4- Inviabilidade de se responsabilizar os provedores de serviços de e-mail
Muito dificilmente se pode invocar a responsabilidade do provedor de serviços de e-mail [25] pelos prejuízos sofridos por um usuário vítima desse tipo de golpe. Não só aqui como em outros países, a tendência tem sido a de isentar o provedor pelo conteúdo das informações que trafegam em seus sistemas, sobretudo quando postadas por terceiros com os quais não mantém vínculo contratual. Em relação aos serviços de e-mail, não se pode exigir que o provedor tenha uma obrigação de triagem das mensagens. Ainda que no caso de simples spams, o provedor não pode ser obrigado a indenizar por perdas e danos, mesmo quando as mensagens indesejadas conduzam vírus (em arquivos atachados), a menos que o contrato com o usuário contenha cláusula expressa nesse sentido, com a promessa de uso de sistemas especiais e infalíveis de filtragem (firewalls e outros sistemas de bloqueio) [26]. Algumas mensagens de phishing sequer vêm acompanhadas de arquivos infectados (programas maliciosos ou vírus), daí que a idéia de imputação ao provedor de responsabilidade por falha de segurança fica ainda mais insustentável. Sem conter anexos, fica difícil para o provedor detectar a natureza delas (se fraudulentas ou não).
A única medida que parece razoável exigir por parte dos provedores (de serviços de e-mail), em matéria de phishing (e de um modo geral em relação a qualquer prática fraudulenta via spam), é que prestem informações aos seus usuários sobre essa prática, deixando bem claro até onde se responsabilizam e como configurar seu servidor de e-mail, indicando as medidas e a tecnologia de que se vale para (se não evitá-las) minimizar suas conseqüências. A informação do usuário sobre as características fundamentais do funcionamento do serviço é de suma importância. Ele deve ser esclarecido sobre os aspectos técnicos dos serviços, tais como suas limitações e riscos a que pode ficar sujeito, a fim de que possa formar sua convicção e melhor exercer sua opção quanto à escolha da prestadora. Deve também o usuário ser devidamente orientado sobre cuidados imprescindíveis, visando à sua própria conduta, como as cautelas que deve ter com a utilização do serviço de e-mail.
O Gmail [27], serviço de webmail do Google [28], divulgou recentemente que está testando uma ferramenta desenhada para alertar seus usuários contra mensagens que aparentem ser ataques de phishing. Quando o usuário abre uma mensagem suspeita, a tela exibe um alerta. Trata-se de uma ferramenta que funciona com a mesma lógica dos instrumentos técnicos que operam contra o spam. Quando o time de técnicos do Gmail toma conhecimento de um determinado ataque de phishing, configura o sistema para que automaticamente identifique futuras mensagens semelhantes. Um tipo de filtro similar ao que automaticamente desvia as mensagens de spam para uma pasta específica – a mensagem não entra na "caixa de entrada" (ou "inbox"), faz com que o sistema mostre um aviso, alertando para a possibilidade de ataque phishing, de modo a que o usuário tome cuidados antes de clicar em um link e fornecer informações pessoais.
As políticas de combate à atuação de fraudadores, no sentido de criar barreiras ou algum tipo de proteção contra o phishing, não diferem muito das políticas que já são empregadas em relação ao spam em geral. E não poderia ser diferente, já que, como se disse, o phishing é uma modalidade mais letal de spam. As tecnologias disponíveis permitem um grau limitado de impedimento de chegada das mensagens fraudulentas à caixa postal dos usuários. Em geral, os prestadores de webmail divulgam um compromisso de combater o spam, através da utilização de filtros e outras ferramentas que se utilizam de inteligência artificial para apagar ou bloquear automaticamente mensagens não solicitadas [29]. Outra técnica também bastante difundida é a de possibilitar que os próprios usuários bloqueiem certos endereços de e-mail. Ao receber múltiplas mensagens da mesma fonte, e desejando bloquear o endereço de envio, o usuário pode ativar um bloqueador para não receber e-mails daquele endereço ou domínio [30]. Mas são sempre recursos limitados, que não garantem uma eficácia absoluta. A mesma dificuldade de natureza técnica se observa em relação ao phishing. As informações no site do Gmail deixam bem claro que o sistema anti-phishing não é infalível, tanto que possibilita ao usuário validar uma mensagem indicada como tal ou relatar uma tentativa de ataque não detectada.
Realmente, tendo em vista a natureza do serviço de e-mail e o atual estado da técnica referente às comunicações e transmissões eletrônicas de dados via Internet, não é razoável exigir que os provedores sejam responsabilizados pelos danos que mensagens de phishing (ou qualquer modalidade de spam) possam acarretar aos computadores dos usuários. O que é aceitável se esperar, em termos de conduta do provedor nessa matéria, é que empregue seus melhores esforços para assegurar que os serviços de e-mail funcionem da melhor forma e com o melhor padrão de segurança possível [31]. Colocar a responsabilidade do controle das mensagens indesejadas e fraudulentas nos ombros do provedor pode, por outro lado, provocar conseqüências socialmente prejudiciais. Tal solução levaria os provedores a regular de forma mais rígida o controle dos filtros, aumentando as probabilidades de bloqueio de uma quantidade maior de mensagens lícitas [32], com o risco de liquidar ou prejudicar o valor real do e-mail como ferramenta de comunicação, comprometendo o desenvolvimento da Internet. Portanto, a política mais acertada é a da responsabilização penal e civil do phisher (ou spammer), e não do provedor [33].
