4. O Dever do Estado na Proteção do Patrimônio e a Segurança Pública
4.1. Fundamentos Constitucionais da Proteção Patrimonial
A proteção do patrimônio dos cidadãos é um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito e um dever constitucionalmente imposto ao Estado brasileiro. O art. 144. da Constituição Federal estabelece, de forma inequívoca, que a segurança pública é "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos". Essa responsabilidade é exercida para a "preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio". A inclusão explícita do "patrimônio" demonstra a importância que o constituinte atribuiu à sua proteção, ao lado da integridade física das pessoas e da ordem pública.
O Estado tem o dever de "zelar pela preservação do patrimônio dos cidadãos e de suas respectivas integridades físicas". Essa é uma função central que se soma a outros serviços essenciais para o bem-estar social. No direito penal brasileiro, o conceito de "bem jurídico" abrange "valores existenciais para o indivíduo e para a comunidade", incluindo tanto "aspectos materiais quanto imateriais". O patrimônio, enquanto valor material, é reconhecido como um bem fundamental da comunidade, cuja proteção é indispensável para a coexistência humana. A missão do direito penal, nesse sentido, é garantir a coexistência social e proteger áreas particularmente importantes da vida comunitária e os bens jurídicos essenciais.
4.2. O Direito Penal como Ultima Ratio na Tutela Patrimonial
O direito penal, no contexto de um Estado Democrático de Direito, é concebido como a ultima ratio (último recurso) do Estado no processo de controle social. Isso significa que sua intervenção somente se justifica quando todos os outros meios lógico-sistemáticos de segurança pública, utilizando normas não penais, foram esgotados ou se mostraram ineficazes. A sanção penal, portanto, assume um caráter subsidiário, visando "aumentar, reforçar ou complementar a tutela prestada que se tornou ineficaz".
A função do direito penal é assegurar a convivência social e proteger os "bens fundamentais da comunidade" e os "valores elementares da vida em comunidade". O princípio do bem jurídico atua como uma função limitadora do poder punitivo estatal, sendo crucial na transição de um Estado de Direito meramente formal para um Estado de Direito material, democrático e social. A definição dos bens jurídicos a serem tutelados pelo direito penal é influenciada pelas novas concepções de Estado e pelas realidades sociais.
4.3. A Contribuição do PL 3141/2025 para a Efetivação do Dever Estatal
O PL 3141/2025 pode ser visto como uma manifestação do dever do Estado em proteger o patrimônio e a segurança pública. A justificação do projeto explicitamente aponta que o "ordenamento jurídico atual não dispõe de tratamento adequado para essas situações". Essa constatação implica que as ferramentas legais existentes eram insuficientes para tutelar eficazmente o patrimônio contra a modalidade de "arrebatamento brusco".
Ao criar uma nova resposta penal mais severa e específica, o PL contribui diretamente para o cumprimento do dever estatal de proteção patrimonial, oferecendo uma "resposta penal proporcional à periculosidade da conduta". Isso representa o reconhecimento de que o dano social causado pelo arrebatamento exige uma medida punitiva e dissuasória mais forte. A proposta é apresentada como uma "medida necessária para o aprimoramento do sistema penal, contribuindo para a redução da impunidade e o fortalecimento da segurança da sociedade" , alinhando-se diretamente com o mandato constitucional do Estado de garantir a segurança pública e proteger os bens dos cidadãos.
A introdução do PL 3141/2025 pode ser interpretada como um reforço legislativo do papel proativo do Estado na segurança pública. A Constituição estabelece o dever estatal de proteger o patrimônio e a segurança pública. O surgimento do PL, motivado por uma percepção de "lacuna" e "inadequação" da lei atual em lidar com o arrebatamento , demonstra um exercício ativo desse dever. O Estado, por meio do legislador, busca adaptar e fortalecer seus instrumentos legais em resposta à evolução dos modi operandi criminosos e às demandas sociais por maior segurança. Essa iniciativa legislativa reforça a ideia de um sistema jurídico dinâmico, capaz de refinar a definição e a punição de crimes para proteger bens jurídicos como o patrimônio, especialmente quando os mecanismos existentes se mostram insuficientes.
