Resumo: Nos últimos tempos temos assistido as bravatas do governo norte-americano dirigidas ao Brasil, sobretudo, relacionadas à imposição de taxas de importação elevadas para produtos brasileiros, o que reduz substancialmente nossa competitividade no mercado daquele país. Neste artigo tentaremos analisar o que, de fato, se oculta por trás dessa prática, mas não de forma isolada, mas volvendo nossos olhos para a história, de modo a descortinar como, desde sempre, países desenvolvidos e imperialistas atuam para a manutenção de suas posições geopolíticas e econômicas, que dependem do enfraquecimento sistemático de países emergentes.
Palavras-chave: Agenda; Capitalismo; Comunismo; Filosofia; Ideologia.
INTRODUÇÃO
Temos assistido nas últimas semanas a um verdadeiro espetáculo midiático sobre a imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos a diversos países, tendo reservado as mais elevadas ao Brasil, com quem mantém, historicamente, estreitas relações comerciais e cuja balança lhe é bastante favorável, de modo que, do ponto de vista econômico, não se justificam.
Na esteira desse atrito comercial entre Brasil e Estados Unidos, temos assistido, paralelamente, a um acirramento ideológico entre pessoas que se rotulam como conservadoras e alinhadas ao pensamento capitalista, e pessoas que se dizem progressistas e pendentes às ideias socialistas.
Assistindo a tudo isso, a parcela da sociedade brasileira nascida nos anos 1980, ou antes, bem como os mais jovens, desde que conhecedores dos eventos históricos que nos trouxeram até aqui, têm respirado uma atmosfera nostálgica, pois é como se essas duas correntes de pensamento estivessem, novamente, disputando nossos corações e mentes, numa espécie de nova Guerra Fria, só que, desta vez, no espectro socialista, não temos a extinta União Soviética, mas sim, a China.
Disso, aliás, advém o título deste trabalho, pois como sabemos, a magnífica águia de cabeça branca, uma ave de rapina, de longa data, é símbolo do poderio norte americano. Noutro polo temos o dragão, um animal mitológico bastante difundido na cultura chinesa e que simboliza, dentre outras coisas, sabedoria, força e prosperidade.
Noutros tempos, não tão distantes, talvez o dragão desse lugar ao urso, que popularmente simboliza a Rússia - antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS. Temos que dar certo crédito a esses países apenas por relacionarem as características de seus povos e seus ideais à animais - reais ou míticos - que os representam. No Brasil parece que começamos mal nesse sentido, pois com uma fauna tão rica, poderíamos ter adotado a onça pintada - maior felino das Américas - ou o menos conhecido, mas não menos magnífico, gavião - real, ou Harpia, mas preferimos deixar que Walt Disney (1901 - 1966) representasse o povo brasileiro com um papagaio malandro, personagem de seus desenhos e que recebeu o nome de Zé Carioca.
Insultos à parte, agora que as cartas foram postas na mesa, convém esclarecer que o objetivo a ser buscado neste modesto trabalho não será o de convencer a quem quer que seja sobre qual lado apoiar, mas sim esclarecer algumas questões que traremos de muito longe no tempo e que nos ajudarão a clarear o quadro geral para entendermos o que, de fato, está por trás dessa prática do governo estadunidense.
Para atingir este objetivo, teremos de nos socorrer de um verdadeiro time de gigantes dos pensamentos jurídico, político, econômico e filosófico. Toda essa ajuda se faz necessária e não pode ser desprezada, pois, por mais que a complexidade das coisas possa desagradar a muitos, reduzir a marcha da civilização a conceitos simplistas e a frases de efeito não produz conhecimento, mas serve muito bem para obter o fervoroso engajamento de incautos apoiadores, de qualquer dos lados.
