5. ROUSSEAU: A VONTADE GERAL
Rousseau (1712-1778) opõe-se frontalmente a Locke no que tange à propriedade e à sociedade civil: em seu Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens, proclama ele que
o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’
Também o estado de natureza em Rousseau difere daquele proposto por seus antecessores. O homem é naturalmente bom; a sociedade é que irá corrompê-lo:
Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil,e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal. Porque, segundo o axioma do sábio Locke, "não haveria afronta se não houvesse propriedade".
A propriedade gera a desigualdade: aqueles que "tendo se tornado pobres sem nada ter perdido" devem, para sobreviver, receber ou roubar dos ricos sua subsistência; os ricos, por sua vez, só pensam em subjugar e dominar seus vizinhos. Os conflitos se acirram, levando a combates e assassinatos: "a sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra".
O pacto social é a saída desse estado de coisas. Mas é um pacto espúrio, porquanto proposto pelos ricos, que, decidindo empregar em seu favor as próprias forças dos que os atacavam, assegurando a estes apenas segurança e si próprios os bens. Eis a proposta:
Unamo-nos [...] para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence; instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. Em uma palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna.
Daí porque outra obra sua, O Contrato Social, inicia-se com a afirmação de que "o homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros". Nessa obra, porém, feito antes o diagnóstico, irá ele propor a transformação do pacto, de modo a torná-lo legítimo: estabelecer "as condições de possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil" (NASCIMENTO, 2006).
O objetivo é "encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pala qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes". Os termos do pacto, diz Rousseau, são: "Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo". E as cláusulas podem ser reduzidas a uma só:
a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, pois, em primeiro lugar, desde que cada um se dê completamente, a condição é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa em torná-la onerosa aos demais.
O pacto social deverá substituir a "existência física e independente" havida no estado natural por uma existência "parcial e moral", transformando os homens em povo e o indivíduo em cidadão, tarefa confiada, especificamente, aos legisladores. Nesse processo de transformação, o homem perde "a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode esperar", mas ganha, em troca, "a liberdade civil e a propriedade de tudo quanto possui".
A mudança de estado acarretará outra: substituirá na conduta do homem o instinto pela justiça, dando às suas ações uma moralidade antes inexistente:
Suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas idéias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição freqüentemente inferior àquela da qual saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.
Importante notar o papel central da assembléia rousseauniana, a vontade geral à qual o homem cede seu poder natural. Não há, nela, representação, e sim o exercício direto da vontade, pois, "no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não mais existe". Pode haver, por outro lado, representantes no Poder Executivo, o governo, "um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil quanto política". Adverte Rousseau, contudo, contra os possíveis abusos desse governo: "Assim como a vontade particular age sem cessar contra a vontade geral, o governo faz um esforço contínuo contra a soberania", podendo chegar ao ponto em que "o príncipe [o governo] oprima, enfim, o soberano e rompa o tratado social".
Como bem salienta Nascimento (2004), na sociedade civil historicamente considerada, tal qual descrita no Discurso Sobre a Desigualdade, a lei, transmudando posse em propriedade, se presta a legitimar a desigualdade, eis que emanada dos ricos em detrimento dos pobres; no Contrato Social, porém, essa transmutação torna cada proprietário, em essência, depositário do bem público. Numa sociedade justa, conclui ele, a relação entre o público e o particular só pode ser pensada se o particular for tomado como parte do todo.
Justa é, para Rousseau, a sociedade política que assegure a paz social e a liberdade civil. Mas essa sociedade só será justa se oriunda de uma vontade também justa, a vontade geral, o assentimento de todos.
A justiça advém de Deus, "sua única fonte"; mas como esta não se encontra imediatamente acessível aos homens, são necessárias "convenções e leis para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça a seu objetivo". Leis essas que, criadas quando "todo o povo estatui sobre todo o povo", de forma genérica, sem individualizações, são as próprias condições da associação civil, da sociedade política [06]. Uma vez que o Estado deve pautar-se pela lei, em o fazendo acaba por se colocar a serviço da justiça.
6. O ESTADO LIBERAL
Os termos liberal e liberalismo tornaram-se amplamente difundidos, sem que, contudo, se tenha mais do que uma vaga idéia de seu conteúdo, razão pela qual acabam por designar uma série de autores e tendências com pouco em comum entre si.
Boudon (2004) explica que essas designações embutem três conjuntos de princípios:
a) uma visão do homem como ser racional, animado por paixões e interesses e mais ou menos consciente deles, esforçando-se para empregar os meios que melhor lhe pareçam para alcançar seus objetivos;
b) uma visão da sociedade como um tecido complexo de interações e relações sociais, de conflito e cooperação, aceita, nesse contexto, a existência de desigualdades sociais desde que calcadas em competências, responsabilidades e méritos ou resultantes dos mecanismos de mercado; e
c) uma visão do Estado como dotado de tripla função: garantir a segurança pública, pôr em funcionamento as instituições necessárias à administração da justiça e tomar todas as iniciativas desejáveis do ponto de vista do interesse geral nos assuntos em que não se pode esperar que tais iniciativas sejam tomadas pelo setor privado.
