Resumo: O presente artigo jurídico propõe uma análise crítica sobre o papel garantista do Inquérito Policial no sistema acusatório brasileiro, enfatizando o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e o fortalecimento das prerrogativas da advocacia, previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Aborda-se de forma incisiva a prática nefasta e inconstitucional do indiciamento por “arrastão”, bem como as distinções técnicas entre termo de depoimento e termo de declarações. Defende-se a obrigação da reinquirição formal de qualquer pessoa inicialmente ouvida como testemunha que, no curso da investigação, passe a figurar como suspeita ou investigada. O IP, antes visto como mero procedimento inquisitorial, assume sua nova feição de instrumento de garantia, resguardado pela ampla defesa, contraditório e, inclusive, passível de nulidade processual em casos de afronta às garantias fundamentais.
Palavras-chave: Inquérito Policial; Garantismo Penal; Direitos da Advocacia; Indiciamento por Arrastão; Contraditório; Ampla Defesa; Nulidade Processual.
INTRODUÇÃO
O conceito moderno de justiça penal exige, antes de qualquer condenação, um processo ético, técnico e essencialmente civilizado. No Brasil, a busca pela verdade real não pode ocorrer a qualquer preço, muito menos ao custo da dignidade humana ou da supressão de direitos fundamentais. Não se procura um culpado a qualquer custo, mas sim, o verdadeiro autor de um fato delituoso, com respeito incondicional ao devido processo legal.
Desde a promulgação da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o processo penal brasileiro reafirmou sua estrutura acusatória, agora expressamente prevista no artigo 3º-A do Código de Processo Penal. Tal dispositivo vedou de forma categórica qualquer iniciativa probatória por parte do magistrado na fase investigativa, delimitando os papéis constitucionais de investigar, acusar e julgar.
O Inquérito Policial, historicamente marcado por traços inquisitoriais, passa a ser compreendido sob uma nova ótica: a de um verdadeiro instrumento de garantia, imprescindível ao equilíbrio entre a persecução penal e os direitos fundamentais do cidadão.
OS DIREITOS DOS ADVOGADOS PREVISTOS NO ESTATUTO DA OAB
A Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB) consagra, em seu artigo 7º, uma série de prerrogativas essenciais à atuação livre e independente da advocacia no Estado Democrático de Direito. São direitos fundamentais que visam impedir abusos de autoridade e assegurar o pleno exercício da defesa técnica.
Destacam-se, entre outros:
I - Liberdade de atuação profissional em todo território nacional (inciso I);
II - Comunicação reservada com clientes presos, inclusive os considerados incomunicáveis (inciso III);
III - Acesso irrestrito a dependências judiciais e policiais, inclusive fora do horário de expediente (inciso VI);
IV - Exame de autos de flagrantes e de inquéritos policiais, findos ou em andamento, mesmo sem procuração, podendo copiar peças e tomar apontamentos (inciso XIV);
V - Assistência ao cliente investigado durante toda a apuração, com direito a apresentar quesitos e razões (inciso XXI);
A violação de tais prerrogativas constitui não apenas infração disciplinar, mas também afronta à Constituição Federal e aos tratados internacionais de direitos humanos.
DO INDICIAMENTO POR ARRASTÃO NO INQUÉRITO POLICIAL
Repugna ao espírito democrático e ao princípio da individualização da conduta o denominado “indiciamento por arrastão”, prática odiosa, autoritária e inconstitucional que consiste em proceder ao indiciamento coletivo e indiscriminado de pessoas, sem a devida individualização da conduta e sem a produção de provas minimamente idôneas.
Nesse sentido, num Estado que proclama a dignidade humana como fundamento, a prática do “indiciamento por arrastão” é juridicamente repugnante e moralmente inaceitável. Indiciar coletivamente, sem individualização de condutas e sem lastro probatório mínimo, é insultar a Constituição e zombar do princípio da presunção de inocência.
