Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a necessidade de uma atuação preventiva no combate à violência doméstica familiar, destacando a importância de ações que possam evitar a escalada desse fenômeno dentro do contexto familiar. O estudo aborda as diversas formas de violência doméstica, como a física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, e analisa a eficácia das políticas públicas existentes, como a Lei Maria da Penha, no enfrentamento dessa problemática. A pesquisa foi realizada por meio de uma revisão bibliográfica sobre o tema, explorando estudos de caso. O resultado aponta que, embora existam avanços legais e institucionais, ainda há uma lacuna significativa em relação às ações preventivas, como programas educacionais. A conclusão reforça que a prevenção é a abordagem mais eficaz para reduzir os índices de violência doméstica, sugerindo a implementação de programas educativos nas escolas, o fortalecimento das redes de apoio às vítimas e a reabilitação de agressores como medidas fundamentais. Além disso, enfatiza a necessidade de uma atuação integrada entre os setores de segurança pública, saúde, educação e assistência social para garantir a efetividade das políticas preventivas e a promoção de um ambiente familiar mais seguro e saudável.
Palavras-chave: Violência doméstica. Prevenção. Políticas Públicas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Tipos de violência. 3. A Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas. 3.1. Contextualização da Lei Maria da Penha. 3.2. Medidas protetivas de urgência. 4. Avanços e desafios no combate à violência doméstica. 5. Estudo de casos reais de violência doméstica e feminicídio. 5.1. O caso Mariane de Souza Ravazi. 5.2. Caso Lorenza Maria de Pinho. 6. Importância da atuação preventiva à violência doméstica. 6.1. Papel dos profissionais de saúde na detecção da violência doméstica. 6.2. Ações preventivas e intervenção. 6.3. Desafios na detecção precoce. 7. Dados estatísticos. 8. Análise cultural no respaldo da violência doméstica: canção “Maria, Maria – Milton Nascimento”. 9. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher é uma das questões sociais mais graves e complexas enfrentadas pelo Brasil e pelo mundo. Embora muitas vezes invisível, ela atinge milhões de mulheres, independentemente de classe social, raça ou nível educacional. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) representa um marco significativo na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, ao reconhecer cinco formas distintas de agressão: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Ao tipificar essas diferentes modalidades de violência, a legislação amplia a compreensão sobre a gravidade do problema e exige uma resposta abrangente e multidimensional do Estado e da sociedade.
A criação da Lei Maria da Penha foi um avanço essencial na luta contra a violência de gênero, fundamentada na ideia de prevenção, proteção e responsabilização dos agressores. Inspirada na experiência de Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu violência contínua por parte de seu marido, a lei surgiu como resposta a uma condenação internacional do Brasil, que evidenciava a omissão do Estado diante da violência doméstica. A legislação rompe com a tradicional neutralidade penal, passando a tratar a violência doméstica como uma violação dos direitos humanos das mulheres. Entre suas principais inovações, destacam-se as medidas protetivas de urgência, que permitem ao Judiciário adotar ações imediatas para garantir a segurança das vítimas, mesmo sem a presença de boletim de ocorrência.
Embora a Lei Maria da Penha tenha contribuído para o fortalecimento da rede de proteção às mulheres, desafios significativos persistem. A quantidade de feminicídios continua a crescer, e muitas vítimas ainda enfrentam barreiras no acesso à justiça, seja por medo, vergonha ou pela cultura patriarcal que permeia a sociedade e o sistema de justiça. Casos trágicos, como o de Mariane de Souza Ravazi e Lorenza Maria de Pinho, demonstram a falha na aplicação efetiva das medidas protetivas e a transversalidade da violência, que afeta mulheres de diferentes classes sociais, incluindo aquelas com maior nível de instrução ou prestígio. Esses episódios reforçam a necessidade urgente de aprimorar o sistema de proteção, implementando políticas públicas mais eficazes e garantindo uma atuação integrada entre as diversas instituições envolvidas.
