Capa da publicação Violência doméstica familiar exige atuação preventiva
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A necessidade da atuação preventiva contra a violência doméstica familiar

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11/08/2025 às 10:08

Resumo:


  • A Lei Maria da Penha reconhece cinco tipos de violência doméstica: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

  • As medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, visam preservar a integridade física e emocional das vítimas em situação de risco.

  • A atuação preventiva à violência doméstica é fundamental e envolve profissionais de saúde na detecção precoce de sinais de abuso e na implementação de ações integradas para interromper o ciclo de violência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO PREVENTIVA À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A prevenção à violência doméstica envolve uma ação proativa que busca interromper o ciclo de violência antes que ele se intensifique. Isso não se resume apenas a reagir quando a agressão já ocorreu, mas a identificar sinais de alerta e implementar estratégias de proteção e apoio. Quando bem-sucedida, a prevenção pode ajudar as vítimas a evitar danos físicos e psicológicos graves, além de proporcionar uma chance de reconstrução de suas vidas.

Para que isso seja possível, é necessário um conjunto de medidas que envolvem educação, políticas públicas e a atuação de diversos setores, incluindo sistemas de saúde, segurança pública, sistema judiciário e sociedade civil.

6.1. Papel dos Profissionais de Saúde na Detecção da Violência Doméstica

Profissionais de saúde, como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, estão em uma posição privilegiada para identificar sinais de violência doméstica. Muitas vezes, as vítimas procuram atendimento médico por conta das lesões físicas ou psicológicas causadas pela violência, tornando os serviços de saúde o primeiro ponto de contato com o sistema de apoio 6

Os sinais de violência doméstica podem se manifestar de diversas formas, sendo divididos, em geral, entre indícios físicos e psicológicos. Os sinais físicos costumam incluir lesões recorrentes, hematomas, queimaduras, fraturas e marcas em regiões do corpo que são frequentemente atingidas durante agressões, como o rosto, o pescoço e os braços. Quando essas lesões aparecem repetidamente e a vítima apresenta explicações pouco convincentes ou inconsistentes sobre sua origem, é necessário acender um alerta, especialmente no caso de mulheres que, por medo ou vergonha, podem tentar esconder a verdadeira causa dos ferimentos 7

Além dos sinais visíveis, os traumas emocionais deixados pela violência doméstica também merecem atenção. A vítima pode desenvolver sintomas de ansiedade, depressão, insônia, distúrbios alimentares, além de demonstrar medo excessivo, baixa autoestima e insegurança. Muitas vezes, essas pessoas evitam falar sobre sua vida pessoal ou familiar, e apresentam um comportamento retraído ou socialmente isolado. Esses sinais, por mais sutis que sejam, podem indicar que a vítima está sendo controlada, ameaçada ou emocionalmente manipulada 7

Nesse contexto, um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de saúde é abordar a questão da violência doméstica com sensibilidade, de forma a não intimidar nem constranger a vítima. Muitos médicos, enfermeiros e assistentes sociais sentem-se inseguros ao questionar diretamente sobre situações de violência, principalmente na ausência de sinais físicos evidentes. Essa hesitação contribui para a subnotificação do problema e para a manutenção do ciclo de violência. Por isso, a escuta ativa e a abordagem empática são essenciais no acolhimento dessas mulheres8

Adotar uma postura acolhedora e atenta significa escutar sem julgamentos, respeitando o tempo da vítima e garantindo que ela se sinta segura e compreendida. Perguntas abertas, como “Você se sente segura em casa?” ou “Já aconteceu de alguém machucá-la ou fazê-la sentir medo?” podem ser eficazes, desde que feitas com cuidado e em um ambiente protegido, preferencialmente longe do possível agressor. Também é importante que os profissionais estejam preparados e capacitados para lidar com essas situações7.

A formação contínua sobre os sinais de violência doméstica e os protocolos de atendimento, além da criação de uma rede de apoio integrada entre saúde, assistência social e sistema de justiça, pode transformar o atendimento à vítima em uma importante via de proteção e prevenção8

6.2. Ações Preventivas e Intervenção

Quando os profissionais de saúde detectam sinais de violência doméstica, uma série de ações preventivas e intervenções imediatas podem ser implementadas.8

O encaminhamento adequado das vítimas de violência doméstica para a rede de apoio é uma etapa crucial no processo de acolhimento e proteção. A orientação imediata para serviços especializados, como delegacias da mulher, centros de referência de assistência social, psicólogos, advogados e abrigos temporários, permite que a vítima receba suporte psicológico, jurídico e social necessário para romper o ciclo de violência. Esses serviços estão preparados para lidar com as especificidades do atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade, garantindo acolhimento humanizado e orientações sobre seus direitos. 8

