A diplomacia britânica e o reconhecimento da Palestina.

Um marco para a paz no Oriente Médio?

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30/07/2025 às 11:50
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6. O Mandato Britânico, a Declaração de Balfour e a Soberania na Palestina: Contextualização Histórica e Implicações Atuais

Para compreender a dinâmica do conflito israelo-palestino e a posição do Reino Unido, é fundamental analisar o papel histórico do Mandato Britânico sobre a Palestina e a Declaração de Balfour, documentos que frequentemente geram dúvidas sobre a soberania e o controle do território.

6.1. O Mandato Britânico e a administração temporária da Palestina

Após a Primeira Guerra Mundial e a dissolução do Império Otomano, a Sociedade das Nações concedeu ao Reino Unido o Mandato para administrar a Palestina, com o objetivo formal de preparar o território para sua futura autonomia e independência. O Mandato, estabelecido em 1920 e em vigor até 1948, conferia ao Reino Unido poderes administrativos, mas não transferia a soberania plena sobre o território.

Essa administração tinha um caráter transitório, orientada para o desenvolvimento político e social da região, respeitando os direitos das comunidades residentes, incluindo árabes e judeus. A função britânica era garantir ordem, segurança e um processo gradual rumo à autodeterminação.

6.2. A Declaração de Balfour e suas limitações

A Declaração de Balfour, emitida em 1917, expressou o apoio do governo britânico à criação de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina, com a ressalva de que nada deveria prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas. Embora tenha sido um documento importante para o sionismo, a declaração não conferiu soberania ao Reino Unido nem garantiu a propriedade exclusiva da Palestina a qualquer grupo.

A Declaração foi um compromisso político que teve repercussões complexas e duradouras, influenciando a política britânica durante o Mandato, mas sem alterar a natureza temporária da administração britânica ou a soberania final da região.

6.3. Fim do Mandato e soberania atual

Em 1948, com o término do Mandato Britânico, o Reino Unido retirou-se da Palestina. Nesse momento, o Estado de Israel foi proclamado como um Estado soberano e independente, reconhecido por vários países, enquanto a população palestina e os Estados árabes vizinhos contestaram a partilha do território, dando início a conflitos que perduram até hoje.

Desde então, o Reino Unido não detém qualquer autoridade territorial ou soberania sobre Israel ou a Palestina. O papel britânico passou a ser exclusivamente diplomático e político, sem envolvimento direto na administração ou controle do território.

6.4. Por que Israel não está atacando o Reino Unido

Dado esse contexto histórico, não faz sentido dizer que Israel estaria “atacando” o Reino Unido. O conflito atual é entre o Estado de Israel e a população palestina, que reivindica a criação de um Estado independente na região da Palestina histórica.

O Reino Unido, apesar de sua influência diplomática e histórica, é um terceiro ator no conflito, que busca manter relações estratégicas com ambas as partes, além de defender o direito internacional e a paz na região. Portanto, qualquer ataque ou conflito armado entre Israel e o Reino Unido não faz parte do quadro atual.


7. Principais Documentos, Tratados e Resoluções Pertinentes

7.1. Declaração de Balfour (1917)

Carta do governo britânico expressando apoio à criação de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina, com a ressalva de que nada deve prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas. Considerada marco inicial do apoio internacional ao estabelecimento do Estado de Israel.

7.2. Mandato Britânico para a Palestina (1922)

Aprovado pela Liga das Nações, conferia ao Reino Unido autoridade para administrar a Palestina e facilitar a criação do lar nacional judeu, ao mesmo tempo que assegurava os direitos da população árabe residente. Estabeleceu o regime legal que vigora na Palestina até 1948.

7.3. Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU (1947) – Plano de Partilha da Palestina

Recomendou a divisão da Palestina em dois Estados independentes, um judeu e um árabe, com Jerusalém sob administração internacional. Aceito pelos líderes sionistas, foi rejeitado pelos árabes, o que desencadeou o conflito armado após o fim do Mandato Britânico.

7.4. Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (1948)

Trata do direito de retorno dos refugiados palestinos deslocados durante a guerra de 1948, estabelecendo que aqueles que desejam retornar às suas casas devem ser autorizados a fazê-lo e que os Estados devem compensar os que optarem por não retornar.

7.5. Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU (1967)

Após a Guerra dos Seis Dias, estabeleceu os princípios para a paz no Oriente Médio, incluindo a retirada israelense dos territórios ocupados e o reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência de todos os Estados na região.

7.6. Resolução 338 do Conselho de Segurança da ONU (1973)

Chamou ao cessar-fogo na Guerra do Yom Kippur e reafirmou a implementação da Resolução 242 para negociação de paz.

7.7. Carta da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – Declaração de Independência (1988)

Em Algiers, a OLP declarou a independência do Estado da Palestina, estabelecendo suas fronteiras baseadas nas linhas de 1967, com Jerusalém Oriental como capital.

7.8. Resolução 67/19 da Assembleia Geral da ONU (2012)

Elevou o status da Palestina para “Estado observador não membro” na ONU, um reconhecimento simbólico e jurídico importante que reforça a posição internacional da Palestina sem ser um reconhecimento pleno como Estado membro da ONU.


8. Considerações Finais

O reconhecimento formal do Estado da Palestina pelo Reino Unido permanece como uma questão central e delicada na política internacional contemporânea, refletindo tanto o peso histórico quanto as complexidades atuais do conflito israelo-palestino. Embora o Reino Unido tenha um papel histórico significativo na região, que remonta ao Mandato Britânico e à Declaração de Balfour, a decisão de reconhecer oficialmente a Palestina ainda não foi tomada, em função de considerações políticas, estratégicas e diplomáticas.

