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O art. 30-a da Lei Eleitoral e as suas implicações.

Arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha eleitoral

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09/07/2008 às 00:00
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6.Legitimidade Ativa.

No que pertine a legitimidade ativa para propositura da demanda, fazendo uma interpretação literal do artigo, vislumbra-se que esta estaria limitada aos partidos políticos e coligações. Entretanto, seria absurdo considerar apenas estes como legitimados, pois se estaria a violar a CF no ponto atinente ao Ministério Público, haja vista que aquela diz que este é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF).

Ora, a presença do Ministério Público no processo eleitoral é caracterizada por sua essencialidade, sendo a sua intervenção necessária e indispensável à defesa do interesse público, ainda que atue como custos legis, para que haja a efetiva e real observância da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis – como dispõe o art. 127, caput da Constituição da República

Logo, a ausência de legitimação do Ministério Público configura violação ao aludido preceito constitucional, além de constituir dano insanável por vício essencial, o que gera uma necessidade de uma análise mais ampla do art. 30-A, isto porque, conforme as disposições do art. 72, caput, da lei orgânica do MP: "Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral." 

Assim, não restam dúvidas de que o artigo estudado deve ter uma interpretação ampla, permitindo a atuação do Ministério Público Eleitoral e, também, dos candidatos como legitimados a propositura deste tipo de demanda.

E como se não bastassem tais argumentos, o dispositivo ora estudado estabelece o rito previsto no artigo 22 da Lei Complementar 64/90, que disciplina a ação de investigação judicial eleitoral para a apuração de abuso do poder econômico, de autoridade e/ou uso ilegal dos meios de comunicação. Nele estão legitimados todos os acima citados, em texto muito semelhante ao do artigo 30-A. [08]

Inclusive, a própria resolução do TSE de n.º 22.715/2008, baixada recentemente para as eleições de 2008, estabeleceu no seu art. 49 que "qualquer partido político, coligação, ou o Ministério Público poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas da Lei n.º 9.504/97 e desta resolução, relativas à arrecadação e aos gastos de recursos"

Dessa forma, resta clarividente que não só os partidos políticos e coligações, como, também, o MPE e os candidatos são legitimados a propositura de representações e/ou AIJE’s que versem apuração das condutas vedadas estabelecidas no art. 30-A da Lei das Eleições.


7.Legitimidade Passiva.

Pela simples leitura do parágrafo segundo do art. 30-A, aparenta que somente o candidato pode fazer parte do pólo passivo da demanda, ao afirmar que comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Logo, a priori somente o candidato pode figurar como requerido em representação por conduta do art. 30-A, no entanto, não é o que se vislumbra da leitura de outros artigos de lei referente à arrecadação de campanha.

Entende-se que nada impede àqueles que tenham contribuído, de alguma forma, na prática do ato, façam parte do pólo passivo, como, por exemplo, se uma igreja contribuir para uma campanha eleitoral de um candidato, seus componentes deverão ser responsabilizados, sob pena de se permitir indistintamente a prática de tal conduta.

Agora, o interessante é saber qual seria a penalidade a ser aplicada as essas pessoas que praticarem tal conduta! O mais lógico é que fosse aplicada a penalidade descrita no § 3º do art. 81 da Lei 9.504, qual seja, a proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de 5 (cinco) anos.

Ocorre que, tal penalidade em nada afetará a certas pessoas físicas e/ou jurídicas, como o exemplo alhures citado, eis que algumas igrejas raramente realizam contratos com o poder público ou recebem subvenção pública.

A solução mais adequada seria aplicação de multa pecuniária, pois mexeria no bolso dos responsáveis pela prática ilícita, entretanto não existe norma aplicável à espécie, já que o art. 30-A somente trouxera penalidade para o candidato.

No que se refere a pessoa indicada pelo candidato para a administração financeira de sua campanha, o art. 21 atesta ser o mesmo o principal responsável pela movimentação financeira, podendo até figurar no pólo passivo de demandas do 30-A, mas que não ensejará qualquer penalidade, haja vista que a norma não disciplina qualquer multa ou punição para o administrador financeiro.