Em situações de risco iminente, é fundamental que a vítima seja informada sobre a possibilidade de solicitar medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha. Tais medidas têm como objetivo preservar sua integridade física e emocional, impedindo que o agressor se aproxime, mantenha contato ou frequente determinados locais. A atuação rápida nesse sentido pode ser decisiva para evitar a reincidência de episódios violentos 8 Além disso, o enfrentamento da violência doméstica exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo a colaboração entre diferentes profissionais da área da saúde, assistência social e jurídica. Médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais devem atuar de forma integrada, assegurando que a vítima receba um atendimento completo, que considere tanto sua condição física quanto suas necessidades emocionais e sociais. Essa articulação entre áreas contribui para um olhar mais abrangente e sensível ao contexto em que a mulher está inserida.8

O monitoramento continuado da vítima é outro aspecto essencial, especialmente nos casos em que há indícios de que a violência pode se repetir ou se intensificar. Acompanhamentos periódicos permitem avaliar a evolução de seu quadro físico e emocional, além de identificar novos sinais de agressão ou agravamento da situação. A observação atenta por parte dos profissionais pode ser determinante para agir preventivamente, rompendo com o ciclo de violência antes que ele atinja proporções mais graves.8

Por fim, os profissionais de saúde também desempenham um papel fundamental na promoção da educação e conscientização. Em ambientes como unidades de atenção básica, é possível disseminar informações sobre os direitos das mulheres, os sinais da violência e os canais disponíveis para denúncia e proteção. Esse trabalho educativo pode ser feito de forma discreta, por meio de conversas individuais ou materiais informativos, e é fundamental para empoderar as mulheres e fortalecer a prevenção da violência doméstica em nível comunitário.

6.3. Desafios na Detecção Precoce

A detecção da violência doméstica e a intervenção eficaz ainda enfrentam diversos obstáculos, que muitas vezes impedem que as vítimas recebam o acolhimento e a proteção de que necessitam. Um dos principais entraves é o medo e a vergonha que muitas mulheres sentem ao denunciar seus agressores. Esse medo pode estar relacionado a possíveis represálias, incluindo ameaças à integridade física, aos filhos ou à vida familiar como um todo. Em outros casos, a vergonha de expor a própria situação, o estigma social e o julgamento por parte da comunidade ou da família contribuem para o silêncio. A dependência financeira, emocional ou social em relação ao agressor também atua como um fator de retenção, fazendo com que muitas vítimas permaneçam em relações abusivas por não enxergarem alternativas viáveis8.

Outro fator crítico é a ausência de treinamento específico para profissionais de saúde no reconhecimento e manejo de situações de violência doméstica. Muitos desses profissionais não possuem a capacitação necessária para identificar os sinais, muitas vezes sutis, que uma vítima apresenta, especialmente quando não há evidências físicas visíveis. A falta de protocolos padronizados e orientações claras para a abordagem do problema pode resultar em atendimentos insensíveis, falhas no acolhimento e, consequentemente, na perpetuação do ciclo de violência.

Além disso, barreiras culturais e sociais continuam a dificultar o enfrentamento da violência doméstica. Em muitas comunidades, ainda predomina a ideia de que os conflitos familiares devem ser resolvidos no âmbito privado, o que contribui para o silêncio e para a falta de busca por apoio. Esse tipo de visão cultural pode fazer com que mesmo mulheres que tenham acesso a serviços de saúde hesitem em revelar o que estão enfrentando, por medo de desonrar a família ou por receio de que não sejam levadas a sério.8

Conclui-se então que a atuação preventiva à violência doméstica por parte dos profissionais que se deparam com essas vítimas é fundamental na identificação e intervenção precoce. Profissionais de saúde desempenham um papel crucial ao detectar sinais de violência física e psicológica, e sua capacidade de agir corretamente pode determinar a segurança e o bem-estar das vítimas. Por isso, é necessário que esses profissionais sejam bem treinados, sensibilizados e saibam como agir de maneira eficiente, encaminhando as vítimas para a rede de apoio e garantindo um ambiente seguro e acolhedor para que a denúncia possa ser feita. A combinação de uma abordagem empática, conhecimento adequado e ação rápida pode ser a chave para interromper o ciclo de violência doméstica antes que ele chegue a consequências fatais.8


