Capa da publicação Crise com Trump: expulsar diplomata é armadilha?
Capa: US Embassy Brasilia
Artigo Destaque dos editores

O xadrez geopolítico: expulsar Escobar é a armadilha de Donald Trump?

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O governo americano, ao atacar o Judiciário brasileiro, pode estar buscando uma justificativa para um rompimento de relações? A expulsão de Escobar seria a faísca que a Casa Branca precisa para aprofundar sanções econômicas e interromper acordos vitais em tecnologia, defesa e inteligência?

Introdução

A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, centrada na figura do encarregado de negócios Gabriel Escobar, nos coloca diante de um dilema que vai muito além da política. A pergunta "Expulsar, ou não expulsar?" nos leva ao coração do direito internacional e da soberania nacional, desafiando o Brasil a equilibrar uma resposta firme à ingerência externa com o pragmatismo da manutenção de uma relação estratégica crucial.

Este relatório mergulha nas nuances legais e diplomáticas do caso, analisando se a declaração de persona non grata é a medida mais acertada. Embora a lei esteja do lado do Brasil, a análise sugere que a prudência diplomática e a contenção estratégica podem ser o caminho mais inteligente, evitando uma escalada que parece ser, ironicamente, o objetivo da administração americana.


O Jogo Jurídico: O Poder de Declarar Persona Non Grata

Quando falamos em diplomacia, existem regras claras que regem a conduta dos países. A expulsão de um diplomata não é um capricho, mas um ato soberano, legalmente fundamentado na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961.

A joia da coroa dessa prerrogativa está no seu Artigo 9º, que é bastante direto: um país pode, a qualquer momento e sem precisar dar uma justificativa, notificar o outro de que um diplomata é considerado persona non grata. Essa é uma das normas mais antigas e incontestadas do direito diplomático, um reflexo claro do direito de cada Estado de decidir quem o representa em seu território 1.

Embora a conduta de Gabriel Escobar e da embaixada americana não se encaixe nos casos clássicos de espionagem, as repetidas declarações e ameaças contra autoridades judiciais brasileiras podem ser (e têm sido) interpretadas como "atividades incompatíveis com a função diplomática". Essa interpretação, por si só, já oferece ao Brasil uma base sólida para agir, caso decida seguir esse caminho.

A diplomacia brasileira tem utilizado essa prerrogativa legal para expressar sua "profunda indignação" com o "tom e o conteúdo das postagens" 2. O governo, por meio do Itamaraty, manifestou "total rejeição às repetidas interferências do governo norte-americano nos assuntos internos do Brasil" 3, classificando as ações como "ataque frontal à soberania brasileira" 4.


A Lei Magnitsky: A “Espada” Legal dos EUA

Um dos elementos mais intrigantes dessa crise é o uso da Lei Magnitsky como justificativa para a intervenção americana. A Lei, criada em 2012 para sancionar os responsáveis pela morte do advogado russo Sergei Magnitsky, permite que os EUA imponham sanções econômicas a indivíduos acusados de corrupção ou de graves violações de direitos humanos.

Ao aplicar essa lei ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e ameaçar estendê-la a outros membros do Judiciário brasileiro, o governo americano tenta transformar uma disputa judicial interna em uma suposta questão de direitos humanos, uma tática de guerra de narrativas para justificar sua interferência e minar a legitimidade das instituições brasileiras 5.

A Embaixada dos EUA, inclusive, republicou uma declaração de um alto funcionário da Casa Branca, Darren Beattie, afirmando que Moraes é o "principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro e seus apoiadores" 5. A publicação continha uma ameaça clara, avisando que "aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes" e que o governo dos EUA estava "monitorando a situação de perto" 5.

Essa postura unilateral e intervencionista, utilizando ferramentas legais americanas para influenciar o sistema jurídico brasileiro, é a essência da violação do direito internacional que o Brasil contesta.


Precedentes e Casos Semelhantes

A diplomacia, por mais única que cada crise seja, tem seus precedentes. Dois casos recentes ajudam a contextualizar o dilema brasileiro.