Nota distintiva nessa concepção é o reconhecimento da autonomia do indivíduo [07]. Segundo MacIntyre (2001:361), prestava-se o projeto liberal a fornecer "um esquema político, legal e econômico" no qual, desde que concordando com o mesmo conjunto de princípios racionalmente justificáveis, poderiam indivíduos com concepções radicalmente diferentes viver pacificamente em sociedade, "desfrutando da mesma posição política e assumindo as mesmas responsabilidades econômicas". Eis a essência desse esquema:
Todo indivíduo deve ser igualmente livre para propor e viver de acordo com qualquer concepção do bem que lhe apraza, derivada de qualquer teoria ou tradição a que ele possa ter aderido, a não ser que essa concepção do bem implique que a vida da comunidade deva ser reformulada de acordo com ela (id., ibid.).
Bafejado por esses ventos, o Estado Liberal, também denominado Estado de Direito ou Estado burguês, é o modelo que irá nascer, sobretudo, da Revolução Francesa de 1789, inspirado nas idéias de Locke e na teoria da tripartição de poderes de Montesquieu. Funda-se na concepção de que o ser humano é portador de uma individualidade, reservado ao Estado o papel de guardião e defensor da liberdade individual (SILVA, O., 2005).
Esse é o Estado do império da lei, em contraposição ao império da vontade do soberano; e essa lei, é bom que se diga, assume um caráter bilateral, garantindo direitos ao indivíduo e impondo limites à atuação estatal: têm-se, aí, as denominadas liberdades negativas, porquanto impõem ao Estado, em certos casos, uma abstenção de atividade em relação ao cidadão. A lei é a medida de todas as coisas: pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, e só se obriga o indivíduo àquilo que ela expressamente determina.
Silva, J. (2003:112) assim sintetiza as características do Estado liberal: a) submissão ao império da lei, esta ato formal emanado do Poder Legislativo; b) divisão de poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário, assegurada a produção das leis ao primeiro e a independência deste último; c) enunciado e garantia dos direitos individuais.
A independência do Judiciário implica numa nova concepção da função jurisdicional (GORCZEVSKI, 2007): ao invés de juízes leigos, escolhidos pela nobreza e comprometidos com os interesses desta, tem-se, agora, juízes profissionais, reativos e imparciais.
Laissez-faire, laissez-passer: deixe fazer, deixe passar. As esferas social e econômica devem desenvolver-se livremente, sem amarras ou qualquer tipo de interferência estatal, assegurada a autonomia do indivíduo. O mercado tudo regulará, a partir de leis como a da oferta e da procura, a da livre concorrência etc.
Padece, porém, de sérios problemas esse Estado. Como aponta La Bradbury (2006), o lema dos revolucionários franceses, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, resumia, em verdade, os desejos da burguesia vitoriosa:
liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro; igualdade jurídica com a aristocracia, visando a abolição das discriminações; e fraternidade dos camponeses e sans-cullotes, com o intuito de que apoiassem a revolução e lutassem por ela.
Se traz o desenvolvimento do Estado liberal progresso acentuado, esse progresso está quase todo restrito ao campo econômico, mas para alguns somente. O direito fundamental, tal qual em Locke, continua a ser o de propriedade; mas nem todos tem acesso a ela, uma vez que a igualdade em que se assenta a sociedade civil é somente uma igualdade formal, conferida por declaração legal. A lei ganhou tal importância que se confunde com a justiça; mas não o é, porque
a norma geral regula as ações humanas, mas não lhe dá um sentido concreto; delimita o campo da liberdade, pela definição de fronteiras entre o permitido e o proibido, mas não se substitui à vontade individual na escolha de objetivos de vida. (COMPARATO, 1997:12).
A supostamente benéfica inércia do Estado não foi capaz de lidar com o fenômeno da Revolução Industrial, que substituiu em larga medida o trabalho humano pelo das máquinas e produziu uma legião de desempregados e miseráveis: de não-cidadãos. É por isso que, nas palavras de Maluf (1993:130), o liberalismo, perfeito na teoria, na prática se revelou "inadequado à solução dos problemas reais da sociedade. Converteu-se no reino da ficção, com cidadãos teoricamente livres e materialmente escravizados". Sua substituição, portanto, fazia-se imperiosa.
7. MARX E O FIM DO ESTADO
Karl Marx (1818-1883) engendrou um dos mais formidáveis edifícios político-filosóficos de nossos tempos, uma obra que, passando pelos campos da História, da Ciência Política, da Sociologia, da Economia e outros tantos, recebeu, em seu conjunto, o nome de "marxismo" [08]. Discutida, aprofundada ou negada por boa parte da intelectualidade do séc. XX essa obra revela-se extremamente complexa e vária; nestas páginas, far-se-á apenas uma breve digressão sobre alguns de seus aspectos, no que pertine ao escopo deste estudo.
