Capa da publicação Domicílio Judicial Eletrônico: atualização de dados é dever
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Domicílio Judicial Eletrônico.

Consagração normativa de prática consolidada e o debate atual no STJ

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O Domicílio Judicial Eletrônico impõe o dever de manter dados atualizados. A nova norma viola o contraditório ou reforça a efetividade processual?

Resumo: O presente artigo examina o Domicílio Judicial Eletrônico como instrumento normativo que consolida prática já sedimentada na doutrina e na jurisprudência brasileira: a obrigatoriedade de manutenção de dados cadastrais atualizados para a viabilização da comunicação dos atos processuais. Demonstra-se que a inovação normativa não afronta os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, mas, ao contrário, reforça o dever de cooperação processual, deslocando ao jurisdicionado o ônus de zelar por sua própria localização virtual. A discussão revela-se contemporânea, uma vez que tema correlato encontra-se submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema 1.338/STJ), reafirmando a importância da interpretação equilibrada entre garantismo processual e efetividade jurisdicional.

Palavras-chave: Domicílio Judicial Eletrônico; Citação por Edital; Contraditório; Efetividade; STJ; Tema Repetitivo.

Sumário: 1. Introdução. 2. O dever de manter dados atualizados fundamento histórico. 3. O Domicílio Judicial Eletrônico como expressão de efetividade. 4. A salvaguarda do contraditório e da ampla defesa. 5. A contemporaneidade da questão tema em pauta no STJ. 6. Conclusão.


1. Introdução

A transformação digital do Poder Judiciário brasileiro tem exigido a reconfiguração de institutos processuais clássicos, notadamente no que tange à comunicação dos atos judiciais. Com a criação do Domicílio Judicial Eletrônico, positivado pela Lei nº 14.195/2021 e regulamentado pelas Resoluções CNJ nº 455/2022 e 569/2024, inaugura-se um marco de racionalidade na execução de citações, intimações e notificações judiciais.

Essa disciplina normativa, entretanto, não representa ruptura com a tradição doutrinária e jurisprudencial: constitui, antes, o coroamento de uma prática há muito consolidada, segundo a qual o interessado tem o dever de manter seus dados cadastrais atualizados, não podendo se beneficiar da própria desídia para arguir nulidade de citações.

Assim, o Domicílio Judicial Eletrônico articula-se como solução tecnológica que, preservando o núcleo essencial das garantias constitucionais, confere maior efetividade à tutela jurisdicional.


2. O Dever de Manter Dados Atualizados: Fundamento Histórico

O dever de manter o endereço atualizado é ônus jurídico elementar, sobretudo para pessoas jurídicas, que devem indicar sua sede nos órgãos de registro competentes.

Nos dizeres de Theotonio Negrão,

“não localizado o representante legal da empresa no estabelecimento empresarial, fica o oficial de justiça desobrigado de diligências noutros lugares e procede-se à citação por edital”

(CPC e Legislação Processual em Vigor, 41ª ed., p. 1596).

Essa diretriz foi reiteradamente acolhida pela jurisprudência paulista, que, em julgados paradigmáticos, refutou pretensões de nulidade da citação por edital quando a própria empresa não se fazia encontrar no endereço declarado:

“Ação declaratória de nulidade – Alegação de nulidade da citação feita por edital - Inocorrência – Mandado de citação expedido para o endereço constante dos atos constitutivos da empresa - Recurso desprovido.”

(TJSP, Apelação Cível 1007400-20.2015.8.26.0003)

“Pessoa jurídica não encontrada na sede informada nos órgãos públicos – Validade da citação por edital – Diligência no endereço dos sócios desnecessária.”

(TJSP, Apelação 2198143-42.2016.8.26.0000)

“A pessoa jurídica não pode abandonar o estabelecimento de sua sede sem deixar representante e sem alteração do registro na Junta Comercial. Esgotamento das vias ordinárias de localização reconhecida. Citação edilícia válida.”

(TJSP, AI 0046594-63.2009.8.26.0000)

Portanto, já se consolidava, na prática forense, a convicção de que a parte não pode opor sua própria torpeza à marcha processual, princípio que o Domicílio Judicial Eletrônico apenas moderniza.


3. O Domicílio Judicial Eletrônico como Expressão de Efetividade

A disciplina do Domicílio Judicial Eletrônico transfere para o ambiente digital o mesmo dever de zelo antes restrito ao endereço físico.

O cadastramento é obrigatório para pessoas jurídicas, administração direta e indireta, Ministério Público, Defensoria e Advocacia Pública, materializando uma presunção de ciência dos atos judiciais transmitidos por via eletrônica.

O ônus de acompanhar comunicações no ambiente digital recai sobre quem dele se beneficia, sob pena de revelia ou preclusão, se não houver confirmação no prazo legal.

