para nossa pesquisa, podemos afirmar que se trata de um agente público administrativo, ocupante de cargo ou função pública, que exerce sua atividade de forma profissional e definitiva, com vínculo de dependência e subordinação junto à União, suas autarquias e fundações.
2.1. O Regime jurídico único do servidor público e a Lei 8.112/90
Observando as características existentes no conceito de servidor público, tais como profissionalidade, trabalho não eventual, vínculo de dependência e subordinação, percebemos, ao realizar uma analogia com os empregados das empresas privadas, grande semelhança entre eles.
Acerca da comparação acima, Carvalho Filho (2010, p. 643) apresenta as semelhanças entre os empregados das empresas privadas e os servidores públicos, afirmando que:
Na verdade, guardam em muitos pontos grande semelhança com os empregados das empresas privadas: tanto estes como os servidores públicos emprestam sua força de trabalho em troca de uma retribuição pecuniária, comumente por períodos mensais. Ambos são trabalhadores em sentido lato: executam suas tarefas em prol do empregador (público ou privado) e percebem, ao final do mês, sua remuneração (vencimentos, para os servidores, e salário, para os trabalhadores privados). (grifo do autor)
Ocorre que, diferentemente dos empregados das empresas privadas, que estão vinculados aos seus empregadores por meio de contrato e regulados, geralmente, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o servidor público federal possui um estatuto — a Lei nº 8.112/90 —, que é uma lei ordinária e estabelece o regime jurídico para esses servidores.
Com isso, esse regime passou a ser conhecido como estatutário, conceito que Cunha Junior (2009, p. 260) define da seguinte forma:
Esse regime é o estabelecido por lei especial de cada entidade estatal, que fixa as atribuições e responsabilidades, os direitos e deveres do cargo, e que fica sempre sujeito à revisão unilateral por parte do Estado, respeitados apenas os direitos adquiridos pelo servidor no que tange a alguma vantagem ou benefício já incorporado.
Todavia, acerca do regime jurídico do servidor público, existe ainda uma polêmica referente ao disposto no art. 39 da Constituição Federal. Vejamos:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
Percebe-se que a referida norma autoriza a diversidade de regimes no âmbito da Administração Pública. No entanto, a redação original da norma constitucional supracitada foi modificada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que suprimiu a exigência de regime jurídico único, possibilitando a existência de regimes diversos.
2.2. As penalidades da Lei 8.112/90 aplicadas ao servidor público federal
As penalidades previstas na Lei nº 8.112/90, a serem aplicadas ao servidor público federal que cometer infrações, estão dispostas no art. 127, sendo elas as seguintes:
Art. 127. São penalidades disciplinares:
I – advertência;
II – suspensão;
III – demissão;
IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V – destituição de cargo em comissão;
VI – destituição de função comissionada.
Observando as penalidades, podemos indagar de que forma elas serão aplicadas ao servidor, considerando a discricionariedade atribuída ao administrador público nessa ocasião.
O art. 128 da Lei nº 8.112/90 descreve o que deve ser considerado para a aplicação da sanção ao servidor que tenha cometido determinada infração:
Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o servidor público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Ressalve-se que, para sancionar o servidor, é necessário que este possa exercer sua garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, devendo, assim, ser assegurado o devido processo legal.
Convém esclarecer que não há obrigatoriedade da presença de advogado no processo administrativo que apure a infração e a consequente sanção administrativa ao serventuário, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, disposto na Súmula Vinculante nº 5:
Súmula vinculante nº 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Por conta das garantias acima apresentadas, a discricionariedade do julgador nessas situações acaba se restringindo, bem como pela própria direção que o estatuto funcional estabelece quando da aplicação da pena.
A assertiva anteriormente mencionada se comprova ao avaliarmos o art. 129 da Lei nº 8.112/90, que define quais faltas serão punidas com advertência, não podendo, portanto, ser aplicada sanção diversa da mencionada na referida norma quando o servidor, porventura, cometer uma das infrações ali descritas.
