9. CONCLUSÃO
Diante da complexidade e persistência da violência doméstica contra a mulher no Brasil, este artigo reforça que o enfrentamento dessa problemática exige mais do que a existência de uma legislação robusta. A Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, representou um divisor de águas na proteção dos direitos das mulheres, ao reconhecer as múltiplas formas de violência — física, psicológica, sexual, patrimonial e moral — e ao estabelecer medidas protetivas de urgência com o objetivo de salvaguardar a vida e a integridade das vítimas.
No entanto, a simples previsão legal não garante, por si só, a eficácia da proteção, especialmente quando o sistema de justiça, os serviços públicos e a sociedade civil ainda enfrentam dificuldades na sua plena implementação.
As falhas na execução das políticas públicas e na concessão ou fiscalização das medidas protetivas, evidenciadas por casos reais de feminicídio, demonstram que muitas vítimas continuam desprotegidas mesmo após procurarem ajuda. Isso revela a urgente necessidade de fortalecer a articulação entre as instituições, garantindo que o aparato jurídico funcione de maneira célere, sensível e humanizada. Além disso, é imprescindível que os profissionais envolvidos na rede de atendimento estejam devidamente capacitados para identificar e acolher mulheres em situação de risco, adotando práticas de escuta ativa, empatia e encaminhamento adequado.
A atuação preventiva, nesse contexto, deve ser compreendida como estratégia fundamental para romper o ciclo de violência. Essa prevenção passa pela identificação precoce de sinais físicos e psicológicos de abuso, sobretudo em ambientes como unidades de saúde, escolas e serviços sociais. Exige também políticas públicas que atuem sobre os fatores estruturais da violência de gênero, como a desigualdade social, a dependência econômica e o machismo cultural, que ainda perpetuam a subordinação da mulher e dificultam a denúncia.
Os dados estatísticos analisados reforçam a dimensão estrutural do problema. Um alto índice de violência psicológica, a baixa procura por medidas protetivas e o desconhecimento generalizado sobre os direitos legais das mulheres. Tais números não apenas revelam a gravidade da situação, mas também apontam para a necessidade de ampliar o acesso à informação, fortalecer os canais de denúncia e tornar o sistema de proteção mais acessível, eficaz e confiável.
Além disso, a cultura tem papel essencial na transformação da realidade. Expressões artísticas, como a canção “Maria, Maria”, interpretada por Elis Regina, atuam como instrumentos de denúncia, conscientização e empoderamento. A música simboliza o sofrimento invisível de muitas mulheres e convida à reflexão coletiva sobre o papel de todos os setores da sociedade — famílias, escolas, igrejas, mídias e instituições públicas — no combate à violência. Ao tocar corações e provocar discussões, a arte contribui para a desconstrução de padrões que legitimam o abuso e silenciam a dor feminina.
Em síntese, o enfrentamento à violência doméstica exige uma abordagem ampla, intersetorial e transformadora. É necessário ir além da formalidade da lei e promover mudanças reais na cultura, na educação, nas práticas institucionais e nas relações sociais. Só assim será possível garantir às mulheres o direito de viver com dignidade, segurança, liberdade e respeito — princípios fundamentais de qualquer sociedade verdadeiramente democrática e comprometida com os direitos humanos.
Referências
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ALENCAR, Francisco de Paulo. Violência doméstica no Brasil e seus reflexos sócio-econômicos e sócio-jurídicos. Jus.com.br, 24 nov. 2016, p. 1–2. Nesse estudo, Alencar destaca que “está presente em todas as classes sociais, da burguesia ao proletariado, mas geralmente ocorre nas classes de menos favorecidos, em que o fator financeiro de alguma forma acaba por influenciar no humor causando comportamentos conflituosos e provocando atos agressivos” (ALENCAR, 2016, p. 2).
BARROS, Rosana Leite Antunes de. A elite da classe média: uma análise na perspectiva da violência doméstica contra as mulheres. Revista de Ciência Política, Direito e Políticas Públicas – POLITI(K)CON, v. 2, n. 1, p. 106–115, 10 set. 2021. Nesse estudo, Barros observa que, “por diversos fatores sociais e econômicos acaba sendo difícil romper o relacionamento amoroso… mesmo vivendo o ciclo da violência doméstica e familiar”
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Notas
1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 112.990/DF. Relator: Min. Rosa Weber. Julgado em: 25 set. 2012. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=7389053. Acesso em: 24/06/2025.
2BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 514.342/SP. Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz. Julgado em: 19 fev. 2019. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1818599&num_registro=201802741811&data=20190220&formato=PDF. Acesso em: 24062025.
3 Violência doméstica: análise das medidas protetivas de urgência à luz da Lei Maria da Penha. LIMA, 2019
4 IGLESIAS, Pablo. Vítima de feminicídio havia pedido medida protetiva contra ex-companheiro há nove dias. Diário de Santa Maria, Santa Maria, 9 out. 2024. Disponível em: https://diariosm.com.br/noticias/policia-seguranca/_vitima_de_feminicidio_havia_pedido_medida_protetiva_contra_ex-companheiro_ha_nove_dias.616414. Acesso em: 25 jun. 2025.
5 FOLHA DE S. PAULO. Promotor é condenado a 22 anos de prisão por homicídio qualificado da esposa Lorenza Maria Silva de Pinho. Por Leonardo Augusto. São Paulo, 30 mar. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/03/promotor-de-mg-e-condenado-a-22-anos-por-feminicidio-mas-mantem-salario-de-r-336-mil.shtml). Acesso em: 24/06/2025.
6 BRASIL. Ministério da Saúde. Violência doméstica: uma questão de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/violencia_domestica_questao_saude.pdf. Acesso em: 25 jun. 2025.
7 BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravos_violencia_sexual_mulheres_adolescentes_2ed.pdf. Acesso em: 25 jun. 2025.
8 BRASIL. Ministério da Saúde. Linha de cuidado para a atenção às pessoas em situação de violência: orientação para os profissionais de saúde e gestores do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_violencia_pessoas_situacao.pdf. Acesso em: 25 jun. 2025.
9 INSTITUTO DATASENADO. 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher. Brasília, 2023. Disponível em: https://zenaidesenadora.com.br/com-acao-de-zenaide-senado-entrevista-21-mil-mulheres-sobre-violencia-lanca-mapa-nacional-e-firma-parceria-com-governo-federal/. Acesso em: 25 jun. 2025
10 SENADO FEDERAL. Instituto DataSenado; Observatório da Mulher contra a Violência – OMV. 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher. Brasília: Senado Federal, nov. 2023. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/646392. Acesso em: 24/06/2025.
11 ABREU, Daniella Almeida. Brasil registra 1.450 feminicídios em 2024, 12 a mais que ano anterior. Agência Brasil, 25 mar. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br). Acesso em: 24/06/2025.