FAÇA O QUE EU MANDO, MAS NÃO O QUE EU FAÇO
Quem nunca ouviu esta frase, não é mesmo? Bem, alguns de nós até podemos tê-la proferido em algum momento da vida e em determinados contextos específicos. É uma frase que sintetiza a premissa de que aquele que a profere está em posição de mando ou que domina certa arte ou ofício, de modo que pode adotar determinadas condutas com a segurança que os outros não podem. Os que não podem, por seu turno, devem obedecer a quem as pratica – ou a quem já as praticou no passado – de maneira livre e desimpedida. Caso não pareça uma relação muito justa, é porque, de fato, não é.
Mas antes que se pense que isso está descolado da ideia central deste trabalho e que não tem relação com ela, esclareçamos que nos referimos à imposição de barreiras tarifárias por parte dos Estados Unidos. Mas isso é uma falácia! Os Estados Unidos pregam o liberalismo econômico e o livre comércio sem intervenção estatal, afinal de contas, são capitalistas – alguns devem ter pensado exatamente isso, concordam? Pois bem, essa fachada liberal, não condiz com o que a história nos mostra – a história de verdade, não aquela que alguns podem ter lido ou visto em na postagem tendenciosa da rede social de algum coach de economia:
Será, no entanto, verdade que as políticas e instituições tão recomendadas aos países em desenvolvimento foram adotadas pelos desenvolvidos quando se achavam em processo de desenvolvimento? Mesmo em termos superficiais, não faltam indícios e evidências históricas fragmentárias sugerindo o contrário (CHANG, pág. 13, 2002).
E complementa:
A resposta mais sucinta é que eles não seriam o que são hoje se tivessem adotado as políticas e as instituições que agora recomendam às nações em desenvolvimento. Muitos recorreram ativamente a políticas comerciais e industriais “ruins”, como a de proteção à indústria nascente e a de subsídios à exportação - práticas hoje condenadas ou mesmo proscritas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) (CHANG, pág. 13 / 14, 2002).
Os fragmentos acima foram extraídos do livro intitulado Chutando a escada, de autoria do economista e industrialista sul – coreano Há – Joon Chang. Formado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, Chang, na mencionada obra, alude à estratégia adotada por nações desenvolvidas de pregarem às nações emergentes o que ele chama de “boas” práticas, mas que foram por eles rechaçadas durante seus processos de desenvolvimento e industrialização. O paradoxo consiste no fato de que, uma vez adotadas essas tais “boas” práticas, os países emergentes entram num círculo vicioso que os impedem de ascenderem à patamares mais elevados de desenvolvimento e industrialização, senão vejamos:
Qualquer nação que, valendo-se de taxas protecionistas e restrições à navegação, tiver levado sua capacidade industrial e sua navegação a um grau de desenvolvimento que impeça as outras de concorrerem livremente com ela não pode fazer coisa mais sábia do que chutar a escada pela qual ascendeu à grandeza, pregar os benefícios do livre – comércio e declarar, em tom penitente, que até recentemente vinha trilhando o caminho errado, mas acaba de descobrir a grande verdade (CHANG, pág. 17, 2002).
Infere – se, portanto, da análise acurada feita por Chang em sua obra, que todo esse discurso, sobretudo, vindo dos Estados Unidos, de que o Estado não deve interferir na economia e no comércio, não passa de um engodo capitalista que se amolda ao título dado a este capítulo. Nota – se claramente que, ao impregnarem os países emergentes, com os quais mantêm laços comerciais, com a ideia falaciosa de que protecionismo estatal à indústria doméstica os empobrece, uma vez que as indústrias estadunidenses, por meio da tutela estatal, atingiram a maturação e elevados patamares competitivos, atualmente, lhes convêm pregar o livre comércio como algo economicamente bom.
Os mais apaixonados - e desavisados - devem estar pensado: mas quem escreveu isso sobre a política econômica exterior dos Estados Unidos foi um sul - coreano e certamente não sabe o que está dizendo. Pois bem, deixemos então que um americano nos diga o que pensa sobre essa característica protecionista de seu país, ao passo em que prega aos demais o livre comércio:
Se alguém me dissesse que nosso governo é ruim porque estabeleceu certas taxas sobre bens estrangeiros que entram por seus portos, seria provável que eu não criasse qualquer caso, já que posso muito bem passar sem eles (THOREAU, pág. 17, 2005).