Ademais, quanto às penalidades previstas na Lei nº 8.112/90, podemos constatar que elas devem ser aplicadas conforme a gravidade da infração, sendo a advertência a pena mais branda imposta ao servidor público.
A advertência deve ser aplicada por escrito e registrada nos assentamentos funcionais do servidor, podendo ser cancelada após três anos, caso este não tenha, nesse período, cometido nova infração.
Outra penalidade prevista no estatuto funcional do servidor público federal é a suspensão, que será aplicada nos casos de reincidência das faltas punidas com advertência e nas violações das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita à penalidade de demissão, conforme prescrito no art. 130 da Lei nº 8.112/90.
Assim como a advertência, o servidor punido com suspensão também poderá ter o registro da pena cancelado, desde que não tenha cometido nova infração, sendo o prazo, nesse caso, de cinco anos.
A demissão é a sanção utilizada nas situações graves, e os casos em que deve ser aplicada estão enumerados no art. 132 da Lei nº 8.112/90.
O parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 prevê a inabilitação do servidor para retornar ao serviço público por tempo indeterminado, caracterizando uma pena de caráter perpétuo, caso seja demitido pelos crimes de improbidade administrativa, aplicação irregular de dinheiro público, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional ou por corrupção.
A cassação de aposentadoria ou disponibilidade é uma sanção aplicada ao servidor que se encontra na inatividade, mas que, quando na ativa, praticou conduta passível da pena de demissão.
A destituição de cargo em comissão é aplicada quando a penalidade cabível seria suspensão ou demissão, mas o servidor não é titular de cargo efetivo.
2.3. A problemática da pena perpétua aplicada ao servidor público
O não consentimento para a aplicação de penas de caráter perpétuo decorre do princípio de que as penas devem ter caráter temporário, restrito e definido, ajustando-se à garantia constitucional da liberdade e da dignidade humana.
A Constituição Federal de 1988 proíbe a aplicação de pena de caráter perpétuo, conforme estabelecido no art. 5º, inciso XLVII, nos seguintes termos:
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo; (grifo nosso)
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.
O Superior Tribunal de Justiça, com base na norma constitucional acima mencionada, posicionou-se da seguinte forma ao julgar a aplicação da pena de caráter perpétuo no caso concreto, conforme decisão a seguir:
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIRETOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 5º, LXXVII, § 2º, E LXVI, ALÍNEA “E”, DA CF. DEFERIMENTO.
I – Os direitos e garantias expressamente previstos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios nela adotados (art. 5º, LXXVII, § 2º).
II – A vedação às penas de caráter perpétuo não pode ser interpretada restritivamente, estendendo-se às penalidades de suspensão e interdição de direitos capituladas no inciso LXVI, alínea “E”, do mesmo artigo.
III – Segurança conhecida.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, MS 1119/DF; Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, Primeira Seção, VU, DJ 18.12.1991).
Assim, busca-se, com a pesquisa, discutir a análise constitucional da pena imposta aos servidores públicos federais no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112, de 1990.
A vedação ao retorno do servidor público federal que comete os crimes elencados no art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, do estatuto funcional em estudo é totalmente contrária à finalidade da aplicação da pena, pois não existe uma perspectiva educativa, mas apenas sancionatória, e de forma ilimitada.
Realizando uma analogia com as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro sobre o assunto, encontramos o art. 47 do Código Penal, que estabelece que a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública constitui pena de interdição temporária de direitos.
Ressalte-se que a norma penal se refere à interdição temporária de direitos, dentre eles a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública. Ou seja, deve-se estipular um prazo para o cumprimento da pena (grifo nosso).
Analisando ainda nossa legislação penal, verificamos o seguinte no art. 55 do referido diploma legal, ao tratar das penas restritivas de direitos:
Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43. terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, resalvado o disposto no § 4º do art. 46.
Dessa forma, comparando a legislação penal com o dispositivo previsto na Lei nº 8.112/90, verifica-se que o Código Penal limita a duração da pena restritiva de direitos de acordo com a pena que seria cumprida em caso de privação de liberdade.
