1. Quem é Jucileine Costa do Nascimento?
A história de Jucileine Costa do Nascimento, uma servidora pública aposentada de 62 anos que trabalhava no Instituto de Metrologia do Pará 1, é um retrato em pequena escala das complicadas consequências jurídicas e políticas dos ataques de 8 de janeiro de 2023. O caso dela mostra bem a polarização que divide o Brasil, criando duas imagens completamente diferentes da mesma pessoa. De um lado, a Justiça a vê como uma participante condenada por insurreição, com provas fortes que confirmam seu envolvimento 3. Do outro, ela é retratada como uma idosa, vítima de perseguição do Estado, especialmente depois de ter sido agredida na prisão 4.
O objetivo aqui é analisar essas duas versões da história com base nos fatos e na lei, explorando as provas que levaram à sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o processo que a colocou atrás das grades, o episódio de violência que ela sofreu na cadeia e como sua defesa e grupos políticos usaram esse incidente para criar uma narrativa de que ela é uma mártir da perseguição política 3.
Analisando o caso, fica clara uma tática usada após a condenação para mudar o foco do debate. Com provas muito fortes contra ela — como vídeos que ela mesma gravou e exames de DNA 3 —, seria difícil para a defesa argumentar que ela era inocente. Então, a estratégia mais inteligente era mudar o assunto. A agressão que ela sofreu na prisão 4 foi a oportunidade perfeita para isso. O episódio permitiu que a história fosse recontada, transformando Jucileine de uma criminosa que atacou a democracia em uma vítima de violência política. Essa nova versão foi reforçada com palavras de forte apelo emocional, como "tortura" e "espancada", e levada até para fora do país, na tentativa de criar uma imagem de perseguição e, no fim das contas, enfraquecer a validade da sua condenação original 3.
2. Do Acampamento à Invasão: Provas da Participação
Ao reconstruir os passos de Jucileine Costa do Nascimento no dia 8 de janeiro, as provas mostram que ela não foi uma simples espectadora, mas uma "militante ativa" 3. Sua jornada revela um envolvimento profundo e constante com o movimento que levou aos ataques.
Antes mesmo dos ataques, um fato importante é que a própria Jucileine admitiu ter passado mais de 45 dias no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília 3. Ficar tanto tempo lá mostra que ela estava comprometida com a agenda antidemocrática do movimento e derruba qualquer argumento de que ela teria participado dos atos por acaso ou por ingenuidade. Sua presença no acampamento a coloca no centro da organização que planejou e radicalizou os ataques.
As provas reunidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e aceitas pelo STF são muito sólidas, misturando confissões digitais com provas físicas que não deixam dúvidas.
Os vídeos que Jucileine gravou com o próprio celular durante a invasão são muito reveladores. Recuperados pela Polícia Federal, eles contêm frases que mostram que ela sabia exatamente o que estava fazendo e concordava com os objetivos do movimento. Falas como "a luta não foi em vão", "STF ocupado", "nós tomamos os Três Poderes" e "quem achou que estávamos brincando mais de 70 dias, se enganou" 3 são provas diretas de sua intenção de cometer o crime. Essas declarações não deixam espaço para dúvidas de que ela via os atos como uma tomada de poder.
A ciência forense reforça ainda mais a acusação. O DNA de Jucileine foi encontrado pela Polícia Federal em objetos depredados dentro do Palácio do Planalto 3. Essa prova física a liga diretamente aos atos de vandalismo e desmente sua versão de que teria entrado no prédio apenas para "se proteger". A presença do seu material genético na cena do crime é uma prova material que a coloca não apenas como invasora, mas como parte do grupo que destruiu o patrimônio público.
Essa combinação de provas digitais e forenses criou um novo jeito de processar crimes políticos em massa. A vontade dos participantes de filmar e transmitir seus atos em tempo real, movida por uma ideologia que valoriza a exposição nas redes sociais, acabou criando um enorme arquivo de provas contra eles mesmos. A acusação e a Justiça usaram essa "pegada digital" para desmontar defesas comuns, como a de que a pessoa "só estava lá". Quando isso é confirmado por provas científicas, como o DNA, a acusação se torna praticamente impossível de contestar.