A proposta legislativa também se apresenta como uma aplicação do princípio da ultima ratio em um contexto específico. O direito penal é invocado como último recurso quando os meios não penais ou as normas penais existentes se mostram ineficazes. A justificação do PL afirma que o sistema jurídico atual "não dispõe de tratamento adequado para essas situações" , indicando que as classificações de furto e roubo não estavam abordando de forma eficaz o dano e a periculosidade específicos do arrebatamento. A percepção de falha das ferramentas legais existentes em proporcionar uma "resposta penal proporcional" levou o legislador a recorrer à criação de um novo tipo penal mais severo. Essa ação legislativa exemplifica o princípio da ultima ratio em prática, sugerindo que a reforma da lei penal foi considerada uma medida extrema e necessária. No entanto, essa abordagem também convida a uma reflexão crítica sobre se a criação de um novo tipo penal, com pena equiparada ao roubo, é de fato o último recurso, ou se outras medidas, menos gravosas ou de natureza não penal, poderiam ter sido exploradas previamente.
Conclusão
O Projeto de Lei 3141/2025 representa uma tentativa legislativa de preencher uma lacuna histórica no Código Penal brasileiro, visando aprimorar a repressão ao crime de furto qualificado por arrebatamento brusco. A proposta busca oferecer uma resposta penal mais proporcional a uma conduta que se situa no limiar entre o furto e o roubo, caracterizada pela surpresa e pela impossibilidade de reação da vítima, independentemente da ocorrência de lesão física. As vantagens apontadas incluem o aperfeiçoamento da legislação, a uniformização do tratamento jurídico e o fortalecimento da segurança pública, elementos que visam conferir maior clareza e consistência à aplicação da lei.
Do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, o PL 3141/2025 emerge como uma solução para a longa controvérsia em torno da classificação do arrebatamento, que oscilava entre furto simples, furto com destreza e roubo. Ao criar uma categoria específica, o legislador busca pacificar o debate e fornecer um instrumento mais preciso para os operadores do direito. Essa iniciativa também reflete uma sutil, mas significativa, redefinição da "violência" ou "coerção" em crimes patrimoniais, ao focar na anulação da capacidade de defesa da vítima pela surpresa e rapidez da ação, mesmo na ausência de lesão corporal.
Para o Ministério Público, a nova qualificadora promete maior precisão e eficácia na persecução penal, permitindo que as acusações reflitam de forma mais acurada a gravidade da conduta. Contudo, a instituição enfrentará o desafio de estabelecer diretrizes claras para a distinção entre o novo tipo e o roubo, além da necessidade de adaptação e formação de seus membros. A equiparação da pena do novo furto qualificado à do roubo levanta preocupações sobre a proporcionalidade da sanção e o potencial impacto no sistema prisional, com a possibilidade de aumento da população carcerária.
A proposta legislativa alinha-se com o dever constitucional do Estado de proteger o patrimônio e garantir a segurança pública, reforçando o papel proativo do Estado em adaptar suas ferramentas legais às novas realidades criminais. Ao intervir para suprir uma inadequação percebida na legislação existente, o PL 3141/2025 exemplifica o princípio da ultima ratio, utilizando o direito penal como último recurso para tutelar um bem jurídico fundamental.
Em uma avaliação crítica, o PL 3141/2025 apresenta o benefício inegável de trazer maior segurança jurídica e consistência à classificação de uma conduta criminosa prevalente. No entanto, o desafio reside em garantir que essa nova tipificação não descaracterize as fronteiras conceituais entre furto e roubo, especialmente considerando a identidade de pena. A atribuição de uma pena tão severa a um delito que, por definição, não envolve a violência ou grave ameaça típica do roubo, pode gerar questionamentos sobre a proporcionalidade da resposta penal e o equilíbrio do sistema.