Além disso, a atuação preventiva, que envolve desde o reconhecimento precoce dos sinais de abuso até o fortalecimento das redes de apoio, é fundamental para interromper o ciclo de violência antes que ele atinja níveis mais graves. Profissionais de saúde, educação e assistência social desempenham papel crucial na identificação de vítimas e no encaminhamento adequado. Contudo, é necessário que a prevenção seja abordada de forma abrangente, por meio de campanhas educativas e a transformação cultural que desafiem a naturalização da violência e o silenciamento das vítimas.
Este artigo tem como objetivo analisar os avanços e desafios da Lei Maria da Penha, discutindo a eficácia das medidas protetivas de urgência, as falhas na implementação das políticas públicas e a importância de uma abordagem integrada e preventiva para combater a violência doméstica. A partir dessa análise, busca-se refletir sobre o papel da sociedade, das instituições e da cultura na promoção de um ambiente mais seguro e igualitário para as mulheres.
2. TIPOS DE VIOLÊNCIA
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que visa proteger as mulheres da violência doméstica no Brasil, reconhece cinco tipos principais de violência doméstica: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
A violência física é uma das formas mais visíveis de agressão e se caracteriza por causar dano direto ao corpo da vítima. Ela pode se manifestar por meio de tapas, socos, chutes, empurrões, fraturas, queimaduras, entre outras formas de ataque físico. Esses atos não apenas ferem a integridade física, mas também abalam profundamente o estado emocional e psicológico da vítima.
Já a violência psicológica é uma forma mais sutil e muitas vezes difícil de identificar, pois não deixa marcas visíveis, mas suas consequências podem ser tão ou mais devastadoras que as da violência física. Ela envolve atitudes que abalam a autoestima, a segurança emocional e o equilíbrio mental da vítima. No âmbito dos relacionamentos, essa violência pode se manifestar por meio de humilhações constantes, com o agressor utilizando palavras cruéis, insultos e críticas destrutivas para diminuir a vítima. Também pode ocorrer por meio de ameaças, incluindo ameaças de morte ou de causar mal a familiares, além do controle emocional, quando o agressor manipula os sentimentos da vítima, fazendo-a sentir-se culpada ou insegura. Outro aspecto recorrente é o isolamento social, em que a vítima é impedida de manter contato com amigos e familiares, tornando-se cada vez mais dependente emocionalmente do agressor.
A violência sexual, por sua vez, envolve qualquer ato de natureza sexual sem o consentimento da vítima. Inclui desde o estupro e a tentativa de estupro até a coação para a prática de atos sexuais indesejados. Dentro de um relacionamento, essa violência pode se manifestar de diversas formas, como no estupro conjugal, quando o parceiro força relações sexuais contra a vontade da vítima, seja pela força física ou por coerção emocional. Também pode ocorrer por meio de pressões e manipulações para que a vítima participe de práticas sexuais que ela não deseja, assim como pelo desrespeito ao seu direito de recusar o ato sexual, fazendo com que ela se sinta culpada ou envergonhada, gerando profundo sofrimento emocional.
A violência patrimonial, por outro lado, se refere à destruição, subtração ou apropriação indevida dos bens materiais da vítima, com o objetivo de exercer controle sobre ela. Em relações abusivas, é comum que o agressor destrua ou esconda pertences da vítima, como roupas, móveis e documentos importantes. Além disso, o controle financeiro é uma forma de violência patrimonial bastante recorrente, em que o agressor administra ou retém o dinheiro da vítima, impedindo-a de ter autonomia econômica. Em casos mais extremos, a destruição de documentos pessoais e registros bancários é utilizada como forma de prejudicar a independência da vítima e dificultar sua saída da situação de violência.
Por fim, a violência moral está relacionada à ofensa à honra e à reputação da vítima. Esse tipo de violência visa a difamação, o desprestígio e a humilhação pública, tornando a vítima alvo de vergonha e desvalorização social. Nos relacionamentos, essa violência se expressa quando o agressor espalha mentiras, acusações falsas ou expõe a vítima de maneira vexatória perante amigos, familiares ou em redes sociais, prejudicando gravemente sua imagem e autoestima. Acusações infundadas de comportamentos desonrosos, como infidelidade ou irresponsabilidade, são frequentemente utilizadas como estratégia para desestabilizar emocionalmente a vítima e comprometer sua credibilidade.