3. Caminho na Justiça: Acusação, Julgamento e Condenação
O processo de Jucileine Costa do Nascimento correu no Supremo Tribunal Federal, que é o tribunal responsável por julgar os crimes do 8 de janeiro. O processo seguiu todas as etapas, desde a denúncia até a condenação final, com base em teorias jurídicas específicas para crimes cometidos por multidões.
Jucileine foi oficialmente denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) junto com outras 250 pessoas, em uma decisão do STF entre 3 e 8 de maio de 2023 7. Ela foi investigada no inquérito dos "executores materiais dos crimes", ou seja, aqueles que participaram diretamente da invasão e depredação 7. As cinco acusações contra ela foram:
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Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: Tentar, com violência ou ameaça grave, impedir o funcionamento dos poderes constitucionais (Art. 359-L do Código Penal) 8.
Tentativa de golpe de Estado: Tentar derrubar o governo eleito por meio de violência ou ameaça grave (Art. 359-M do Código Penal) 8.
Associação criminosa armada: Formar um grupo de três ou mais pessoas para cometer crimes, com o agravante de estarem armados (Art. 288. do Código Penal) 7.
Dano qualificado: Destruir patrimônio público com violência e grave ameaça (Art. 163. do Código Penal) 7.
Deterioração de patrimônio tombado: Estragar bens de valor histórico e cultural protegidos por lei (Art. 62. da Lei 9.605/1998) 7.
Uma dúvida comum é se Jucileine teve a chance de fazer um acordo para evitar a prisão. A resposta é não. A PGR ofereceu o chamado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) apenas para um grupo específico de réus: aqueles acusados de crimes mais leves, que estavam acampados em frente aos quartéis, mas sem provas de que participaram diretamente da invasão e da quebradeira 9.
O ANPP é basicamente um trato: o réu confessa o crime, cumpre algumas condições (como prestar serviço comunitário e pagar multa) e, em troca, o processo é arquivado sem que ele seja condenado à prisão 10. No entanto, Jucileine foi classificada como "executora", ou seja, alguém que esteve na linha de frente da invasão 10. Os crimes pelos quais ela foi acusada são considerados muito graves e, por isso, ela não se encaixava nos critérios para receber a proposta de acordo 10.
A condenação no STF se baseou em uma tese jurídica conhecida como crime de autoria coletiva ou execução multitudinária 11. Em termos simples, essa teoria diz que, quando uma multidão age com um objetivo comum, todos que participam e contribuem para o resultado são considerados coautores dos crimes. Não é preciso provar quem quebrou qual janela, pois se entende que o grupo agiu como uma única força para atingir o objetivo criminoso 12.
A aplicação dessa tese pelo STF nos casos do 8 de janeiro, incluindo o de Jucileine, criou um precedente jurídico importante. Essa estratégia desmonta o argumento da defesa de que o réu "só entrou" ou "não quebrou nada". O tribunal entendeu que a ação do grupo foi o crime em si; portanto, fazer parte do grupo e apoiar seus objetivos já configura a autoria. O caso de Jucileine é um exemplo perfeito: mesmo sem uma prova de que ela quebrou um objeto específico, seus vídeos e seu DNA provam que ela fazia parte da multidão que tornou a destruição possível 3.
4. Sentença e Contexto
A pena que Jucileine recebeu, assim como as multas, precisa ser analisada em detalhe e comparada com as de outros réus para entendermos se foi justa e proporcional.
Embora muitos veículos de imprensa tenham falado em 14 anos 1, os registros oficiais mostram que a sentença de Jucileine foi de 13 anos e seis meses de prisão 8. Essa pena é dividida em duas partes:
12 anos em regime de reclusão: Um regime mais duro, que começa em presídio fechado 8.
1 ano e seis meses em regime de detenção: Um regime mais leve, para crimes de menor gravidade 8.