E prossegue:
Não obstante, quando o próprio atrito chega a construir a máquina e vemos a organização da tirania e do roubo, afirmo que devemos repudiar essa máquina (THOREAU, pág. 17 / 18, 2005).
Os fragmentos acima foram extraídos da influente obra intitulada A Desobediência Civil, do pesquisador, historiador e filósofo estadunidense Henry David Thoreau (1817 – 1862). Mais do que corroborar as afirmações que Chang expôs em sua obra, Thoreau também nos mostra como, desde a sua época, o governo - chamado por ele de máquina no trecho destacado - se vale dos dividendos das taxas protecionistas também para levar a tirania, tanto ao seu povo, por meio da repressão aos que se revoltam com as desigualdades sociais, quanto a outros povos, já que o livro em análise constitui uma crítica ao financiamento do exército com recursos de impostos para subjugar o México, país vizinho do qual os Estados Unidos espoliou, inclusive, territórios.
Pois bem, dito isso, quiçá agora nos seja possível compreender que o tal liberalismo econômico talvez não seja tão bom, já que presta favores, como vimos, apenas às nações já desenvolvidas e industrializadas, uma vez que sem o aporte e a proteção que apenas os Estados podem fornecer às suas incipientes indústrias, estas jamais se tornarão competitivas, de modo que as nações emergentes continuarão sendo agrárias e suas indústrias sempre estarão distantes das fronteiras tecnológicas, que só podem ser alcançadas com investimento público em pesquisa e desenvolvimento. Eis, portanto, o que se oculta, inclusive, por trás do motivo do mercado financeiro e da ala política a ele aliada chamarem de “gastos” e não de investimentos o dinheiro de impostos destinado às universidades públicas ou a projetos de pesquisas nacionais. Isso revela que a agenda política e comercial das nações imperialistas, especialmente, dos Estados Unidos, para os países emergentes, como o Brasil, é a manutenção da situação atual, ou seja, uma relação de subjugo comercial, mas que tem, conforme veremos, como pano de fundo, uma batalha ideológica.
POR TRÁS DA FACHADA IDEOLÓGICA
Direita e Esquerda. Sabemos o quão complexa é essa relação. Mas serão mesmo tão diferentes como querem que pensemos? Bem, apenas isso daria um artigo à parte – ou, quiçá, um livro. Todavia, em que pese o foco aqui seja outro, teremos que entender um pouco melhor dessa relação de amor e ódio.
Antes, porém, de nos enveredarmos por esse espinhoso caminho, teremos que deixar uma alerta aos mais apaixonados por suas tão caras ideologias: desarmem – se delas, ao menos por alguns instantes. Chamaremos agora ao nosso auxílio uma águia – mas essa é brasileira:
Para dar a essa espúria teoria um jeito de ciência e umas tinturas de origem americana, foram buscar, sem critério, entre os constitucionalistas da América do Norte, a famosa exceção dos casos políticos, aqui explorada toda a vez que se planeja desarmar a Justiça contra os interesses das facções e os excessos dos governos (BARBOSA, pág. 128, 1891).
As palavras acima foram proferidas por ninguém menos o “Águia de Haia”, Rui Barbosa (1849 – 1923), cuja alcunha dispensa a apresentação curricular. Foram extraídas dos seus discursos parlamentares, que foram compilados com o título de Obras Completas. Neste pequeno fragmento, temos o raciocínio lúcido que o jurista desenvolveu acerca de uma estranha e tendenciosa teoria de independência dos poderes da república, que alguns políticos brasileiros de seu tempo importaram dos Estados Unidos e tentavam colocar em vigor no Brasil. Suas palavras evidenciam que ele via essa teoria com muitas reservas, pois que afastava quase completamente a possibilidade do Poder Judiciário apreciar e, quando necessário, barrar arroubos do Poder Político, de modo que o que assistimos atualmente em nosso país seja, talvez, a manifestação dos temores de Rui Barbosa, ou seja, o mais completo desprezo pelas decisões judiciais, perpetrado por figuras políticas que se escudam justamente nessa independência irrestrita dos poderes da república para, paradoxalmente, conspurcar contra ela, ao mesmo tempo em adotam o falacioso discurso de que a defende.