Vislumbramos no caso, a aplicação, por similitude, de uma norma penal em branco para o administrador financeiro, eis que a norma possui conteúdo incompleto de relação a este.

Cabe salientar que, apesar de não existir penalidade para o administrador financeiro, a prática de irregularidade por parte deste enseja a penalidade ao candidato, não havendo que se falar em desconhecimento do fato por parte do candidato.

Por isso, de suma importância a escolha pelo candidato de um administrador financeiro de confiança e capacitado para exercer tal encargo.

Assim, em princípio, somente o candidato e o responsável pela administração financeira de sua campanha poderão figurar no pólo passivo da demanda estribada no art. 30-A, todavia nada impede que outros responsáveis por condutas ilícitas venham a ser co-responsáveis.


8.Necessidade de participação do vice-prefeito nas representações pelo Art. 30-A.

Como o TSE não se contenta em firmar um posicionamento definitivo e duradouro a respeito do assunto, eis que até recentemente era pacificado naquela corte a desnecessidade de formação de litisconsórcio entre os membros da chapa, já que sua relação seria de subordinação, sendo o mandato alcançado. Ocorre que agora, entendeu por modificar tal orientação jurisprudencial, necessário discussão acerca do tema, ainda que de forma sucinta.

Os ministros entenderam que o vice deve ser tratado como litisconsorte passivo, podendo produzir a prova que entenda necessária à comprovação de suas alegações, sendo necessário, portanto, a sua citação como litisconsorte.

Assim, o mais óbvio é que se chame o vice para participar da relação processual, até porque se evitará alegação futura de violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Evidente que o vice não possui voto próprio, sendo o mesmo dado para a chapa, existindo assim, uma vinculação entre o titular e o seu vice, ou melhor, uma relação de dependência entre a situação jurídica de ambos. O estado subordinante é do cabeça de chapa, ao passo que o do vice é o subordinado. [09]

Desta forma, o vice sofre o efeito da desconstituição da situação jurídica do titular, não cuidando pois, de reflexo da sentença, mas sim da existência ou não da relação jurídica subordinante. Portanto, deixando de existir a situação jurídica subordinante, desaparece a subordinada. [10]

Logo, o mais lógico seria a desnecessidade do litisconsorte passivo necessário, pois se evitaria as manobras jurídicas para travamento do processo, como, advogados distintos para prefeito e vice, rol de testemunhas, dentre outros. Porém, indene de dúvidas que se estaria a violar direitos constitucionais sagrados, pois o vice será atingido pelos efeitos imediatos da decisão, sem exercício do seu direito de defesa.


9.Termo inicial para propositura de AIJE estribada no 30-A.

No que se refere ao momento inicial para o ajuizamento de representação fundada no 30-A, o mais lógico seria utilizar o entendimento já pacificado do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral [11], de que o registro de candidatura é o dies a quo para a propositura da AIJE, data em que se inicia a atividade administrativa da Justiça Eleitoral.

Entretanto, tal entendimento é um verdadeiro obstáculo no combate a corrupção eleitoral, isto porque, sabido por todos que militam na seara eleitoral, que basta iniciar o ano eleitoral para que os maus políticos comecem a praticar abusos de poder, principalmente, os que possuem recursos financeiros e/ou exerçam mandato, não se fazendo necessário sequer o pedido de registro de candidatura para prática de tais atos.

Nesse contexto, imagine-se a situação de um prefeito que busca a reeleição, sendo pré-candidato natural, flagrado no início do ano eleitoral fazendo caixa dois para a sua campanha, além de praticar, como chefe do executivo, inequívoco abuso de poder econômico e/ou político, com clara potencialidade para influenciar o eleitorado. Pergunta-se: O crime praticado não teve o animus eleitoral?