O primeiro é a expulsão de diplomatas russos na Europa em 2022. Após a divulgação de imagens do massacre de civis na Ucrânia, vários países europeus expulsaram diplomatas russos sob a justificativa de que suas atividades eram "incompatíveis com seu status diplomático". Embora o porta-voz do Kremlin tenha criticado a decisão, classificando-a como um "movimento míope", o caso mostra que a expulsão é uma ferramenta válida para expressar descontentamento.

O segundo é a crise entre Equador e México em abril de 2024. A polícia equatoriana invadiu a embaixada mexicana em Quito para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, que havia recebido asilo político 7. O México respondeu imediatamente com o rompimento de relações, classificando a ação como "um ato autoritário" e uma "violação flagrante do direito internacional e da soberania mexicana".

A diferença é crucial: enquanto o caso Equador-México foi uma violação física e inequívoca da inviolabilidade de uma embaixada, a crise atual é de natureza verbal e digital. Isso dá ao Brasil uma margem de manobra maior para uma resposta não-explosiva, que pode ser tanto uma força quanto uma fraqueza.

Tabela 1: Análise Comparativa de Precedentes Diplomáticos

Crise

Natureza da Violação

Resposta Diplomática

Consequências

Brasil-EUA

Ingerência política, ameaças sancionatórias, violação da soberania nacional.

Convocação reiterada do diplomata, manifestação de "indignação profunda".

Tensão crescente, risco de sanções e rompimento.

Rússia-Europa

Espionagem e "atividades incompatíveis com status diplomático".

Expulsões em massa de diplomatas.

Retaliações recíprocas, complicações na comunicação.

Equador-México

Invasão física da embaixada para prender asilado político.

Rompimento imediato das relações diplomáticas.

Condenação da OEA, ação na Corte de Haia.

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A Decisão Estratégica: Razão vs. Reação

A decisão de expulsar Gabriel Escobar é um ato legal e um forte sinal político, mas também um movimento estratégico de alto risco. A análise estratégica, especialmente a feita por Luís Nassif, sugere que a administração Trump pode estar buscando justamente uma resposta drástica do Brasil para justificar uma escalada ainda maior 6.

A expulsão de Escobar poderia ser a desculpa perfeita para um rompimento total de relações, com consequências severas para o Brasil, como sanções econômicas, interrupção de acordos militares e de inteligência, e paralisação de programas de cooperação em áreas vitais como tecnologia e agronegócio.

A alternativa – não expulsar o diplomata – não significa fraqueza, mas sim pragmatismo. É a decisão de manter um canal de comunicação aberto, mesmo que indesejado, para controlar a crise e evitar um rompimento que traria prejuízos sistêmicos para a economia e a segurança nacionais 8.

A matriz de cenários a seguir deixa claro que a expulsão, apesar de ser um ato legal e simbólico de soberania, carrega um risco desproporcional.

Tabela 2: Matriz de Cenários: Expulsão vs. Não Expulsão

Critério de Avaliação

Cenário A: Expulsão

Cenário B: Não Expulsão

Afirmação de Soberania

Alta (ato simbólico forte)

Média (gestão da crise sem ruptura)

Risco de Escalada

Muito Alto (potencial de rompimento)

Baixo (contém a crise)

Impacto Econômico

Muito Negativo (sanções, tarifas)

Neutro a Negativo (depende de outras ações dos EUA)

Preservação de Canais

Nula (ruptura ou rebaixamento de canais)

Mantida (permite a gestão formal)

Apoio Multilateral

Pode ser visto como escalada desnecessária

Favorece o Brasil como ator prudente

Análise Estratégica

Reação emocional, potencialmente autodestrutiva

Pragmatismo, foco em interesses de longo prazo


Conclusão e Recomendações

O Brasil tem todo o direito, amparado pela Convenção de Viena, de declarar Gabriel Escobar como persona non grata. Mas o fato de ter o direito não significa que seja a melhor jogada. A crise é uma ofensiva calculada da administração americana, e a expulsão pode ser a armadilha que o Brasil precisa evitar.