Mas não se enganem. É tudo fachada e espetáculo, sobretudo, em tempos de redes sociais, pois cada incauto apoiador, com seu celular nas mãos, torna – se uma câmara de ressonância das ideias que políticos ardilosos propagam em proveito de suas agendas econômicas, que passam por seus projetos de poder, obtido, obviamente, por meio dos votos dessa mesma massa de apoiadores, cujo senso crítico é sequestrado a cada postagem recheada de frases de efeito, cuidadosamente fabricadas para convencer de que não se trata de dinheiro, mas sim de uma espécie de cruzada moral do bem contra o mal, ou do capitalismo contra o comunismo. Mas o que, afinal, difere essas duas correntes de pensamento econômico que, por diversos fatores, foram revestidas de sistemas políticos e assim foram transformadas nos estilos de vida da imensa maioria das pessoas, ao ponto de rotularem a si próprias como sendo um ou outro?
Bem, a resposta não é fácil, mas tentaremos sintetizar o máximo que conseguirmos, sem que os fatos e ideia centrais sejam alterados de modo a beneficiar ou prejudicar qualquer uma das correntes. Afinal, ninguém aqui está buscando votos, logo, manipulação barata por meio de frases de efeito e distorções factuais não estão na nossa ordem do dia.
Dizer que Direita e Esquerda são termos nascidos na França revolucionária e que servia para dividir, à direita da assembleia nacional, os políticos alinhados à monarquia e, à esquerda, os que propunham o fim do poder absolutista, bastaria apenas para explicar as origens de ambos os termos, mas não explicaria as ideias que formam – ou que passaram a formar – cada uma dessas correntes de pensamento.
Mas não se assustem. Não vamos fazer resumos intermináveis sobre cada uma delas. Mesmo porque daria uma enciclopédia, já que as teorias formuladas por cada um dos lados, especialmente, para refutar as do lado oposto, são muito vastas. Entretanto, sem divagar no mar revolto e nem sempre muito confiável da Internet e, muito menos, das redes sociais, debruçaremos sobre duas obras apenas. Mas não serão quaisquer obras e nem de quaisquer autores, afinal de contas, o objetivo a ser alcançado aqui é o de aferirmos se estamos falando de coisas tão diferentes como achamos que são. Vamos à primeira:
É uma questão muito duvidosa a de saber-se se o sistema de governo – será que merece esse nome? – construído sobre as ruínas da antiga monarquia, será capaz de administrar a população e a riqueza do país que tomou sob sua guarda. Ao invés de ter ganho qualquer coisa com essa mudança, eu creio que não tardará muito para que a França retorne a seu antigo caminho, após ter-se recuperado dos efeitos dessa revolução filosófica (BURKE, pág. 140, 1982).
E agora à segunda:
Torna-se com isto evidente que a burguesia é incapaz de continuar a ser por muito mais tempo a classe dominante da sociedade e a impor à sociedade como lei reguladora as condições de vida da sua classe (MARX / ENGELS, pág. 41, 1997).
Sem desespero, por favor. Como dito, as coisas não são bem o que parecem ser quando ousamos conhecê-las a fundo. O primeiro fragmento foi extraído da obra Reflexões sobre a revolução em França, publicada em 1790 por ninguém menos que Edmund Burke (1729 – 1797), que é considerado por muitos acadêmicos como o fundador do que se chama, em política, de conservadorismo.
O segundo fragmento, por seu turno, foi extraído do Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848 e escrito por Friedrich Engels (1820 – 1895) e Karl Marx (1818 – 1883), cujas ideias pavimentaram o caminho para revoluções proletárias e ao que se convencionou chamar de progressismo no campo político. Sabemos, contudo, que a essência ou as raízes do pensamento comunista - não como sistema político, mas como filosofia de vida - remonta da Grécia antiga, mas não iremos retroceder tanto no tempo para não desviarmos do cerne deste trabalho.
