No célebre conto de Hans Christian Andersen, A Roupa Nova do Rei, dois alfaiates convencem um monarca vaidoso de que podem tecer uma roupa mágica — visível apenas aos inteligentes e competentes. Por medo de parecerem tolos, todos fingem enxergar aquilo que não existe. Até que, no meio do desfile real, uma criança rompe o silêncio coletivo e exclama: “o rei está nu”.
Essa narrativa, embora infantil, retrata de forma surpreendentemente atual o que está acontecendo no cenário jurídico-político brasileiro, especialmente no que diz respeito ao tratamento dispensado a Jair Bolsonaro. A parcialidade institucionalizada se traveste de legalidade; decisões judiciais são embasadas em interpretações elásticas, convenientes e, por vezes, desconectadas da Constituição. E a toga, símbolo de isenção, tem sido usada como armadura política.
A verdade é que o sistema de Justiça, que deveria ser o pilar do equilíbrio democrático, tem adotado dois pesos e duas medidas. Para uns, toda cautela e garantismo; para outros, como Bolsonaro, uma sequência de inquéritos, condenações, bloqueios e decisões que se sobrepõem ao devido processo legal, tudo sob o pretexto de “defesa da democracia”.
Porém, não há democracia onde o adversário é perseguido judicialmente. Não há legalidade onde a presunção de culpa suplanta a presunção de inocência. E não há Justiça onde há militância togada.
Hoje, como no conto, muitos fingem que está tudo certo. Parlamentares se calam, parte da imprensa aplaude, e até juristas evitam o confronto direto por receio de serem rotulados como “bolsonaristas” — como se apontar abusos fosse sinônimo de aliança política. A manipulação do Direito por conveniência não é Justiça: é fraude de Estado.
Não se trata aqui de blindar Jair Bolsonaro contra investigações legítimas — ninguém está acima da lei. O problema é quando a lei é torcida para atingir alguém específico, quando os processos deixam de buscar a verdade para se tornarem instrumentos de punição simbólica, e quando se percebe que o objetivo final não é a Justiça, mas a eliminação do adversário político.
O rei está nu. E muitos fingem não ver.
Fingem não ver que os mesmos que falavam em “Estado de Direito” hoje se calam diante da censura, da prisão sem condenação definitiva e da politização do Judiciário. Fingem não ver que o discurso de “defesa da democracia” tem sido usado para sufocar liberdades. Fingem não ver que o uso do lawfare se tornou política de Estado — desde que a vítima seja “a pessoa certa”.
É preciso, portanto, recuperar a honestidade da criança do conto. Denunciar, sem medo, que a Justiça — quando cede ao jogo político — se desnuda. E por mais que tente se esconder atrás da formalidade dos ritos, da eloquência das decisões e da blindagem institucional, a verdade é clara para quem ousa ver: o rei está nu. E o Estado de Direito, também.