O Delegado de Polícia, como primeiro garantidor da legalidade na fase pré-processual, tem o dever funcional, jurídico e ético de evitar tais vícios investigativos. O IP não pode ser instrumento de injustiça coletiva, mas sim o laboratório da verdade, comprometido com a fidedigna reconstituição dos fatos e com a proteção dos direitos fundamentais.
Indiciar sem critérios técnicos, por mera conveniência ou pressão política, representa grave violação aos direitos humanos, afrontando o sistema acusatório, a Constituição Federal, o Pacto de San José da Costa Rica e a própria dignidade da pessoa humana.
Cada investigado tem o direito de ser tratado como sujeito de direitos, jamais como um número em uma estatística inquisitorial. O indiciamento não pode ser ato automático ou por pressão midiática. Exige-se fundamentação técnica, detalhada e individualizada.
TERMO DE DECLARAÇÕES E TERMO DE DEPOIMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL: DISTINÇÕES ESSENCIAIS
A adequada distinção entre Termo de Declarações e Termo de Depoimento é fundamental para a higidez do procedimento investigativo.
Termo de Depoimento: Destinado exclusivamente à oitiva de testemunhas, nos termos dos artigos 202 e 203 do CPP. Exige compromisso formal de dizer a verdade, sob pena de responsabilização penal por falso testemunho (art. 342 do CP).
Termo de Declarações: Instrumento destinado à colheita de informações junto ao investigado, que, por sua natureza, tem o direito constitucional ao silêncio, nos termos do artigo 5º, inciso LXIII, da CF, e dos artigos 6º, V e 186 do CPP.
Se, no curso das investigações, a condição processual de uma pessoa evoluir de testemunha para suspeito ou indiciado, é obrigação legal e ética do Delegado de Polícia proceder à sua imediata reinquirição, agora na qualidade de investigado, garantindo-lhe o direito ao silêncio, à presença de advogado e a todas as demais garantias constitucionais.
A não observância dessa obrigação sujeita o ato à nulidade absoluta e pode gerar responsabilização administrativa, civil e penal da autoridade policial.
ANÁLISE CRÍTICA
A transformação conceitual do Inquérito Policial em um verdadeiro instrumento de garantia é um avanço civilizatório que reflete a maturidade democrática do Brasil. O sistema jurídico brasileiro vive uma transição lenta, mas irreversível, rumo à consolidação de um processo penal garantista e acusatório. O Inquérito Policial, antes visto como zona de arbítrio, hoje é instrumento de proteção da dignidade humana.
A partir da Súmula Vinculante nº 14 do STF, passando pela reafirmação das prerrogativas da advocacia e pela positivação do sistema acusatório, a investigação criminal não pode mais ser um território livre para práticas inquisitoriais, abusos de autoridade ou arbitrariedades.
A inadmissível prática do indiciamento por arrastão, a condução de investigações sem individualização de condutas, a negação de acesso aos autos ou o impedimento da atuação da defesa técnica são sintomas de uma cultura de autoritarismo que precisa ser definitivamente sepultada.
A resistência institucional a essa mudança ainda se materializa em práticas como o indiciamento por arrastão, a negação de acesso aos autos, a recusa de oitiva de advogados, entre outras mazelas incompatíveis com o Estado de Direito.
Cabe à advocacia, ao Ministério Público, ao Judiciário e à própria polícia a construção de um novo paradigma, onde o respeito à legalidade não seja exceção, mas regra.
CONCLUSÃO
O Inquérito Policial, na sua nova roupagem constitucional, é um instrumento de justiça e de proteção aos direitos fundamentais. Relativizou-se a visão de que o IP seria um procedimento meramente administrativo e sem relevância jurídica quanto à violação de direitos. Hoje, sua nulidade pode irradiar efeitos processuais graves, inclusive a anulação de ações penais inteiras.
A relativização da natureza inquisitorial do IP é uma realidade incontornável. Hoje, o contraditório diferido, a ampla defesa técnica e a possibilidade de nulidade de atos ilegais praticados na fase investigativa são pilares inafastáveis.