7. DADOS ESTATÍSTICOS

A violência doméstica permanece como um dos problemas mais alarmantes no Brasil, afetando profundamente uma parcela significativa da população feminina. Dados da 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, conduzida pelo Instituto DataSenado em 2023, revelam a persistência e a gravidade dessa questão. Aproximadamente 30% das brasileiras afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens. Entre os tipos mais relatados, destaca-se a violência psicológica, que afeta 89% das vítimas, seguida pela violência moral (77%), física (76%), patrimonial (34%) e sexual (25%). O perfil das vítimas mostra que 22% sofreram a primeira agressão entre os 19 e 24 anos de idade, enquanto as mulheres com menor renda aparecem como as mais vulneráveis à violência física. Além disso, a maioria dos agressores possui vínculo íntimo com a vítima: 52% dos casos envolvem maridos ou companheiros e 15% ex-maridos ou ex-companheiros. 9

Outro dado preocupante refere-se ao baixo índice de busca por medidas protetivas, com apenas 27% das vítimas afirmando terem recorrido a esse recurso legal. Somado a isso, o desconhecimento sobre os mecanismos legais de proteção ainda é significativo: apenas 24% das mulheres brasileiras dizem conhecer profundamente a Lei Maria da Penha. O impacto social da violência doméstica também se manifesta de forma ampla, sendo que 68% das entrevistadas afirmam conhecer alguém que já sofreu esse tipo de violência. Essa realidade escancara a dimensão do problema, que está presente nos mais diversos contextos sociais e atinge mulheres de todas as idades e condições econômicas. 10

O crescimento alarmante dos feminicídios entre 2015 e 2024 reforça ainda mais a urgência do enfrentamento. Em 2015, o país registrou 535 casos, número que mais que dobrou até 2024, superando a marca de 1.200 feminicídios. Esse aumento pode ser explicado por diversos fatores, como a intensificação da violência, maior disposição das vítimas em denunciar e melhorias na coleta e registro de dados. Ainda assim, os números apontam para uma realidade dolorosa e inaceitável.11

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Diante disso, é imprescindível que o Estado atue com firmeza e constância na implementação de políticas públicas eficazes, promovendo não apenas ações punitivas, mas também preventivas e educativas. A continuidade das pesquisas, o fortalecimento da rede de apoio e a ampliação do conhecimento sobre os direitos das mulheres são fundamentais para reduzir a incidência da violência doméstica no Brasil e garantir às vítimas a segurança, dignidade e liberdade que lhes são de direito.


8. ANÁLISE CULTURAL NO RESPALDO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: CANÇÃO “MARIA, MARIA – MILTON NASCIMENTO

“Maria, Maria é o som, é a cor, é o suor

É a dose mais forte e lenta

De uma gente que ri quando deve chorar

E não vive apenas aguenta” (NASCIMENTO; BRANT, 1978).

A letra de "Maria, Maria" aborda questões que se relacionam profundamente com a vivência de muitas mulheres que enfrentam, silenciosamente, abusos dentro de casa e da sociedade.

A música "Maria, Maria" ilustra exatamente como essas mulheres se veem, constantemente negligenciando seus próprios desejos e aceitando o mínimo, até que, finalmente, o abuso se torna uma norma em suas vidas.

Por isso, é fundamental a implementação de ações preventivas contra a violência doméstica, que envolvam todos os setores da sociedade – empresas, escolas, igrejas, campanhas publicitárias, filmes, novelas, livros – para que o assunto seja amplamente compreendido e tratado com seriedade. Só assim pode-se combater a alienação e a ridicularização sobre o tema e, mais importante, ajudar as mulheres a entenderem as diferentes formas de violência e como elas podem identificar quando estão passando por esse tipo de abuso.

A mensagem a ser passada e de que as mulheres vítimas de abuso entendam se aquela pessoa realmente tem potencial, para ser um amigo, namorado, companheiro, marido. E se não, procurar aceitar aquilo, independente dos sentimentos gerados em nosso corpo. Fazê-las entender que têm o direito e a capacidade de romper com o silêncio e lutar por sua liberdade e que a sociedade está pronta para socorrê-la.

E que ao mesmo tempo a mensagem a ser passada para o a agressor é de que a violência nunca é a solução para qualquer conflito. O que ele faz causa dor, medo e sofrimento à vítima, e isso é inaceitável. Todos têm o direito de viver com dignidade, respeito e segurança. Sua atitude não pode ser justificada, e é fundamental que ele reconheça a gravidade do que aconteceu. A mudança é possível, e é responsabilidade dele buscar ajuda para entender os motivos da violência e aprender novas formas de lidar com seus sentimentos e conflitos. É importante lembrar que respeitar o outro não é uma opção, é um dever.

O óbvio, também, precisa ser dito e ensinado.

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Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Orientadora:  Janaína Alcântara Vilela.

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