As perspectivas futuras da aplicação do PL 3141/2025 dependerão da interpretação dos tribunais, particularmente em relação aos elementos de "impedir sua reação" e "ausência de ferimento físico". A forma como a jurisprudência consolidará essa nova figura será determinante para seus impactos a longo prazo nas taxas de criminalidade, na percepção pública da segurança e na evolução da compreensão dos crimes patrimoniais no Brasil. O projeto de lei, portanto, não é apenas uma alteração pontual, mas um catalisador para um debate mais amplo sobre a filosofia da pena, a função do direito penal e a dinâmica contínua entre a ação legislativa, o desenvolvimento doutrinário e a aplicação judicial.
REFERÊNCIAS
ABREU, Valdir de. Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio. In: Blog Grupo Gen., 17 ago. 2022. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/conceituacao-arrebatamento/.
A DIFERENÇA entre “ameaça” e “grave ameaça” para a caracterização dos crimes que exigem grave ameaça. In: Atividade Policial., 10 jun. 2020. Disponível em: https://atividadepolicial.com.br/2020/06/10/a-diferenca-entre-ameaca-e-grave-ameaca-para-a-caracterizacao-dos-crimes-que-exigem-grave-ameaca/.
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Projeto de Lei nº 3141, de 2025. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para incluir nova hipótese de furto qualificado, quando a subtração se dá mediante arrebatamento brusco, inesperado e direto, que impeça a reação da vítima. Brasília, DF: Senado Federal, 2025. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9987182.
BRASIL. Ministério da Defesa. A situação atual da segurança pública no Brasil e a sua relação com a segurança e a defesa nacional., [s.d.]. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cedn/xvii_cedn/aa_situacaoa_atuala_daa_seguranaa_publicaa_noa_brasila_ea_suaa_relacaoa_coma_aa_segurancaa_ea_defesaa_nacional.pdf.
FURTO e Roubo. In: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios., [s.d.]. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/furto-e-roubo.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Jurisprudência Mineira. Belo Horizonte, a. 60, n. 189, p. 299-353, abr./jun. 2009. Disponível em: https://bd.tjmg.jus.br/bitstreams/4ab81c82-5009-4e9f-b557-aa771cb5ee95/download.
MINISTÉRIO PÚBLICO do Estado do Ceará. Coletânea de Jurisprudência do Tribunal do Júri. Fortaleza, 2017. Disponível em: https://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2016/03/JURISPRUD%C3%8ANCIA-COLET%C3%82NEA-SECRETARIA-EXECUTIVA-DO-J%C3%9ARI-atual.-13-06-2017.pdf.
MINISTÉRIO PÚBLICO do Estado de São Paulo. A legitimidade do Ministério Público no processo penal. São Paulo, 1997. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_publicacao_divulgacao/doc_gra_dout_crim/crime%2003.pdf.
MINISTÉRIO PÚBLICO recorre ao STJ e restabelece pena maior para condenados por roubo. In: Ministério Público do Estado de São Paulo., [s.d.]. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/w/ministerio-publico-recorre-ao-stj-e-restabelece-pena-maior-para-condenados-por-roubo.
O DIREITO Penal na Constituição. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista09/Revista09_141.pdf.
O PAPEL Estratégico do Ministério Público na Persecução Penal. In: Legale., [s.d.]. Disponível em: https://legale.com.br/blog/o-papel-estrategico-do-ministerio-publico-na-persecucao-penal/.
SEGURANÇA pública: o que é responsabilidade do município? In: Politize!., 21 set. 2016. Disponível em: https://www.politize.com.br/seguranca-publica-no-municipio/.
TESES do STJ sobre os crimes contra o patrimônio – Furto (1ª Parte). In: Meu Site Jurídico., 4 fev. 2021. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/02/04/teses-stj-sobre-os-crimes-contra-o-patrimonio-furto-1a-parte/.