A repugnante técnica do indiciamento por arrastão deve ser extirpada do cenário jurídico nacional, substituída por uma investigação técnica, imparcial e garantidora. Toda imputação deve ser individualizada, fundamentada e respaldada em elementos concretos de prova.
A distinção entre termos de depoimento e de declarações não é mera formalidade: é uma exigência constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana.
Ao delegado de polícia, recai a responsabilidade inafastável de reinquirir, de forma legal e garantista, toda pessoa inicialmente ouvida como testemunha que venha a figurar como suspeita ao longo da investigação, sob pena de violação de direitos humanos e responsabilização funcional, civil e criminal.
Nesse sentido, a autoridade policial tem o dever legal de requalificar o status jurídico de qualquer pessoa cuja situação se altere no curso das investigações. Ignorar essa obrigação é abrir espaço para a nulidade processual e para a responsabilização por graves violações de direitos humanos. Que o Inquérito Policial continue sua trajetória de evolução, firmando-se cada vez mais como o alicerce da justiça penal e da proteção da cidadania.
Por fim, cumpre destacar, com o rigor que o tema exige, que a investigação criminal é a alma do processo penal, a centelha primeira da justiça e o alicerce incontornável do Estado Democrático de Direito. O Inquérito Policial, tantas vezes desdenhado por discursos ideológicos e por dogmas importados sem cautela, é, na verdade, instrumento jurídico legítimo, técnico e essencial à justa persecução penal. Ele não é acessório, tampouco um ritual burocrático: é o elo racional entre o fato delituoso e a responsabilização penal, conduzido por autoridade constitucionalmente investida.
O artigo 2º da Lei nº 12.830/2013 é inequívoco ao consagrar que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. Tal previsão não é meramente simbólica: ela traduz a confiança institucional na figura do delegado de polícia como operador da legalidade, da imparcialidade e da busca pela verdade real.
É dever do delegado conduzir o inquérito com técnica, isenção e fidelidade à Constituição, como prevê expressamente a Lei nº 14.735/2023, em seu artigo 4º, ao estabelecer princípios como a proteção da dignidade humana, o respeito aos direitos fundamentais, a ética, a lealdade, a imparcialidade e a cientificidade investigativa. O delegado deve ser o escudo da sociedade e a espada da legalidade — jamais um instrumento de vendeta ideológica ou de instrumentalização político-partidária.
Despir-se das paixões ideológicas é, pois, o distintivo dos bons operadores do Direito. A investigação criminal exige elevação moral, técnica refinada e compromisso com a verdade, e não com narrativas de ocasião. O delegado de polícia, ao atuar com autonomia e livre convencimento técnico-jurídico, não é apenas um agente da lei: é o guardião da justiça em sua fase inaugural, onde se semeiam as provas que sustentarão ou não a ação penal.
Neste cenário, a defesa intransigente da investigação como fase estruturante e essencial da persecução penal é também uma defesa das liberdades públicas. Porque não há justiça sem verdade, não há verdade sem técnica, e não há técnica sem respeito às garantias constitucionais.
É tempo de reconstruir o processo penal com base na ética, na ciência e na Constituição. Que o Inquérito Policial não seja visto como um artefato inquisitório arcaico, mas sim como o ponto de partida do justo julgamento, quando conduzido com altivez, sob o império da legalidade e da razão.
E que jamais se permita que a justiça criminal seja sequestrada pela política ou deformada pela ideologia, pois nesse dia, morrerá o Direito e nascerá o arbítrio — sob os aplausos da ignorância jurídica e da conveniência partidária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Código de Processo Penal Brasileiro.
Constituição Federal de 1988.
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).
Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime).
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 18ª ed. São Paulo: Forense, 2024.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 202
Súmula Vinculante nº 14 do STF.
Súmula nº 11 do STF.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 25 de junho de 2025.