5- Insuficiência das leis que criminalizam a conduta do ofensor direto (phisher)
Leis que estabelecem sanções criminais contra os praticantes do phishing estão sendo editadas em vários países, como forma de combater esse tipo de fraude. A Pensilvânia e a Flórida, bem como vários outros Estados dos EUA, estão tratando como crime o ato de enviar e-mail fraudulento ou a criação de um website falso. No nível federal, o Senador Patrick Leahy apresentou um projeto de lei, denominado Anti-Phishig Act of 2005, que pretende criminalizar as fraudes de Internet que envolvam a obtenção de informações pessoais, prevendo cinco anos de pena prisional e multa para indivíduos que cometam "furto de identidade" (identity-theft) falsificando websites ou e-mails [34].
Em nosso país, existe também iniciativa legislativa para criminalizar o phishing. No projeto sobre Crimes Tecnológicos em tramitação no Congresso Nacional (PLC 89-2003 no Senado, PL 84/99 na Câmara), foi incluído um tipo chamado de "falsidade informática", por meio do acréscimo do art. 154-C ao Código Penal. Já em substitutivo que foi apresentado, posteriormente, no âmbito da Comissão de Educação do Senado, a mesma conduta recebe o nome de "fraude eletrônica". Embora com redações diferentes, ambas as propostas pretendem tipificar as condutas de fraudes na Internet, tais como "phishing" ou "scam".
Alguém poderia discordar da necessidade desse tipo de ação legislativa, de positivar o crime de phishing ou pharming, já que, como categoria de fraude, poderia ser sancionado através da invocação do art. 171 do CPC, que prevê a figura do estelionato. O phishing, é certo, amolda-se perfeitamente ao descritor normativo desse dispositivo, já que o ato do criminoso corresponde a "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento". Todos os elementos componentes da descrição do crime de estelionato, portanto, estão presentes na ação delituosa do phisher. Com efeito, nesse tipo específico de delito, o agente obtém, para ele ou outrem, vantagem ilícita (numerário subtraído de conta bancária), em prejuízo de alguém (a vítima, cliente de banco) mediante o emprego do artifício da construção de uma página eletrônica falsa ou envio de mensagem eletrônica (e-mail) de conteúdo fraudulento. Não haveria, como se disse, qualquer dificuldade de enquadramento do praticante do phishing no art. 171 do CPC, impondo-lhe as sanções previstas nesse dispositivo (reclusão, de um a cinco anos, e multa). Além do mais, quando o criminoso implementa o último estágio da execução phishing, que é a subtração não autorizada dos fundos existentes na conta da vítima, a jurisprudência tem entendido que aí está caracterizado o crime de furto qualificado, previsto no art. 155, § 4º., II [35].
Esse tipo de legislação criminal especificamente editada para descrever e, por conseguinte, reprimir os crimes de phishing e pharming tem a vantagem de facilitar o enquadramento criminal em determinadas situações, como por exemplo nas condutas que possam representar mera tentativa. Nos termos do Anti-Phishig Act of 2005, por exemplo, o simples envio do e-mail fraudulento ou a estruturação do falso website já são consideradas ações criminosas, mesmo que nenhum usuário ou cliente venha a ser fraudado como decorrência desses atos iniciais. Ou seja: mesmo que as informações pessoais do indivíduo alvo da fraude não sejam coletadas ou não lhe sobrevenha qualquer outro tipo de dano, ainda assim os agentes serão responsabilizados criminalmente. Diante apenas das normas existentes no vigente Código Penal, talvez se tornasse mais difícil inserir essas condutas dentro da moldura de crime tentado (art. 14, II, CP) de estelionato ou furto. Daí a validade, nesse aspecto, da legislação que trata especificamente do crime de phishing. A previsão de ilicitude específica para a conduta do phisher supre eventuais brechas da legislação penal e evita insegurança jurídica.
Todavia, permanecem dúvidas quanto à eficácia de uma legislação criminal que somente pune o agente direto, praticante do phishing [36]. Todas as leis penais mencionadas e outras que ainda estão em gestação tomando por base o modelo das precedentes, não criam qualquer tipo de previsão quanto à responsabilização solidária de outros partícipes da corrente informática. Como os phishers atuam sob técnicas que favorecem o anonimato na rede e em regra desferem ataques contra pessoas situadas em outros países, quase sempre não conseguem ser identificados [37] e, mesmo quando tal acontece, não estão submetidos à jurisdição da localidade da vítima. Portanto, na prática o que vai se verificar é que, devido às próprias características técnicas da Internet, que permitem um alto grau de ocultação de identidade e comunicação em escala global, leis que se limitam a uma previsão sancionadora exclusivamente para o arquiteto da fraude eletrônica, não oferecem resposta social satisfatória e efetiva, sobretudo quando se tem em mira a pessoa da vítima.
Esse cenário revela a necessidade do desenvolvimento de teoria de responsabilização na órbita civil, para impedir que as vítimas da fraude, que têm seu patrimônio dilapidado, não fiquem sem qualquer tipo de reparação. É preciso identificar outros meios de se oferecer resposta eficaz para a pessoa que sofre o dano, pois o Direito não pode tolerar que ofensas fiquem sem reparação. Se "o interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil" [38], nada impede que se visualize a responsabilidade de outro intermediário da comunicação eletrônica, para atender a uma necessidade moral, social e jurídica de garantir a restauração do patrimônio da vítima violado pelo ato lesivo.
É com esse sentir que voltamos nossa atenção para os bancos, prestadores do serviço de Internetbanking, cujos fundamentos da responsabilidade civil (por ato lesivo causado pelos fraudadores aos seus usuários) examinaremos no tópico seguinte.