A Palestina, por sua vez, já conta com o reconhecimento formal de mais de 140 países ao redor do mundo, incluindo grandes potências e países estratégicos. Entre esses, destacam-se:

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  • Países da América Latina: Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Cuba, México e outros.

  • Países africanos: África do Sul, Nigéria, Angola, Egito, entre diversos outros Estados do continente.

  • Países asiáticos: China, Índia, Indonésia, Paquistão e a maioria dos países árabes e muçulmanos, como Arábia Saudita, Irã e Egito.

  • Países europeus: Espanha, Irlanda, Noruega, Eslovênia e, historicamente, Suécia e Malta, entre outros.

  • Outros Estados: Rússia e alguns Estados do Leste Europeu e da Ásia Central.

Esse amplo reconhecimento confere à Palestina uma posição política e jurídica robusta no sistema internacional, reconhecendo-a como um sujeito legítimo de direito internacional, com capacidade para manter relações diplomáticas, aderir a tratados e participar em organizações multilaterais.

O Reino Unido, contudo, mantém uma postura intermediária, na qual declara apoio à solução de dois Estados, mas resiste a um reconhecimento formal unilateral, fundamentando-se no argumento de que o reconhecimento deve ocorrer no momento mais oportuno para contribuir efetivamente à paz duradoura na região. Essa cautela reflete tanto os vínculos estreitos com Israel e os Estados Unidos quanto as preocupações com a estabilidade regional e os processos negociais. No entanto, a pressão internacional, especialmente a partir de 2024, com o reconhecimento da Palestina por países europeus como Espanha, Irlanda, Noruega e Eslovênia, tem aumentado significativamente. Além disso, o crescente clamor interno no Reino Unido, vindouro de parlamentares, organizações civis e setores da sociedade que defendem a justiça e a autodeterminação palestina, torna essa posição britânica cada vez mais insustentável.

Assim, o reconhecimento formal da Palestina pelo Reino Unido não apenas alinharia o país com a maioria dos seus parceiros internacionais, como também fortaleceria seu papel diplomático, reafirmando seu compromisso com o direito internacional, os direitos humanos e a busca por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio.

Portanto, a decisão britânica representa hoje uma encruzilhada geopolítica e moral. A adoção de uma postura clara e firme a favor do reconhecimento da Palestina poderá contribuir decisivamente para o avanço do processo de paz, consolidar o status jurídico da Palestina no cenário global e restaurar a credibilidade internacional do Reino Unido como ator comprometido com a justiça e a estabilidade mundial.


Referências Bibliográficas

Declaração de Balfour (1917). Carta do governo britânico à Liga Sionista, 2 de novembro de 1917. Disponível em: https://avalon.law.yale.edu/20th_century/balfour.asp

Mandato Britânico para a Palestina (1922). Mandato para a Palestina aprovado pela Liga das Nações em 24 de julho de 1922. Disponível em: https://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/2AB5B1A2761FC9108525642F0058B811

Resolução 181 da Assembleia Geral da ONU (1947). Plano de Partilha da Palestina, aprovado em 29 de novembro de 1947. Disponível em: https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/181(II)

Resolução 194 da Assembleia Geral da ONU (1948). Sobre os refugiados palestinos, aprovada em 11 de dezembro de 1948. Disponível em: https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/194(III)

Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU (1967). Após a Guerra dos Seis Dias, adotada em 22 de novembro de 1967. Disponível em: https://undocs.org/S/RES/242(1967)

Resolução 338 do Conselho de Segurança da ONU (1973). Cessação das hostilidades na Guerra do Yom Kippur, adotada em 22 de outubro de 1973. Disponível em: https://undocs.org/S/RES/338(1973)

Carta da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – Declaração de Independência (1988). Proclamada em 15 de novembro de 1988 em Argel, disponível em: https://www.un.org/unispal/document/auto-insert-206926/

Resolução 67/19 da Assembleia Geral da ONU (2012). Concede à Palestina o status de Estado observador não membro, aprovada em 29 de novembro de 2012. Disponível em: https://undocs.org/A/RES/67/19


Abstract: This article addresses the issue of the United Kingdom’s recognition of the State of Palestine, examining historical, legal, and political aspects that influence this decision. Although more than 140 countries have already formally recognized Palestine, the UK still maintains a cautious stance, supporting a two-state solution but without formal recognition. The article analyzes the UK’s role in the conflict, from the British Mandate period to recent developments on the international stage, highlighting the growing pressure from European countries and civil society for a change in position. It concludes that UK recognition could be an important step toward peace and Palestine’s legitimacy in the international system.

Key words : State Recognition. United Kingdom. Palestine. International Law. Israeli-Palestinian Conflict. Foreign Policy. Self-determination. Diplomacy. Two-State Solution. International Pressure.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado Especialista; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES Escritor dos Livros: Lei do Marco Civil da Internet no Brasil Comentada: Lei nº 12.965/2014; Direito dos Animais: Noções Introdutórias; GUERRAS: Conflito, Poder e Justiça no Mundo Contemporâneo: UMA INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL; Justiça que Tarda: Entre a Espera e a Esperança: Um olhar sobre o sistema judiciário brasileiro e; Lições de Direito Canônico e Estudos Preliminares de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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