3. A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS
3.1. Contextualização da Lei Maria da Penha
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um divisor de águas na luta contra a violência doméstica e familiar no Brasil. Inspirada na história de Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu duas tentativas de homicídio por parte do então marido e enfrentou anos de impunidade no sistema de justiça brasileiro, a lei foi promulgada após pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil pela omissão e negligência no caso.
Mais do que uma norma punitiva, a Lei Maria da Penha foi construída sob a ótica da prevenção, proteção e promoção dos direitos humanos das mulheres, em consonância com tratados internacionais, como a Convenção de Belém do Pará, internalizada pelo Decreto nº 1.973/96.
Conforme afirma Alice Bianchini, renomada doutrinadora do Direito Penal e de Gênero, “a Lei Maria da Penha não é apenas penal, mas uma legislação de política pública, com ênfase na proteção e na reeducação” (BIANCHINI, 2012).
Essa legislação inovou ao reconhecer a violência de gênero como uma violação aos direitos humanos, rompendo com a lógica de que as agressões no ambiente doméstico pertencem à esfera da vida privada. Como destaca Maria Berenice Dias (2017), “a lei rompe com a neutralidade do direito penal tradicional ao assumir a parcialidade protetiva da vítima feminina, conferindo-lhe instrumentos eficazes de salvaguarda”.
A Lei Maria da Penha consolidou um marco essencial na defesa dos direitos das mulheres no Brasil, ao reconhecer que a violência doméstica não é um problema privado, mas sim uma questão social e de direitos humanos. Sua abordagem vai além da punição do agressor, oferecendo instrumentos de prevenção e proteção que permitem à vítima reconstruir sua vida com segurança e dignidade. Ao longo dos anos, essa legislação tem sido aprimorada e fortalecida, demonstrando um compromisso contínuo com a erradicação da violência de gênero. A implementação efetiva da lei depende não apenas do sistema jurídico, mas também do engajamento da sociedade em promover a equidade e o respeito às mulheres, garantindo que seus direitos sejam plenamente exercidos.
3.2. Medidas Protetivas de Urgência
Entre os principais instrumentos da Lei Maria da Penha estão as medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 22 a 24. Essas medidas constituem mecanismos jurídicos de caráter imediato e excepcional, voltados à preservação da integridade física, psicológica, moral e patrimonial da mulher em situação de risco. Elas podem ser requeridas pela própria vítima, pelo Ministério Público ou mesmo pela autoridade policial, devendo ser deferidas pelo juiz no prazo de até 48 horas, conforme o artigo 18, §1º, da lei.
As medidas incluem, entre outras: o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima; a proibição de aproximação da vítima, de seus familiares e das testemunhas; a suspensão da posse ou restrição do porte de armas; e o encaminhamento da mulher a programas de proteção ou atendimento psicossocial. Tais dispositivos buscam interromper o ciclo de violência e assegurar um espaço de segurança para que a mulher possa reorganizar sua vida.
A jurisprudência tem reconhecido o caráter preventivo e protetivo dessas medidas. Em decisão paradigmática, o Supremo Tribunal Federal (HC 112.990/DF) reafirmou que “a imposição de medida protetiva não exige prova cabal do crime, mas sim a demonstração de risco iminente à integridade da vítima, em respeito ao princípio da prevenção” 1
Já o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que tais medidas podem ser deferidas mesmo sem o registro de boletim de ocorrência ou instauração de inquérito policial (HC 514.342/SP).2
Contudo, a efetividade dessas medidas depende de sua rigorosa fiscalização e do comprometimento das autoridades em sua implementação. Como observa Valéria Scarance Fernandes (2020), promotora de Justiça e especialista em violência de gênero, “a medida protetiva, para além de uma ordem judicial, deve ser entendida como uma ferramenta de empoderamento da vítima e de contenção do agressor, desde que acompanhada por uma rede articulada de serviços”.