Assim, a inovação não suprime direitos, mas reforça o princípio da cooperação processual: o Estado assegura o canal eletrônico, mas cabe ao jurisdicionado mantê-lo atualizado e funcional.


4. A Salvaguarda do Contraditório e da Ampla Defesa

A alegação de que a presunção de ciência vulneraria o contraditório não se sustenta. A peça processual que origina esta reflexão já apontava — à luz de reiterada jurisprudência — que a citação por edital, quando frustrados os meios razoáveis de localização, não ofende o contraditório se garantida a defesa mínima por Curador Especial:

“Defesa feita por Curadora Especial que assegurou o cumprimento do princípio constitucional do direito de defesa e obediência ao contraditório.”

A designação do Curador Especial, prevista no art. 72, II, do CPC, cumpre a função de assegurar o devido processo legal, impedindo que a inércia ou desaparecimento voluntário do réu inviabilize a jurisdição. Assim, o núcleo essencial do contraditório subsiste incólume, mesmo quando a citação é realizada em sua forma ficta.

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No âmbito do Domicílio Judicial Eletrônico, a lógica é idêntica: se a parte mantém o cadastro ativo, a comunicação é direta; se não o faz, a presunção de ciência decorre da omissão culposa, não de restrição estatal de defesa.


5. A Contemporaneidade da Questão: Tema em Pauta no STJ

A relevância da matéria é atualíssima, como demonstra o Tema Repetitivo 1.338 em trâmite na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Sob relatoria do Ministro Og Fernandes, discute-se se, antes da citação por edital, seria obrigatória a expedição de ofícios a cadastros de órgãos públicos e concessionárias de serviços como exigência do art. 256, § 3º, do CPC.

O próprio STJ reconheceu a multiplicidade de feitos sobre o tema, destacando que a controvérsia repercute diretamente sobre a validade da relação processual e a garantia da ampla defesa.

Ainda assim, a mesma Corte Superior tem reafirmado, em precedentes recentes, que o esgotamento de diligências não é absoluto, devendo ser interpretado de forma casuística e razoável, à luz do princípio da duração razoável do processo.

Neste cenário, o Domicílio Judicial Eletrônico surge como resposta normativa que antecipa a solução prática do debate: ao impor o cadastramento obrigatório e centralizar a comunicação no ambiente digital, reduz-se a incerteza sobre o paradeiro da parte, transferindo a responsabilidade pela atualização dos dados ao próprio interessado.

Logo, o ônus do esgotamento de diligências desloca-se do Estado para quem tem o dever de manter-se acessível no canal eletrônico oficial.


6. Conclusão

O Domicílio Judicial Eletrônico não rompe com os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal — antes, reafirma-os na perspectiva da cooperação processual e da efetividade.

Seu desenho normativo cristaliza o entendimento consolidado em décadas de prática forense: quem desaparece voluntariamente ou deixa de zelar por seu endereço, físico ou virtual, não pode invocar nulidade da citação para frustrar a jurisdição.

Assim, ao mesmo tempo em que reforça o dever de boa-fé e colaboração, a nova disciplina garante celeridade e previsibilidade, temas que palpitam no centro da agenda do STJ — e que sinalizam a maturidade do processo civil brasileiro diante dos desafios da era digital.


Referências

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015).

BRASIL. Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução CNJ nº 455, de 27 de abril de 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução CNJ nº 569, de 13 de março de 2024.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1007400-20.2015.8.26.0003, Rel. Gil Coelho.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2198143-42.2016.8.26.0000, Rel. J. L. Mônaco da Silva.

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 0046594-63.2009.8.26.0000, Rel. Erson de Oliveira.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema Repetitivo nº 1.338, ProAfR no Recurso Especial nº 2.166.983 - AP (2024/0324700-8).


Abstract: This paper analyzes the Domicílio Judicial Eletrônico (Judicial Electronic Domicile) as a normative tool that consolidates a practice long established in Brazilian legal scholarship and case law: the obligation to keep registration data updated to enable the service of process. It is demonstrated that this legal innovation does not violate the constitutional principles of adversarial proceedings, ample defense, and due process of law; on the contrary, it reinforces the duty of procedural cooperation by placing the burden of ensuring virtual traceability on the party itself. The discussion is current, given that a related matter is under review by the Superior Court of Justice (STJ) under the repetitive appeals procedure (Tema 1.338), highlighting the need for a balanced interpretation between procedural guarantees and judicial effectiveness.

Keywords: Judicial Electronic Domicile; Service by Publication; Adversarial Principle; Effectiveness; STJ; Repetitive Appeal.

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Sobre os autores
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor Universitário, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Maria Catarina Delfino Lagrotta

Bacharelanda do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGROTTA, Luiz Carlos Nacif ; LAGROTTA, Maria Catarina Delfino. Domicílio Judicial Eletrônico.: Consagração normativa de prática consolidada e o debate atual no STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8033, 29 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114675. Acesso em: 9 jul. 2025.

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