A resposta mais estratégica é uma de contenção firme. O Brasil deve continuar a utilizar todos os canais diplomáticos para manifestar sua indignação, enquanto se prepara para um cenário de escalada unilateral. Isso significa buscar apoio em fóruns multilaterais, como a OEA e o BRICS, e elaborar planos de contingência detalhados para proteger a economia e a segurança nacionais.

A verdadeira força do Brasil não está em uma reação explosiva, mas na sua capacidade de defender a sua soberania com maturidade e de forma estratégica, protegendo seus interesses de longo prazo, sem cair em provocações.


Referências citadas

  1. Persona Non Grata - Oxford Public International Law, agosto 2025, https://opil.ouplaw.com/display/10.1093/law:epil/9780199231690/law-9780199231690-e974

  2. Itamaraty chama encarregado da Embaixada dos Estados Unidos para novos esclarecimentos após nota com ameaças a ministros - Rádio Pampa, agosto 2025, https://www.radiopampa.com.br/itamaraty-chama-encarregado-da-embaixada-dos-estados-unidos-para-novos-esclarecimentos-apos-nota-com-ameacas-a-ministros/

  3. Governo brasileiro acusa Estados Unidos de "novo ataque frontal à..., agosto 2025, https://www.dnoticias.pt/2025/8/10/459111-governo-brasileiro-acusa-estados-unidos-de-novo-ataque-frontal-a-soberania-do-pais/

  4. Chargé d'Affaires, a.i. Gabriel Escobar - Portuguese - Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, agosto 2025, https://br.usembassy.gov/pt/charge-daffaires-gabriel-escobar-portuguese/

  5. Itamaraty convoca encarregado da embaixada dos EUA após novas..., agosto 2025, https://veja.abril.com.br/mundo/itamaraty-convoca-encarregado-da-embaixada-dos-eua-apos-novas-ameacas-ao-stf/

  6. Embaixada americana reforça críticas de Trump ao STF | WW - YouTube, agosto 2025, https://www.youtube.com/watch?v=K6ZxNAgirJE

  7. México rompe relações diplomáticas com o Equador - Planeta, agosto 2025, https://revistaplaneta.com.br/mexico-rompe-relacoes-diplomaticas-com-o-equador

  8. EUA busca romper relações diplomáticas com o Brasil em nova crise internacional, agosto 2025, https://www.portaltela.com/noticias/politica/2025/08/11/eua-busca-romper-relacoes-diplomaticas-com-o-brasil-em-nova-crise-internacional

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Sobre os autores
Adilson Furlani

Advogado com expertise única na intersecção entre Direito e Tecnologia. Minha formação multidisciplinar em Direito, Sistemas, Segurança da Informação e Geoprocessamento permite oferecer soluções jurídicas inovadoras e precisas. Atuo com Direito Civil, Digital e LGPD, compreendendo a tecnologia por trás da lei, e com Direito Imobiliário e Ambiental, utilizando análises de dados geoespaciais. Meu compromisso é traduzir a complexidade técnica e jurídica em estratégias claras e seguras para os meus clientes.

Daniela Pinheiros

Com formação em Direito pela Universidade Paulista (UNIP) e em Psicanálise, ofereço uma abordagem integrada que visa promover tanto a justiça quanto a saúde mental. Meu trabalho consiste em orientar para a proteção e defesa de direitos, contribuindo para uma sociedade mais justa, além de auxiliar no processo de autoconhecimento e na construção de relações mais saudáveis. A união dessas duas áreas me permite analisar cada caso a partir sob uma perspectiva completa, que considera tanto os aspectos legais quanto as dimensões subjetivas de cada cliente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURLANI, Adilson ; PINHEIROS, Daniela. O xadrez geopolítico: expulsar Escobar é a armadilha de Donald Trump?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8080, 15 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115232. Acesso em: 5 dez. 2025.

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