4. AVANÇOS E DESAFIOS NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A Lei Maria da Penha trouxe inegáveis avanços no combate à violência doméstica. Dentre eles, destacam-se a criação de varas especializadas, o fortalecimento da atuação do Ministério Público, o surgimento de delegacias da mulher, centros de referência, casas de acolhimento e a possibilidade de concessão de medidas protetivas de forma célere. O avanço tecnológico também contribuiu, com a implantação de sistemas de monitoramento eletrônico para garantir o cumprimento das ordens judiciais.
Além disso, a lei foi fundamental para fomentar políticas públicas intersetoriais voltadas à prevenção da violência e à promoção da igualdade de gênero. Os programas de atendimento psicossocial, iniciativas educativas e campanhas de conscientização têm sido fundamentais para dar visibilidade ao tema e reduzir a naturalização da violência dentro dos lares.
Contudo, os desafios ainda são significativos. Dados recentes revelam que, apesar das medidas legais, muitas mulheres continuam a ser agredidas ou até mesmo mortas por seus parceiros ou ex-parceiros, mesmo após o deferimento de medidas protetivas. A morosidade judicial, a insuficiência de recursos, a falta de capacitação de agentes públicos e a cultura patriarcal ainda presente nas instituições são obstáculos que comprometem a efetividade da proteção oferecida. 3.
A crítica doutrinária destaca a necessidade de revisão constante dos mecanismos de proteção e da ampliação do acesso à justiça. Conforme defende Fabiana Severi (2021), “o enfrentamento da violência de gênero demanda uma atuação articulada entre os poderes do Estado e a sociedade civil, com foco na escuta qualificada, na responsabilização do agressor e no empoderamento das vítimas”.
Portanto, apesar das importantes conquistas, o combate à violência doméstica requer uma atuação contínua, integrada e comprometida com a transformação cultural, institucional e normativa. O sucesso da Lei Maria da Penha depende não apenas de sua aplicação formal, mas da capacidade do Estado de garantir sua efetividade no cotidiano das mulheres brasileiras.
5. ESTUDO DE CASOS REAIS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FEMINICÍDIO.
A violência doméstica e o feminicídio são questões profundamente enraizadas na sociedade e afetam mulheres de todas as classes sociais, incluindo aquelas que pertencem a grupos de poder ou prestígio, como profissionais da justiça. A análise de casos reais, como o de Mariane de Souza Ravazi e Lorenza Maria de Pinho, serve para evidenciar a gravidade do problema, as falhas no sistema de proteção e a necessidade urgente de ações preventivas e corretivas. A seguir, expor-se-á dois casos emblemáticos, além de discutir a natureza estrutural e social da violência doméstica.
5.1. O Caso Mariane de Souza Ravazi
O caso envolvendo o assassinato de Mariane por Luiz Roney Freitas da Costa é um trágico exemplo da escalada da violência doméstica e das falhas do sistema de proteção às mulheres. O agressor já possuía um histórico criminal de ameaças e agressões contra a vítima, evidenciando a persistência de um comportamento abusivo que, sem intervenção eficaz, tende a evoluir para desfechos fatais. 4
Apenas nove dias antes de ser assassinada, Mariane havia solicitado uma medida protetiva, o que reforça a ineficácia de certos instrumentos legais quando não acompanhados por ações rápidas e efetivas por parte das autoridades. A perseguição e o controle exercidos por Costa após o término do relacionamento revelam a dinâmica do ciclo da violência doméstica, em que o agressor, movido por sentimentos de posse e negação do fim da relação, intensifica seus atos até o ponto do feminicídio.
Sob a perspectiva legal, o crime foi enquadrado como feminicídio, que se caracteriza pelo assassinato de mulheres motivado por razões de gênero. A motivação de Costa — a não aceitação do término — traduz-se em um padrão de comportamento possessivo e machista, típico dos crimes de feminicídio.
