Pouco mais de um ano e meio após a sua promulgação – em dezembro de 2023, a partir da Emenda Constitucional 132/2023 –, a Reforma Tributária entra em uma fase decisiva: a de implementação prática e realização de testes operacionais. Se, até então, o avanço da maior mudança estrutural em nosso sistema tributário corria no âmbito legislativo e dos debates técnicos e políticos, espera-se, agora, que ele possa se traduzir em mudanças concretas, de modo a induzir não apenas a preparação por parte dos entes federativos, mas também das empresas.
Nesse sentido, uma série de pontos importantes já começam a dar o tom de uma transição que altera não só a forma como os impostos serão cobrados, mas também a própria dinâmica da relação entre consumidores, negócios e governo.
O impacto na relação da cadeia começa com uma revisão 360º do negócio, que envolve a análise de parceiros, produtos e serviços, além da tributação no destino. Esse processo inclui avaliar o direito à tomada de crédito junto ao fornecedor, fator que pode afetar diretamente o fluxo de caixa e, em alguns casos, até comprometer a viabilidade da operação.
Como muitas mudanças passam a valer já em 1º de janeiro de 2026 – como a introdução gradual do IBS e da CBS, é essencial, portanto, que as empresas comecem a se preparar. A adaptação à nova Nota Fiscal Eletrônica, por exemplo, não representa mais uma recomendação técnica, mas uma exigência em termos de operação.
No contexto dessa adaptação, a estrutura da NF-e passou por mudanças formalizadas em Nota Técnica, instrumento que tem a função de operacionalizar a legislação. Essa atualização incorporou ao modelo atual os novos grupos de tributos do IVA Dual — IBS (Impostos Estadual e Municipal), CBS (Federal) e IS (Imposto Seletivo).
A nova sistemática de apuração tributária
A nova sistemática trazida pela Reforma Tributária estabelece que o principal insumo para o modelo de apuração será o registro de pagamento aliado à emissão do documento fiscal eletrônico. Esse documento passa a representar a confissão de dívida, concentrando todo o detalhamento da operação e seus respectivos eventos. A partir das informações contidas na nota fiscal, serão identificados os débitos e créditos devidos dentro de cada período mensal.
Exemplo prático: um cliente paga sua fatura em atraso e, por isso, precisa arcar com juros e multa. Para registrar essa operação, a empresa deverá emitir uma nota fiscal específica de débito com os valores correspondentes. Essa emissão, por sua vez, gerará automaticamente ao cliente o direito ao crédito.
Outro caso envolve o pagamento antecipado a um fornecedor. Nessa situação, deve-se emitir uma nota de débito, informando produto e tributação correspondentes a esse adiantamento. Além disso, eventos vinculados ao documento fiscal podem interferir na operação.
Se a mercadoria não for entregue, por exemplo, poderá ser registrado um evento de Não Recebimento, ajustando a apuração. Isso reforça a necessidade de adaptação de sistemas, processos e capacitação interna para gerar dados consistentes na nota fiscal e disparar os eventos exigidos em cada operação.
Eventos tempestivos e impacto no fluxo de caixa
A partir de janeiro de 2026, os eventos fiscais passam a ser obrigatórios sempre que a situação concreta exigir, respeitando critérios e prazos estabelecidos pela legislação. Eles são indispensáveis para a correta apuração de tributos e créditos de imposto. Exemplos incluem a identificação de uma nota fiscal como bem do ativo imobilizado pelo destinatário ou como consumo pessoal.
Esses registros visam garantir a integridade e a rastreabilidade das operações, servindo de base de dados para o controle e a transparência do novo modelo tributário. O período de testes em 2026 será fundamental especialmente para calibrar as alíquotas.
Operações fora do escopo da NF-e
Quando a operação não puder ser registrada por meio de nota fiscal eletrônica, deverá ser declarada via DERE (Declaração Eletrônica de Regimes Específicos). Trata-se de um relatório digital obrigatório, que deverá ser preenchido e enviado periodicamente ao Fisco.
Seu objetivo é informar de forma clara e organizada os dados da apuração da CBS e do IBS quando recolhidos por regimes específicos de tributação. A partir de 2026, a DERE será obrigatória para setores como:
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Instituições financeiras
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Planos de saúde
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Operadoras de jogos e apostas
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Empresas do setor imobiliário
E, para que essa preparação seja exitosa, algumas iniciativas por parte da Receita já acontecem. Desde julho, o órgão coordena, com apoio do Serpro, o projeto piloto da Reforma Tributária do Consumo, no qual mais de 60 empresas operam em um ambiente de produção restrita, com a expectativa de se expandir para até 500 companhias até o fim de 2025. Nessa etapa, os contribuintes podem testar em tempo real novas funcionalidades, validar cálculos e simular processos e procedimentos de apuração assistida – que, eventualmente, serão disponibilizados a todos os contribuintes.
Desafio ou oportunidade?
Por mais que o cenário fiscal de transição seja desafiador para as empresas nos próximos anos, ele representa, também, uma oportunidade para que as organizações se preparem para ganhar eficiência, reduzir riscos e possam até fortalecer sua competitividade no novo contexto tributário que se desenha no país.
Para isso, é de grande importância o investimento em tecnologia e digitalização, não apenas para otimização da operação, mas sobretudo para que se possa acompanhar, em tempo real, atualizações normativas referentes à Reforma – um aspecto determinante, sobretudo quando consideramos o seu período de transição.
Nesse sentido, é de grande valor o suporte de consultorias especializadas, que promovam a digitalização e automatização dos processos das áreas fiscal e contábil das empresas. Hoje, sistemas automatizados para emissão de nota fiscal – e que permitem adequações em tempo real –, por exemplo, possibilitam que profissionais se concentrem em atividades mais estratégicas do negócio, reduzindo também a margem para erros em um contexto de tantas mudanças.
Para inovar, é essencial contar com soluções capazes de se conectar de forma flexível, formando um ecossistema integrado que complemente processos e agregue valor às empresas. Esse modelo simplifica rotinas, reduz o tempo gasto em tarefas operacionais e aumenta significativamente a produtividade.
Do lado do Governo, a inspiração veio do conceito Tax 3.0, da OCDE. Como destacou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o sistema digital que sustentará as operações comerciais, fiscais e contábeis da Reforma Tributária terá uma capacidade 156 vezes maior que a da plataforma que hoje processa o Pix — um indicativo da robustez e da complexidade necessárias para essa transformação.
Para tanto, é fundamental ainda que as organizações avaliem suas estratégias operacionais e impactos da Reforma caso a caso, de modo que possam definir, sem pôr em risco sua competitividade, novos modelos de precificação, estrutura de contratos e até mesmo a organização de sua cadeia de processos – da logística à gestão financeira e de fluxo de caixa.
Assim, organizações que enxergarem a transição também como um catalisador de modernização e reposicionamento estratégico poderão sair à frente da concorrência, mesmo em tempos de incerteza. A Reforma Tributária não representa só uma mudança de regras: é uma virada de chave na relação entre empresas e o sistema tributário brasileiro, em direção a um futuro que possa ser mais digital, integrado e transparente.