Curiosa e paradoxalmente, ambas as obras falam a mesma coisa num grau de convergência que pode causar certo desconforto, especialmente naquelas pessoas mais apaixonadas por suas ideologias. Explicaremos: Burke, no fragmento, faz uma crítica à classe burguesa, que ascendeu ao poder na França após a queda da monarquia, afirmando, categoricamente, que ela não seria capaz de conduzir o país e que ele retornaria ao antigo regime. Marx e Engels não dizem nada muito diferente e afirmam, assim como Burke, que a burguesia não durará como casta dominante da sociedade. As diferenças entre ambas as ideias, contudo, gravitam mais nos desfechos que cada uma propõe para as revoluções, já que Burke acreditava na restauração do absolutismo, enquanto Marx e Engels acreditavam que o povo atingirá um ponto no qual o governo não mais seria necessário - este seria o apogeu do comunismo, que tem no Estado socialista um meio e não um fim. A semelhança principal aqui, portanto, repousa na rejeição da burguesia - capital ou mercado - em substituição ao Estado, - seja monarquista ou socialista - já que, para ambas as correntes, esta classe não tem os meios e nem o interesse de promover o enriquecimento do país e tampouco de reduzir as desigualdades sociais, visto que seu propósito é acumular e concentrar capital, e não distribuí-lo na forma de benfeitorias, especialmente em infraestrutura nacional ou investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Logo, acreditar que o liberalismo econômico e a austeridade fiscal, que impede os governos de investirem naquilo que o capital privado - mercado - jamais fará, possa promover o desenvolvimento dos países emergentes, tal como o Brasil, é uma ideia paradoxal e até irracional.
Mas voltemos às ideologias conservadora e progressista. Para os que ainda não se convenceram de que não estão assim tão distantes uma da outra, analisaremos mais uma de suas facetas que, popularmente, leva os incautos a enxergarem ambas como sendo diametralmente opostas:
Vê-se, agora, o objetivo que norteia esta doutrina geral. Os propagadores deste evangelho político esperam que seu princípio abstrato (princípio segundo o qual a escolha popular é necessária à existência legal da soberana magistratura) seja tolerado a partir do momento em que o rei da Grã-Bretanha não seja por ele atingido. Entretanto, aos poucos, eles acostumarão seus clubes a considerarem tal princípio como um axioma indiscutível. De início, será apenas uma teoria, preservada na eloquência sacra, e guardada para posterior uso (BURKE, pág. 55 / 56, 1982).
E como afirmamos:
Assim como os padres andavam sempre de braço dado com os feudais, assim também o socialismo clerical com o feudalístico. Nada mais fácil do que dar ao ascetismo cristão uma demão socialista. Não bradou também o cristianismo contra a propriedade privada, contra o casamento, contra o Estado? Não pregou em vez deles a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a Igreja? O socialismo cristão é apenas a água benta com que o padre abençoa a irritação do aristocrata (MARX / ENGELS, pág. 53 / 54, 1997).
Como se pode notar com cristalina clareza, nenhuma das correntes de pensamento aqui analisadas optaram por abolir a religião dos seus regimes de governo. Ao contrário, ambas enxergavam na religião um mecanismo de manipulação de certas classes, sobretudo, da burguesia.
Notemos que, para Burke, a utilidade da fé religiosa repousa na aceitação, por parte da nobreza, do direito divino que o rei tinha de governar o povo. Nada muito diferente vemos no uso da religião proposto por Marx e Engels, que envernizaram o socialismo com a caridade cristã para domar as classes mais abastadas em favor da causa política que pretendiam implementar.
Logo, é algo muito diferente do que atualmente é propagado, sobretudo, nas redes sociais, ou seja, a falsa ideia de que os ditos conservadores são alinhados aos ditames cristãos, ao passo que os progressistas são tidos como distantes e até como detratores desses valores.