Claro que sim! Não se pode atacar tal ato apenas como improbidade administrativa, mas também como crime eleitoral.

Aliás, aquele que não exerce mandato, mas desde o início do ano eletivo começa a praticar abuso de poder, tem que, de alguma forma, ser penalizado, visando coibir tais práticas.

Por isso, em decorrência da legislação não estabelecer o limite inicial para propositura de AIJE’s e/ou representações eleitorais, coube ao TSE - Tribunal Superior Eleitoral estabelecer tal marco.

Entende-se que seria necessário que o TSE revisasse tal entendimento, atribuindo o ano eleitoral como termo prefacial para propositura de tais demandas, pois assim, se evitaria que os "almejantes a pré-candidato" praticassem abusos de poder em geral, limitando-se, com isso, o desequilíbrio eleitoral e a corrupção.

No entanto, o mais provável é que as AIJE’s e/ou representações com base no art. 30-A poderão ser propostas desde o pedido de registro de candidatura até a data da diplomação, que é marco para a contagem de prazo para outras vias processuais eleitorais, a exemplo do recurso contra a expedição de diploma do artigo 262 do Código Eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no artigo 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal.


10.Termo final para propositura de AIJE estribada no 30-A

. O escândalo investigado pela CPMI dos Correios flagrou a aplicação de recursos ilícitos em campanha eleitoral presidencial quase dois anos depois do prélio, sem que houvesse qualquer remédio jurídico próprio para atacar o diploma do candidato beneficiário. O mesmo ocorreu em conhecida e florida capital de um dos Estados da federação, em que o tesoureiro da campanha denunciou, por se sentir preterido politicamente, todo o esquema do caixa dois de campanha. Também não houve aqui conseqüências eleitorais." [13]

Diante disso, nada mais lógico do que se admitir a adição desta causa de pedir na Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo, como foi feito com o art. 41-A, eis que o cometimento do crime tipificado no artigo em estudo, nada mais é, do que uma modalidade do crime de abuso de poder econômico e/ou corrupção. Crimes estes, estabelecidos no art. 14, § 10 da CF/88.

Assim, tem-se que o prazo final para AIJE do 30-A é da diplomação dos candidatos eleitos. No entanto, cabe salientar, por oportuno que nada impede que o cometimento do crime capitaneado no art. 30-A, seja objeto de Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo, haja vista se tratar de um tipo de abuso de poder.

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11.Conclusão.

Diante do estudo feito, tem-se que a AIJE prevista no artigo 30-A é a medida própria para os legitimados provocarem a apuração de suspeitas na arrecadação e gastos de recursos financeiros de campanha, sendo que o início prazal para propositura de tal demanda, fica, a priori, adstrito ao pedido de registro de candidatura.

No entanto, fica claro que a depender do caso, nada impede que sejam propostas representações antes do registro da candidatura, desde que se vislumbre a presença e/ou indícios de fraudes numa possível pré-candidatura.

Cabe informar que, mesmo após a diplomação dos eleitos, aqueles que se sentirem prejudicados poderão optar pela AIME - Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

No que pertine aos efeitos, por não existir, ainda, decisões a respeito, eis que se trata de norma recente e que será aplicada com mais acuidade nas eleições municipais que se avizinham, espera-se que o TSE assente o mesmo entendimento posto em relação ao artigo 41-A da Lei 9.504/97 - que prescreve a cassação do registro ou do diploma quando apurada a compra de votos -, de reconhecer ser imediata à execução das decisões lançadas com base no artigo 30-A, que prevê a não concessão do diploma, ou a sua cassação quando já outorgado. [14]

Já no que se refere à questão atinente a procedência da ação e à conseqüência jurídica advinda, essa deverá ser tema de debates intensos no plenário do TSE. Eis que, ou se aplicará as conseqüências das AIJE’s ou das AIME’s – havendo nulidade de mais de 50% dos votos válidos, novas eleições; em caso contrário, assumiria o segundo colocado.

