1. Introdução
A regulação do setor de saúde suplementar é um dos pilares fundamentais para garantir o equilíbrio entre os interesses das operadoras de planos de saúde e os direitos dos consumidores.
Neste cenário, a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem sido determinante na construção de um ambiente mais justo e transparente para os beneficiários.
Com a recente publicação da Resolução Normativa nº 623, de 17 de dezembro de 2024, revogando integralmente a RN nº 395/2016, impõem-se reflexões sobre os avanços, desafios e implicações jurídicas trazidas pela nova normativa.
2. A Agência Nacional de Saúde Suplementar – Origem e Finalidade
A ANS foi instituída pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, como uma autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde. Sua criação foi motivada pela necessidade de estabelecer normas claras para o setor de saúde suplementar, garantindo a regulação e fiscalização da atividade das operadoras de planos privados de assistência à saúde. Entre suas funções primordiais estão o controle da qualidade dos serviços prestados, a proteção dos beneficiários e o estímulo à concorrência no setor.
Ao longo dos anos, a ANS se consolidou como uma das principais entidades reguladoras do país, implementando políticas públicas que visam à sustentabilidade do mercado regulado e à promoção do equilíbrio contratual entre operadoras e usuários. Seu papel vai além da fiscalização: é também formadora de diretrizes de conduta e condutora de melhorias contínuas nos serviços ofertados.
3. A RN nº 623/2024 e a Revogação da RN nº 395/2016
A Resolução Normativa nº 395/2016 foi, por quase uma década, o principal marco normativo que disciplinava as regras de atendimento aos beneficiários de planos de saúde nas solicitações de cobertura assistencial. Todavia, as mudanças nos canais de comunicação, as exigências de transparência, e a necessidade de maior celeridade e resolutividade impuseram a revisão do modelo.
Nesse contexto, a RN nº 623/2024 surge como instrumento normativo que busca modernizar e ampliar as obrigações das operadoras, com vistas a fortalecer a proteção dos usuários e tornar mais eficiente o sistema de regulação.
4. Principais Inovações Trazidas pela RN nº 623/2024
A Resolução Normativa nº 623/2024 promoveu avanços significativos na regulamentação do setor de saúde suplementar, com foco na qualificação do atendimento aos beneficiários e na melhoria contínua dos serviços prestados pelas operadoras. Dentre as principais inovações, destaca-se a revisão do art. 33. da RN nº 483/2022, que introduziu critérios de qualidade e aplicabilidade de descontos proporcionais nas sanções administrativas, criando incentivos para o cumprimento de metas de excelência regulatória.
A normativa também passou a exigir o monitoramento contínuo da qualidade assistencial, utilizando indicadores de desempenho e níveis de satisfação dos beneficiários como métricas fundamentais. Essa inovação fortalece a cultura institucional voltada para resultados e transparência. No campo da comunicação, estabeleceu-se a obrigatoriedade de canais de atendimento presencial, telefônico e virtual, com ênfase na linguagem clara e na acessibilidade.
Outro ponto relevante foi a modernização das regras sobre portabilidade de carências e acesso à rede credenciada, buscando ampliar a efetividade dos contratos e estimular a concorrência por qualidade de serviço.
Além disso, a resolução impôs a revisão dos processos internos das operadoras, incluindo a capacitação contínua das equipes técnicas, bem como a adoção de metodologias próprias para medição da resolutividade das demandas.
Com essas diretrizes, a ANS reforça seu papel como agente regulador que promove um ambiente de equilíbrio e eficiência no atendimento à saúde privada.
5. Breve cotejo entre a RN nº 623/2024 e a RN nº 395/2016
No exercício comparativo entre a RN nº 623/2024 e a RN nº 395/2016, alguns pontos, a seguir pontuados, se destacam dentre aqueles que mais e melhor representam a modernização dos procedimentos regulatórios e o fortalecimento dos direitos dos consumidores.
Enquanto a RN nº 395/2016 previa como canais obrigatórios de atendimento apenas o presencial e o telefônico, com a possibilidade facultativa do meio digital, a RN nº 623/2024 impõe a obrigatoriedade de disponibilização também de canais virtuais, refletindo a adequação às novas tecnologias e ao perfil digital da maior parte dos usuários.
No tocante ao atendimento telefônico, a norma anterior permitia sua limitação ao horário comercial para operadoras de pequeno e médio porte. Já a nova resolução estabelece que, mesmo nesses casos, deve ser garantido atendimento telefônico para demandas urgentes em regime de 24 horas, todos os dias da semana, com obrigatoriedade de disponibilização de atendente humano, salvo hipóteses expressamente justificadas.
Em relação ao protocolo de atendimento, ambas as normas mantêm a exigência de sua emissão, mas a RN nº 623/2024 detalha com maior rigor os padrões de arquivamento, prazos de guarda, e o direito do beneficiário ao acesso aos registros de forma simplificada e eficiente. Outro avanço foi observado na reanálise das solicitações negadas: se antes era previsto de forma genérica, agora a reanálise deve ser realizada obrigatoriamente pela Ouvidoria da operadora, no prazo de até sete dias úteis, com garantia de comunicação clara e objetiva sobre essa possibilidade ao beneficiário.
Por fim, a RN nº 623/2024 implementou mecanismos de estímulo ao desempenho das operadoras, vinculando a concessão de descontos em sanções ao cumprimento de metas de redução e excelência do Índice Geral de Reclamações (IGR), o que não existia no regime anterior. Trata-se, portanto, de um salto qualitativo na normatização, com foco no aprimoramento da relação entre consumidores e operadoras, em consonância com os princípios do Código de Defesa do Consumidor.
6. Considerações Finais
A Resolução Normativa nº 623/2024 representa um marco importante da regulação no setor de saúde suplementar no Brasil. A norma não apenas aprimora as exigências de atendimento e comunicação com os beneficiários, mas também impõe um novo paradigma de qualidade e responsabilização das operadoras.
Ao vincular benefícios sancionatórios ao desempenho nos indicadores de reclamação (IGR), a ANS introduz um sistema de incentivo regulatório que estimula condutas proativas e preventivas por parte das operadoras. Trata-se de uma abordagem moderna, centrada na resolutividade e na melhoria contínua dos serviços de saúde, cuja aplicação deverá ser acompanhada de perto por operadores do Direito e defensores do consumidor.
Resta acompanhar o desempenho das operadoras no cumprimento das novas normas, o eventual reflexo das obrigações introduzidas pela Agência nos serviços prestados aos usuários e a atuação da ANS para o equacionamento dos interesses.
Referências Bibliográficas
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Resolução Normativa nº 623, de 17 de dezembro de 2024. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ans/2024/res0623_19_12_2024.html>. Acesso em: 22 jul. 2025.
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Resolução Normativa nº 395, de 14 de janeiro de 2016. Disponível em: <https://www.ans.gov.br>. Acesso em: 22 jul. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Diário Oficial da União: seção 1, p. 1, 2000.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.