Resumo: O aumento do IOF via decreto presidencial para fins de arrecadação configura desvio de finalidade, violando o princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF) e a natureza extrafiscal do imposto (art. 153, §1º, CF). O Congresso, exercendo sua competência exclusiva (art. 49, V, CF), sustou o decreto por meio do PDL 214/2025, atuando conforme o sistema de freios e contrapesos (art. 2º, CF). A intervenção liminar do STF (art. 102, I, "a", CF), suspendendo ambos os atos, equivocadamente equiparou um ato ilegal a uma medida legítima, enfraquecendo o Legislativo e distorcendo o equilíbrio entre os Poderes. A decisão do ministro Alexandre de Moraes ultrapassa a neutralidade constitucional, criando um perigoso precedente de politização judicial e tutela autoritária do processo democrático.
Introdução
A elevação do IOF por decreto presidencial, a pronta resposta do Congresso Nacional por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) e, por fim, a intervenção cautelar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo ambos os atos e convocando os Poderes à conciliação, compõem mais um capítulo preocupante da crescente tensão entre os pilares do Estado brasileiro. Ainda mais preocupante, contudo, é perceber nesse episódio o esvaziamento da legalidade e o fortalecimento de uma lógica personalista e centralizadora de poder no seio da Suprema Corte.
O que está em jogo: legalidade ou conveniência?
O episódio teve início com a edição de um decreto presidencial que aumentava as alíquotas do IOF. A justificativa dada pelo Governo foi direta: elevar a arrecadação e garantir o cumprimento da meta fiscal de 2025, em meio a bloqueios orçamentários. Trata-se, em essência, de uma medida de ajuste fiscal.
O problema é que o IOF, apesar de ser um tributo com alíquotas moduláveis por decreto, possui natureza extrafiscal, prevista no artigo 153, §1º, da Constituição Federal. Sua função primordial é regulatória — intervir nos mercados de crédito, câmbio e seguros — e não financiar o Estado. A própria confissão do Executivo, de que o objetivo era aumentar receita, escancara o vício de desvio de finalidade, ilegalidade material que fere o princípio constitucional da legalidade tributária (art. 150, I).
O Congresso cumpre sua função
Diante desse abuso evidente, o Congresso Nacional exerceu sua competência exclusiva prevista no artigo 49, inciso V, da Constituição, aprovando o Projeto de Decreto Legislativo 214/2025, que sustou os efeitos do decreto presidencial.
Essa atuação é um exemplo claro do sistema de freios e contrapesos previsto no artigo 2º da Constituição. O Congresso não agiu por conveniência política, mas para restaurar a legalidade, impedindo o uso indevido de um decreto para fins fiscais.
Contudo, a medida legítima do Legislativo sofreu um revés imediato com a suspensão liminar determinada pelo STF. O ministro Alexandre de Moraes adotou uma postura cautelar, suspendendo tanto o decreto presidencial quanto o PDL, sob o argumento de “fundada dúvida” sobre possíveis desvios de finalidade em ambos os atos. Convocou, ainda, uma audiência de conciliação entre os Poderes e estabeleceu prazo para apresentação de justificativas. Do ponto de vista estritamente constitucional, essa decisão encontra respaldo no papel do STF como guardião da Constituição (art. 102, CF) e no uso da suspensão cautelar para evitar danos irreversíveis e preservar a ordem institucional. Ademais, não houve invalidação definitiva, mas paralisação temporária dos efeitos até a análise do mérito.
O STF intervém… mas em que direção?
Embora a decisão do STF seja tecnicamente defensável como medida cautelar prevista no artigo 102, inciso I, alínea “a”, ela gera um sério problema político e institucional. A suspensão simultânea de dois atos normativos de naturezas muito distintas — o decreto presidencial, com claros vícios de constitucionalidade, e o PDL do Congresso, instrumento absolutamente amparado pela Constituição — acaba, mesmo que involuntariamente, por colocar em pé de igualdade forças que constitucionalmente deveriam estar em equilíbrio distinto.
Ao suspender o exercício legítimo de controle do Legislativo sobre o Executivo, o STF retira eficácia imediata a um mecanismo fundamental para a preservação da legalidade e da autonomia do Parlamento. Isso fragiliza o sistema de freios e contrapesos (art. 2º, CF) e cria precedentes perigosos para futuras crises institucionais.
Judicialização da política ou politização do Judiciário?
O fenômeno da judicialização da política, embora presente e esperado em democracias constitucionais, ganha neste episódio uma coloração preocupante. O STF assume o papel de árbitro político ao equiparar atos com fundamentos constitucionais claros a atos manifestamente ilegais, mascarando decisões políticas sob a roupagem de técnica judicial.
Essa postura compromete o princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF), ao exigir do Congresso justificativas jurídicas para um ato expressamente previsto na Constituição e enfraquecendo sua autoridade institucional.
Mais do que uma mera judicialização, o que se observa é uma politização do Judiciário, em que a corte manipula o ritmo e o conteúdo das decisões institucionais com base em critérios subjetivos, não previstos no ordenamento jurídico.
O enfraquecimento do parlamento
A decisão do STF, ao suspender a decisão do Congresso, dá sobrevida a um ato inconstitucional do Executivo e enfraquece a autonomia do Legislativo. Mesmo sendo medida cautelar, retira eficácia de um controle legítimo do Parlamento, gerando um ambiente institucional no qual o Executivo avança enquanto os demais Poderes são forçados a negociar recuos, em clara inversão do desenho constitucional da separação dos Poderes.
Em outras palavras: se o Congresso, diante de um decreto flagrantemente abusivo, não pode agir com efeito imediato porque o Judiciário suspende sua reação institucional, cria-se um ambiente em que o Executivo avança e os demais Poderes são obrigados a negociar recuos — o que não é o desenho constitucional da separação de poderes.
Esse movimento fragiliza o Parlamento e reforça a percepção de que o STF tem atuado, em alguns casos, como uma instância de arbitragem política, inclusive em matérias com solução constitucional clara. Tal prática não apenas compromete o equilíbrio institucional, como também cria um precedente perigoso para o futuro da democracia brasileira.
Conclusão: o STF cruza a linha da neutralidade constitucional
A decisão do ministro Alexandre de Moraes ultrapassa o papel de árbitro constitucional e assume a função de interventor político ao suspender o ato legítimo do Congresso em favor da sobrevivência de um decreto presidencial viciado.
Em vez de pacificar, a decisão impõe uma harmonia distorcida, subordinando o Legislativo a um julgamento judicial de conveniência, mesmo diante da clareza constitucional.
Não se trata de questionar o STF enquanto instituição, nem de negar a necessidade de mediações em tempos de crise, mas sim de denunciar que, neste episódio, a Corte, por meio de um único ministro, abriu mão da neutralidade constitucional, cruzando perigosamente a linha que separa o juiz do protagonista político.
Em nome da “conciliação”, sacrifica-se a legalidade. Em nome da “moderação”, suspende-se o controle constitucional legítimo. Ao fim, resta um precedente perigoso de tutela autoritária do processo democrático, exercida exatamente por quem deveria protegê-lo.