É oportuno observar a decisão abaixo, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a respeito da aplicação de penalidade perpétua. Vejamos:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. CASSAÇÃO DE LICENCIAMENTO PARA PILOTAR AERONAVES. PENALIDADE PERPÉTUA: IMPOSSIBILIDADE. NOVO CERTIFICADO DE HABILITAÇÃO TÉCNICA (RE-CHEK) EXPEDIDO PELO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. PENA CUMPRIDA.
I - Se, após a aplicação de sanção administrativa, ocorrida em 1986, o Ministério de Aeronáutica expede novo Certificado de Habilitação (RE-CHEK), com validade até 05/11/88, imediatamente revalidado, é evidente que a penalidade imposta já restou cumprida, considerando o disposto no art. 160. da Lei nº 7.565/86.
II - A punição de ordem administrativa não pode ter efeitos indefinidos no tempo (caráter perpétuo).
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, REO 91.01.05780-4/RR; REMESSA EX OFFICIO, Relator JUIZ JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Segunda Turma, VU, DJ 06.11.1997, p.94073)
Ademais, ressalte-se a imposição do cumprimento de, no máximo, 30 (trinta) anos de pena privativa de liberdade, mesmo em caso de cumulação de penas, conforme disposto no art. 75 do Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas restritivas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos
Outrossim, não é razoável entender que a sanção perpétua deva ser aplicada somente às penas de privação de liberdade, realizando-se, de forma restritiva, a interpretação do art. 5º, inciso XLVII, que proíbe a existência de penas de caráter perpétuo, sem afirmar em seu texto que tal proibição se refere apenas às restritivas de liberdade.
Nesse contexto, e em relação ao princípio da proporcionalidade na aplicação das penas, Greco (2008, p. 96) assegura o seguinte:
O certo é que penas desproporcionais nos trazem a sensação de injustiça. Desde criança, raciocinamos com a idéia de castigo proporcional à nossa desobediência. A idéia de proporção é inata ao ser humano. Quando nossos pais exageravam na correção, o sentimento de revolta tomava conta de nossos pensamentos.
Ora, desse modo, não se pode restringir o retorno de servidor público que tenha praticado conduta delituosa contra a Administração, prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90, por se tratar de pena desproporcional ao crime cometido, tendo em vista que cabe ao Estado conceder a esperança de retorno ao convívio social.
A aplicação da pena prevista no parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/90 fere princípios basilares, como o da dignidade da pessoa humana, conforme comenta Greco (2008, p. 111) em relação às penas de caráter perpétuo: “Não somente as penas de caráter perpétuo são ofensivas ao princípio da dignidade da pessoa humana, como também aquelas de longa duração.”
Não obstante, verifica-se que o Estado realiza programas de incentivo à inserção de ex-presidiários no mercado de trabalho, visando à ressocialização do indivíduo, mas, por outro lado, não permite que quem pratique determinados crimes previstos na lei infraconstitucional retorne ao serviço público, o que evidencia total incoerência.
Por conseguinte, apresentamos o art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, que contempla os crimes que proíbem o retorno do servidor público federal ao exercício de outro cargo ou função na Administração Pública, mesmo que seja aprovado em novo concurso. Vejamos:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra administração pública;
.........................
IV – improbidade administrativa;
.........................
VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;
.......................
X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI – corrupção;
Ressalte-se, ainda, que, ao realizar uma análise acerca da finalidade da pena, concluímos que seu objetivo é preventivo, visando evitar novas infrações e intimidar a prática de crimes, além de possuir caráter educativo.
O conceito de Jesus (2003, p. 519) sobre pena e sua finalidade é o seguinte: “Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos.”
Diante do conceito acima, entendemos que uma norma infraconstitucional deve, sim, ser criada para evitar novos delitos; no entanto, o legislador deve observar o texto constitucional a fim de não instituir dispositivo que prejudique o direito fundamental dos membros de uma sociedade.