O vídeo “Adultização” do youtuber Felca, publicado em 6 de agosto de 2025, tornou-se um marco na discussão sobre a exploração infantil nas redes sociais. Com mais de 30 milhões de visualizações em poucos dias, o conteúdo provocou forte repercussão social, política e midiática.
O que é adultização?
O termo refere-se ao processo em que crianças são levadas a assumir comportamentos, responsabilidades ou aparências típicas de adultos, sem maturidade ou estrutura emocional para isso. Esse fenômeno inclui o uso de roupas e maquiagem com conotação sexual, a participação de conteúdos com linguagem erótica ou violenta, a exposição em ambientes adultos como festas e a pressão para gerar conteúdo digital com apelo sexual.
Isso é recente?
Embora o assunto esteja em alta, não se trata de um assunto novo. A adultização foi um processo que se iniciou com a cultura brasileira de sexualização de adolescentes como é visível, por exemplo, em alguns estilos musicais, tais como funk e sertanejo universitário.
Não é necessário procurar muito para encontrar músicas com o termo “novinha” ou “novinho” nas plataformas de música.
Esses termos, principalmente no contexto do funk, referem-se a adolescentes ou até crianças retratadas como objetos de desejo, com letras associando a juventude à sensualidade e incentivando comportamentos sexuais precoces.
Além disso, algumas letras de músicas buscam normalizar relações entre adultos e menores e utilizam termos como “novinha safada, novinha danada” entre outros termos.
Esse tipo de linguagem contribuiu e ainda contribui para a erotização da infância, reforçando estereótipos perigosos e influenciando o comportamento de jovens que consomem tais músicas.
Qual é o impacto social e psicológico?
Diante disso, temos sérios impactos na sociedade. Dentre eles podemos citar a redução da autoestima de meninas, que passam a ser vistas e a se verem como objetos sexuais.
Tais meninas são estimuladas a buscar por validação através da aparência e da sensualidade, mesmo em uma fase a qual não deve ser trabalhada tais características.
Futuramente, em seus relacionamentos, os impactos podem ser visíveis pois essa objetificação gera relações abusivas e desequilibradas pois estimulam os homens a verem tais mulheres como uma conquista sexual, ignorando a sua identidade humana e sentimental.
Vamos falar sobre a regulamentação das redes sociais (nesse contexto)?
Se o tema não é novo, mas todos os veículos de imprensa estão citando-o, isso se dá por conta da regulamentação das redes sociais, propostas por parlamentares e governantes e que é um tema que ganhou força nos últimos anos, especialmente diante do aumento de crimes digitais, desinformação e da exposição de crianças e adolescentes.
A regulamentação da internet em si (e não somente das redes sociais) também não é tão nova, a seguir temos um breve histórico do que já foi feito sobre o tema:
2014: O Brasil aprovou o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que estabeleceu princípios como liberdade de expressão, privacidade e neutralidade da rede.
2018: Veio a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), reforçando a proteção da privacidade dos usuários.
2020: Foi proposto o PL das Fake News (PL 2630/2020), que busca responsabilizar plataformas pela disseminação de conteúdo falso. Aprovado no Senado, o projeto enfrenta resistência na Câmara.
Agora, em 2025, após o vídeo de denúncia do youtuber Felca sobre a adultização de crianças nas redes, o debate se intensificou. O presidente Lula anunciou que enviará ao Congresso, em 13 de agosto de 2025, um projeto de regulamentação das redes sociais.
Os principais pontos da proposta são:
a) responsabilização das plataformas pelo conteúdo publicado;
b) proteção de crianças e adolescentes contra crimes como pedofilia e bullying;
c) definição de regras mínimas de conduta para empresas digitais;
d) tratamento igual para crimes digitais e físicos.
E o tal do Jabuti?
Agora entra o tal do jabuti, um animal curioso, uma tartaruga que muitos pensam que nada, mas se jogar um em um lago, você comete uma tragédia e um crime.
No meio legislativo brasileiro, o termo “jabuti” é usado para descrever uma manobra política em que parlamentares inserem emendas sem relação com o tema principal de um projeto de lei ou medida provisória. É como colocar um animal estranho em um ambiente onde ele claramente não pertence — daí a expressão popular:
“Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente.”
Essa frase, atribuída ao ex-deputado Ulysses Guimarães, ilustra bem a ideia de que esses dispositivos não aparecem por acaso — são colocados intencionalmente.
Como funciona um jabuti?
Ocorre geralmente em medidas provisórias (MPs), que têm tramitação acelerada.
Um parlamentar insere uma emenda sem vínculo temático com o texto original.
O objetivo é aprovar assuntos controversos ou impopulares de forma sorrateira.
Muitas vezes, o jabuti beneficia interesses específicos, como setores econômicos ou grupos políticos.
E o que o jabuti tem a ver com o tema da adultização?
Quando se trata de regulamentação de redes sociais, tem-se que tomar cuidado.
O que deve ser regulamentado?
E a opinião crítica das pessoas sobre determinados assuntos, cargos e figuras políticas? Continuarão sendo permitidas?
Qual é o limite entre uma crítica e uma ofensa?
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Quem dirá o que é correto ou não dentro de uma rede social?
Questões como essa trazem ao tema grandes controvérsias jurídicas e políticas e é disso que os famosos jabutis conseguem contornar ao incluir tais temas, às escuras, dentro de legislações e MPs sem que a população consiga discutir e debater sobre a sua importância e necessidade.
Tem como ser contra a adultização e esperar um consenso sobre a regulamentação das redes sociais?
Neste momento, é imperioso que o cidadão esteja atento e crítico, pois são em assuntos tão importantes como esse que a população deve se debruçar sobre os projetos de lei, lendo-os e verificando a existência, ou não, de trechos controversos.
A proteção da criança e do adolescente deve ser prioridade no Brasil, sendo assegurado de maneira o mais breve possível. No entanto, jabutis sobre regulamentação de redes sociais que não guardem conexão com esse grupo vulnerável devem, assim como o animal mencionado, ser analisado de maneira ponderada, tão pausada como é o caminhar desse estranho animal terrestre.
Como a regulamentação das redes sociais ainda constitui um tema com posições diversificadas dentro da sociedade, deve-se utilizá-la de modo pontual em uma futura legislação relativa ao combate à adultização e aos problemas gerados a partir disso.
Isso permite que a proteção à criança e ao adolescente seja efetiva, rápida e eficaz e, por outro lado, que não gere um atropelamento de temas os quais ainda não são consensuais dentre da população brasileira.
Nem sempre é preciso regulamentar uma rede social para alcançar efetividade no combate à adultização e suas consequências. Proibir pais e responsáveis de auferir lucro com a imagem de crianças, sob pena de multas ou responsabilidade penal e, proibir letras de músicas que apelem para a sensualização de crianças e adolescentes são pontos que podem ser trabalhados sem que haja uma intervenção direta nas redes sociais.
Outras soluções podem ser trabalhadas, principalmente através da participação da sociedade, a não ser que seja o interesse dos grupos políticos a manipulação de mais um jabuti dentro do verdadeiro interesse a que se buscam.