A consumação do crime, mesmo após medidas legais terem sido acionadas pela vítima, evidencia graves falhas no sistema de proteção e no acompanhamento das vítimas, colocando em xeque a efetividade das políticas públicas destinadas à prevenção da violência contra a mulher. O impacto desse crime extrapola os limites individuais, afetando profundamente a família da vítima e a comunidade ao seu redor. A morte de Mariane representa não apenas uma perda irreparável, mas também um alerta social sobre as consequências devastadoras da violência de gênero.
Diante disso, torna-se evidente a importância de um sistema de proteção mais robusto, que não apenas ofereça medidas protetivas, mas que assegure seu cumprimento por meio de ações integradas e monitoramento eficaz. Além disso, é urgente que a sociedade atue de forma mais ativa na prevenção desse tipo de violência. A promoção da educação em direitos humanos, igualdade de gênero e respeito às mulheres é essencial para combater as raízes socioculturais que alimentam o feminicídio.
As autoridades, por sua vez, devem investir no reforço das medidas protetivas, implementando protocolos mais rígidos, utilizando dispositivos de monitoramento para agressores e ampliando os canais de denúncia e acolhimento das vítimas. Só assim será possível evitar que casos como o de Mariane continuem se repetindo.
5.2. Caso Lorenza Maria de Pinho
O caso de Lorenza Maria Silva de Pinho, assassinada em 2021, teve forte repercussão nacional não apenas pela brutalidade do crime, mas também pela identidade do agressor: o promotor de justiça André Luís Garcia de Pinho. Condenado por homicídio qualificado, o promotor utilizou o método de asfixia para matar sua esposa, sendo o crime caracterizado por motivo torpe e praticado no contexto de violência doméstica e familiar. A tragédia expõe um cenário perturbador em que até mesmo figuras que deveriam proteger a sociedade e zelar pelo cumprimento da lei podem ser protagonistas de condutas violentas, desafiando a confiança pública nas instituições de justiça 5
Esse episódio revela, de forma contundente, que a violência doméstica não escolhe profissão, status ou grau de instrução. Profissionais do direito, mesmo com sua formação e compromisso legal com os princípios da justiça, podem também ser agentes de violência, o que reforça a tese de que o machismo estrutural e o controle abusivo não estão limitados a um grupo específico da sociedade. A violência de gênero está profundamente enraizada na cultura brasileira, o que a torna presente em todos os ambientes, inclusive nos mais respeitados e formalmente comprometidos com os direitos humanos.
A violência doméstica e o feminicídio atravessam todas as camadas sociais, afetando mulheres em contextos distintos. Em classes sociais mais baixas, a dependência econômica do agressor, a precariedade no acesso a serviços públicos de apoio, o medo de represálias e a desconfiança nas autoridades dificultam significativamente a denúncia e a interrupção do ciclo de violência (ALENCAR, 2016, p. 2).
Já entre mulheres pertencentes às classes média e alta, embora o acesso a recursos seja teoricamente maior, outros fatores dificultam o enfrentamento à violência, como o estigma social, o receio de manchar a imagem pública da família e a tendência a manter os abusos em segredo. Nesses contextos, a violência é muitas vezes silenciada, impedindo que a vítima busque ajuda com eficácia (BARROS, 2021, p. 109).
Os casos de Mariane de Souza Ravazi e Lorenza Maria de Pinho são representações marcantes de como a violência de gênero pode atingir qualquer mulher, independentemente de sua classe social ou do ambiente em que vive. Ambos os casos evidenciam falhas no sistema de proteção e revelam a urgência de políticas públicas mais eficazes, além de uma atuação mais proativa por parte das instituições que integram a rede de enfrentamento à violência contra a mulher.
Para que tragédias como essas não se repitam, é necessário promover uma mudança cultural profunda, que envolva educação para a igualdade de gênero, respeito às mulheres e fortalecimento dos direitos das vítimas. A luta contra o feminicídio deve ser uma prioridade nacional e exige o compromisso conjunto de todos os setores da sociedade — jurídico, educacional, político e comunitário.