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Concurso público: uma vinculação recíproca.

O direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público

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19/07/2008 às 00:00
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III – considerações finais

Traçado o quadro fático da questão abordada neste trabalho, pôde-se adentrar minimamente no universo peculiar do concurso público, de maneira que se possibilitou enxergar o motivo pelo qual cada vez mais um maior número de pessoas são atraídas pela carreira pública: o crescente nível de desemprego, essa fatídica mazela social que acompanha o Brasil ao longo de sua história.

Observou-se, ao mesmo passo, que, apesar de pacífico o entendimento de ser as súmulas dos Tribunais elementos relevantes no plano do processo de integração das normas – pois atuam como instrumento norteador para as decisões de juízes e Tribunais, com o fim de orientá-los ao que exprime o entendimento majoritário dos Tribunais superiores na interpretação do assunto de que cada uma trata –, não se pode considerar a súmula nº 15 do Supremo Tribunal Federal como diretriz soberana na solução do dilema apresentado, sob pena de inarredável restrição à proteção normativa da Constituição vigente, que se norteia por princípios administrativos inexistentes à época edição da súmula examinada.

À vista da evolução doutrinária e jurisprudencial, incompatível com noção de Estado Democrático de Direito se mostrou a postura desrespeitosa da Administração Pública ao ofertar em edital de concurso público vagas para preenchimento de cargos, sem proceder às respectivas nomeações. Concluiu-se, então, que, ao provocar tal expectativa e não honrar com as regras editalícias a que se compromissaram Administração e candidato, descamba o exercício da atividade administrativa para o terreno da arbitrariedade, eivando o ato omissivo do Poder Público de vício, e infringido, por conseqüência, os princípios administrativos consagrados pela Constituição Federal de 1988.

Alicerçado sobre a teoria dos motivos determinantes, ao ato administrativo de nomeação reconhece-se a sua natureza vinculada a partir do momento em que a Administração exterioriza a carência de pessoal e convoca a coletividade à participação do concurso público, haja vista que as razões que ensejam o certame devem estar em perfeita harmonia com a situação de fato declarada como motivo de sua realização. Dessa forma, veiculada a vontade de contratar um certo número de funcionários através de concurso, deve a Administração levar a cabo tal intento, visto que se vinculou ao motivo que justificou a realização do dispendioso procedimento seletivo. Tal conclusão lógica encontra espeque no princípio da segurança jurídica, elemento basilar do ordenamento jurídico constitucional, consistente no direito fundamental a uma atuação estatal previsível, estável, séria, condizente com a moralidade e com as diretrizes traçadas em suas ordens políticas.

Nessas condições, a não nomeação de candidato aprovado em concurso público dentro do quadro de vagas inicialmente previsto no edital viola seu direito subjetivo líquido e certo, lesão esta que, ante os princípios constitucionais que informam o Direito Administrativo, resta apta a ensejar a tutela jurisdicional.


IV – Referências bibliográficas

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SITES

www.stf.gov.br

www.stj.gov.br

www.tj.rj.gov.br

www.trf2.gov.br

www.jusnavigandi.com.br


Notas

  1. Papa João XXIII, Pacem in Terris (Encíclica), I, 58. apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva 2002.
  2. LUCCI, Elian Alabi, BRANCO, Anselmo Lazaro e MENDONÇA, Cláudio. Geografia geral e do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003.
  3. BRASIL. STF – Súmula 15: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.
  4. BRASIL. STF – RE 192568/PI. CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(192568.NUME.%20OU%20192568.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em 26 maio 2008
  5. BRASIL. STF - RE 229450-RJ. EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ARTIGO 77, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO. PRAZO MÁXIMO CONTADO DA HOMOLOGAÇÃO DO RESULTADO DO CONCURSO PÚBLICO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Aprovação em concurso público. Direito subjetivo do candidato à nomeação, de acordo com a respectiva ordem de classificação e no prazo de sua validade. 2. Constituição do Estado do Rio de Janeiro, artigo 77, VII. Provimento de cargo público. Iniciativa reservada ao Chefe do Executivo para edição de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos. Ofensa ao princípio da separação dos poderes: Inconstitucionalidade formal. Recurso extraordinário conhecido e provido para cassar a segurança, declarando-se, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1 =(229450.NUME.%20OU%20229450.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em 26 maio 2008
  6. BRASIL. STF - ADIN 2931/2003. EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 77, inciso VII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Texto normativo que assegura o direito de nomeação, dentro do prazo de cento e oitenta dias, para todo candidato que lograr aprovação em concurso público de provas, ou de provas de títulos, dentro do número de vagas ofertadas pela administração pública estadual e municipal. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(2931.NUME.%20OU%202931.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em 26 maio 2008
  7. BRASIL. TJRJ – Ap. Cível 2007.001.30259. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DENTRO DE NÚMERO DE VAGAS. DIREITO À NOMEAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO. Diante dos constantes abusos praticados pela Administração Pública, não é razoável que os Autores, aprovados em todas as fases do certame anterior e aguardando ansiosamente sua nomeação, não sejam aproveitados pela administração. (...) expressa a necessidade que possui em prover determinado número de cargos, tornando um ato, a princípio, discricionário em um ato vinculado, ensejando direito subjetivo à nomeação e à posse aos candidatos aprovados e classificados dentro do número de vagas previstas no edital. RECURSO PROVIDO. Disponível em <www.tj.rj.gov.br> Acesso em 26 maio 2008.
  8. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.
  9. BRASIL. STJ – RMS 20718-SP. EMENTA: ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCURSO - APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO - RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Precedentes. 3. Recurso ordinário provido. Disponível em <http://www.stj.gov.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200501580904&pv=010000000000&tp=51> Acesso em 26 maio 2008.
  10. BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
  11. BITTAR, Eduardo. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2000.
  12. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1996
  13. GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2002.
  14. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
  15. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
  16. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2003
  17. FILHO, José dos Santos Carvalho. Op. cit. pág. 42
  18. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999.
  19. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. pág. 405
  20. FILHO, José dos Santos Carvalho. Op. cit. pág. 111.
  21. FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.
  22. MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O Regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva 2007.
  23. MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Op. cit. pág. 225
  24. BRASIL. TJRJ - Ap. Cível 2007.001.16989 EMENTA: Apelação Cível. Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público para provimento de cargos de odontologista e especialistas em odontologia no Município de Carmo. Candidato aprovado dentro do número de vagas na especialidade endodontia. Omissão da autoridade impetrada em convocá-lo para nomeação e posse. Afastamento da prejudicial de decadência. (...) Vinculação da administração ao número de vagas divulgado pelo edital. Decorrência dos princípios da legalidade e da moralidade. Se a administração publicou o número de vagas é porque fez prévio estudo quanto à sua necessidade, funcionalidade e impacto orçamentário. Candidatos aprovados dentro do número de vagas têm direito subjetivo à nomeação e expectativa de direito quanto ao momento da nomeação, que pode – e deve – ocorrer dentro do prazo de validade do concurso. Manutenção da sentença. Recurso desprovido. Disponível em <www.tj.rj.gov.br> Acesso em 26 maio 2008.
  25. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007.
  26. SANTANA, Ricardo Marcelino. Comentários à Súmula 15 do STF: uma necessária atualização interpretativa. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/9937> Acesso em 16 maio 2008.
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Sobre o autor
Fábio Henrique Alves Dias

Técnico de Atividade Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Fábio Henrique Alves. Concurso público: uma vinculação recíproca.: O direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1844, 19 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11514. Acesso em: 18 mai. 2024.

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