Não se poderia falar, propriamente, em uma teoria marxista do Estado, eis que o objetivo almejado por esse pensador era o fim do aparato estatal (GORCZEVSKI, 2007), constituindo-se seus escritos, destarte, em uma fortíssima crítica a essa estrutura, mais especificamente ao Estado Liberal; de outra parte, como pondera Bobbio (2004:151), não havendo nenhuma obra de Marx dedicada especificamente ao tema, para reconstruir seu pensamento nessa área é necessário recorrer às indicações esparsas presentes em suas obras econômicas, históricas e políticas.
Bobbio (id., ibid.) classifica em cinco pontos a teoria marxista do Estado: 1) crítica das teorias precedentes, em particular da teoria hegeliana do Estado, de que não nos ocuparemos aqui; 2) teoria geral do Estado; 3) teoria do Estado burguês em particular; 4) teoria do Estado de transição; e 5) teoria da extinção do Estado.
Para Marx, não é o Estado o fundador da sociedade civil; é, ao contrário, na sociedade civil, entendida como o conjunto das relações econômicas, que se encontra o fundamento do Estado, seu caráter, a natureza de suas leis etc. (GRUPPI, 1980:27).
A história da sociedade seria a história da luta de classes. Na abertura dO Manifesto Comunista, escrito por Marx e Friedrich Engels, lê-se:
A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que termina sempre ou por uma transformação evolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas classes em luta.
O Estado seria o instrumento de que se servem as classes dominantes para impor seu jugo e explorar as classes inferiores. Em A Ideologia Alemã (2006:78), referem Marx e Engels:
As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as idéias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As idéias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as idéias do seu domínio. [...] Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pelo domínio, em que portanto o domínio está dividido, revela-se idéia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna".
Nesse esquema, a burguesia teria papel central: de acordo com o Manifesto, de classe oprimida pelo despotismo feudal, ela, "desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno".
Essa conquista, no entanto, revela-se altamente danosa para as demais classes, pois a burguesia, onde quer que tenha alcançado o poder, não só destruiu as relações "feudais, patriarcais e idílicas", como também
Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.
Esse estado de coisas não pode subsistir. É por essa razão que o proletariado, explorado e oprimido, com sua força de trabalho apropriada e desvalorizada para que possa servir à acumulação de riquezas de outrem, haverá de promover a chamada "revolução do proletariado". Segundo o Manifesto,
O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.
O ciclo da historia, entretanto, não cessa aí: o passo seguinte é a destruição "do direito de propriedade e das relações de produção burguesas". Com uma conseqüência fundamental: se o proletariado, convertido em classe dominante, destrói as antigas relações de produção, destrói também, com elas, "as condições dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe".
Sem luta de classes, esvanece-se a razão de ser do Estado: desaparece ele e surge, em seu lugar, "uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos".
Qual o papel reservado ao direito e à justiça no Estado burguês, tal como visto por Marx? Se o Estado é "a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns", a conseqüência disso é que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado e dele adquirem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, mais, ainda, na vontade livre, destacada de sua base real. Do mesmo modo, o direito é reduzido, por seu turno, à lei (2006:98).
O direito e a justiça, pois, são expressões da ideologia das classes dominantes. Pregam a igualdade, mas uma igualdade apenas formal, jamais substancial. É contra isso que verbera Marx na Crítica ao Programa de Gotha [09]:
[...] o direito igual ainda continua onerado por uma limitação burguesa. O direito do produtor é proporcional ao trabalho que forneceu; a igualdade consiste aqui no emprego do trabalho como unidade de medida comum.
Mas uns indivíduos são física ou moralmente superiores a outros e, portanto, fornecem mais trabalho no mesmo tempo ou podem trabalhar mais tempo, e para que o trabalho possa servir de medida, é precise determinar a sua duração ou a sua intensidade, senão deixaria de ser unidade. Esse direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual. [...] Portanto, no seu teor, é um direito baseado na desigualdade, como todo o direito.
Denuncia Marx o caráter reducionista e uniformizante do direito, que consistiria "no emprego de uma mesma unidade de medida" para todos os casos. Distintos e, portanto, naturalmente desiguais os indivíduos, não poderiam ser mensurados por uma régua única, salvo se reduzidos a uma simplificação excessiva, como, por exemplo, "trabalhadores e nada mais", abstraído todo o resto.
É por essa razão que, após lembrar, nO Manifesto, que "na sociedade burguesa, o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha não tem nem independência nem personalidade", Marx adverte:
É a abolição de semelhante estado de coisas que a burguesia verbera como a abolição da individualidade e da liberdade. E com razão. Porque se trata efetivamente de abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa. Por liberdade, nas condições atuais da produção burguesa, compreende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.
A injustiça é inerente ao Estado burguês; somente com a extinção deste, por intermédio da revolução do proletariado, será alcançada a justiça.