Do ponto de vista histórico, trazido das origens dessas duas correntes, apenas podemos enxergar que ambas se valeram da religião como ferramenta política, nada mais do que isso. Vimos também que ambas as correntes rejeitavam, cada qual por suas razões particulares, um governo constituído pela burguesia. E neste sentido, são, portanto, iguais em suas essências, de modo que a forma como hoje nos são apresentadas - antagônicas inconciliáveis - não guarda relação com suas origens, mas são assim assimiladas por meio do uso massivo da propaganda política, que objetiva fragmentar a sociedade em lados opostos, pois o sistema político se alimenta desse antagonismo que, por seu turno, funciona devido a falta de conhecimento que a maioria das pessoas tem dos contextos históricos.
CONCLUSÃO
Esperamos ter obtido êxito em trazer algum esclarecimento sobre o tema em questão, ou seja, a imposição de tarifas elevadas para a importação de produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos, bem como esperamos ter ficado claro que essa prática, além de não ser nova, serviu, desde sempre, aos interesses daquele país, em detrimento dos que com ele mantêm relações, comerciais ou não.
Esperamos ter evidenciado também que as questões ideológicas, trazidas à baila das relações comerciais, não passam de meras fachadas para acobertar os reais propósitos das barreiras tarifárias impostas, mas servem ao propósito de gerar o enfraquecimento de governos e para desestabilizar nações, solapando a credibilidade que os povos depositam na instituições, sobretudo, no Poder Judiciário, pois é o único que pode, antes de uma deflagração revolucionária ou de uma guerra civil, conter desmandos do Poder Político, partam eles do Legislativo ou do Executivo.
Poderíamos ter sustentado - como, de fato é - que as barreiras tarifárias impostas atualmente pelos Estados Unidos ao Brasil pretendem enfraquecer o bloco econômico criado em 2009, chamado de BRICS e que tem como países fundadores Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas optamos por buscar na história política, nacional e internacional, bem como na filosofia, os argumentos que foram aqui apresentados, fornecendo assim uma visão mais abrangente sobre os fatos, ao invés de limita-los aos contextos políticos atuais que, em última análise, são meros efeitos, e não as causas do que vemos.
Por derradeiro, esperamos ter fornecido alguma base para ajudar na compreensão de que não chegamos aqui da noite para o dia, pois, como vimos, existe um intrincado e muito complexo conjunto de ideias e de interesses há muito cunhados, de modo que apenas se pode ter uma visão clara e independente dos fatos, quando nos afastamos das paixões ideológicas, que falam alto aos nossos corações, mas que, ao mesmo tempo, ensurdecem o nosso raciocínio.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Rui. Obras Completas, Ministério da Educação e Cultura, 1981, ISBN 85-7004-007, disponível em: https://www.stf.jus.br/bibliotecadigital/RuiBarbosa/56715/PDF/56715.pdf. Acesso em 02 ago. 25;
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França, Tradução de Renato de Assumpção Faria, Denis Fontes de Souza Pinto e Carmen Lídia Richter Ribeiro Moura, Editora Universidade de Brasília, 1982;
CHANG, Ha - Joon. Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, Tradução Luiz Antônio Oliveira de Araújo, Editora UNESP, 2004, ISBN 85-7139-524-1;
MARX, Karl / ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista, Editora Avante, Tradução de José Barata Moura, ISBN: 972-550-114-4, 1997;
THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil e Outros Escritos, Editora Martin Claret, Tradução de Alex Marins, 2005, ISBN: 85-7232-490-9.
Brazil: between the eagle and the dragon
Abstract: Recently, we have witnessed the U.S. government's bravado directed at Brazil, particularly regarding the imposition of high import tariffs on Brazilian products, which substantially reduces our competitiveness in that country's market. In this article, we will attempt to analyze what truly lies behind this practice, not in isolation, but by turning our attention to history to uncover how, since the beginning, developed and imperialist countries have acted to maintain their geopolitical and economic positions, which depend on the systematic weakening of emerging countries.
Keywords: Agenda; Capitalism; Communism; Philosophy; Ideology.