Essa criação jurisprudencial do TSE a respeito de conseqüências jurídicas distintas para AIJE e AIME foi de uma tristeza úmida, de uma infelicidade tamanha, haja vista que o objetivo das demandas é somente um, condenar aqueles que se utilizam dos meios ilícitos para obter a vitória nas urnas, pois a inelegibilidade de três anos do artigo 22, inciso XIV, da Lei 64/90 é uma pena...uma verdadeira pena de ganso, ou seja, para fazer rir.

Diante disso, tem-se que o 30-A, fará muito sucesso nas eleições que se aproximam, assim como fez o 41-A, tanto no que diz respeito ao combate à corrupção eleitoral, a busca por eleições mais limpas, como pelo aumento do número de políticos cassados nesta seara.


REFERÊNCIAS

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2005. p. 423/424

COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8641>. Acesso em: 26 jan. 2008.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª Ed. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. 2006.

GARCIA, Emerson. Abuso de Poder nas Eleições – Meios de Coibição. 3ª Ed. Lumen Juris. 2006

FERNANDES, Lília Maria Da Cunha. Minirreforma eleitoral: considerações sobre a lei nº 11.300, DE 10/05/2006, nas prestações de contas das campanhas eleitorais. - Revista do TRE-TO, Palmas, v.1, n.1, jan/jun. 2007.

GUIMARÃES, Cristiana de Pinho Aguiar. Não obrigatoriedade do litisconsórcio passivo necessário do vice segundo a nova jurisprudência do TSE, Revista n. 11 do TRE-MG

OLIVEIRA, Marco Aurélio Bellizze. Abuso de Poder nas Eleições: A inefetividade da Ação de Investigação Judicial Eleitoral. 1ª Ed. Lumen Juris. 2005

NETO, Admar Gonzaga – Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2007.

ZILVETI. Aurélio e outros. O regime Democrático e a Questão da Corrupção Política. São Paulo: Ed. Jurídico Atlas; 2004.


Notas

01 - ZILVETI. Aurélio e outros. O Regime Democrático e a Questão da Corrupção Política. São Paulo: Jurídico Atlas; 2004.

02 FERNANDES, Lília Maria da Cunha. MINIRREFORMA ELEITORAL: considerações sobre a lei nº 11.300, de 10/05/2006, nas prestações de contas das campanhas eleitorais. - Revista do TRE-TO, Palmas, v.1, n.1, jan/jun. 2007.

03 CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2005. p. 423/424

04 COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8641>. Acesso em: 26 jan. 2008

05 NETO, Admar Gonzaga – Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2007.

06 Prestação de contas. Matéria administrativa. Jurisdicionalização. – MS nº 3566, Acórdão nº 3566, de 14/08/2007, Rel.: Min. José Gerardo Grossi; AG nº 7413, Acórdão nº 7413, de 21/06/2007, Rel.: Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos; ERESPE nº 26115, Acórdão nº 26115, de 24/10/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado.

07 Idem 4

08 Idem 5

09GUIMARÃES, Cristiana de Pinho Aguiar, NÃO OBRIGATORIEDADE DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO VICE SEGUNDO A NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE, Revista n. 11 do TRE-MG

10 Idem 9

11 Ação de investigação judicial eleitoral. Prazo para propositura. - RESPE nº 25935, Acórdão nº 25.935, de 20/06/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado; RP nº 628, Acórdão nº 628, de 17/12/2002, Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; RESPE nº 12531, Acórdão nº 12531, de 18/05/2005, Rel.: Min. Ilmar Nascimento Galvão

12 TSE/Representação n. 628/DF, j. 17.12.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.

13 Idem 4

14 Idem 7

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Sobre o autor
Vagner Bispo da Cunha

Advogado especialista em direito eleitoral e pós graduando em Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Vagner Bispo. O art. 30-a da Lei Eleitoral e as suas implicações.: Arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1834, 9 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11478. Acesso em: 19 abr. 2024.

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