Além do tempo na prisão, ela foi condenada a pagar uma multa de 100 dias-multa (cada dia-multa vale um terço do salário-mínimo da época) 8 e a dividir com outros condenados o pagamento de uma indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos 14.
Para saber se a pena de Jucileine foi exagerada, basta comparar com as de outros réus condenados como "executores". A maioria das penas para esse grupo ficou entre 12 e 17 anos de prisão 14, o que coloca a sentença de 13,5 anos de Jucileine dentro da média, e não como um caso de punição fora da curva.
As penas mais altas, de 17 anos, foram dadas a pessoas cujas ações tiveram grande destaque, como Aécio Lúcio Costa Pereira, o primeiro a ser julgado, e Antônio Cláudio Alves Ferreira, que destruiu o relógio histórico do século XVII 16. A pena de 14 anos virou quase um padrão para os executores que participaram da invasão, mas sem um ato de vandalismo específico e famoso atribuído a eles 18.
A sentença de 13 anos e 6 meses de Jucileine, um pouco abaixo desse padrão, sugere que o tribunal a viu como uma participante convicta, mas talvez não uma líder ou autora de um ato de destruição de grande destaque. Curiosamente, um réu indígena recebeu a mesma pena, mas porque a lei obriga uma redução em seu caso 18, o que reforça que 13,5 anos é uma pena considerada padrão pela Corte. A comparação mostra que sua sentença foi consistente e até um pouco mais branda que a de muitos outros, o que vai contra a narrativa de que ela sofreu uma punição desproporcional.
Tabela 1: Comparativo de Sentenças de Réus do 8 de Janeiro
Nome do Réu |
Provas/Ações Principais |
Sentença |
Observações |
Jucileine Costa do Nascimento |
DNA no Palácio do Planalto, vídeos se autoincriminando |
13 anos e 6 meses |
Condenada pelos 5 crimes imputados 3. |
Antônio Cláudio A. Ferreira |
Filmado destruindo relógio do século XVII |
17 anos |
Ato de vandalismo de alto valor simbólico 16. |
Aécio Lúcio Costa Pereira |
Preso no Senado, usava camisa de "Intervenção Militar" |
17 anos |
Primeiro réu a ser julgado e sentenciado 17. |
Davis Baeck |
Indisponível |
12 anos |
Absolvido das acusações de dano e depredação 15. |
Réu Indígena (não nomeado) |
Indisponível |
13 anos e 6 meses |
Pena reduzida por ser indígena 18. |
5. Agressão na Prisão e a Virada na Estratégia
Depois da condenação, a história de Jucileine ganhou um novo capítulo dramático quando ela foi transferida para o sistema prisional, e um episódio de violência mudou totalmente o foco de sua defesa.
Enquanto cumpria pena no Presídio Feminino Regional de Florianópolis, Jucileine foi agredida por uma colega de cela. A agressão teria acontecido depois que a outra detenta descobriu por que Jucileine estava presa: sua participação nos atos de 8 de janeiro 2. A lesão foi descrita como um "hematoma extenso" perto do olho 6. Fotos do machucado foram divulgadas pela defesa e circularam na internet, dando uma imagem forte para a narrativa de que ela era uma vítima 13.
Logo após a agressão, seus advogados entraram com um pedido urgente de prisão domiciliar humanitária no STF 4. Os argumentos eram:
Idade: 62 anos 13.
Saúde: Problemas de saúde, como ansiedade e depressão 5.
Risco de vida: A agressão provava que sua vida corria perigo e que o presídio não tinha como garantir sua segurança 5.
Tanto o pedido feito após a agressão quanto um anterior já haviam sido negados pelo Ministro Alexandre de Moraes 8. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também foi contra a prisão domiciliar 13.
A decisão de Moraes se baseou em informações da administração do presídio, que afirmou não haver "situação que impossibilite o cumprimento de pena em unidade prisional" e que Jucileine estava recebendo atendimento médico e psicológico 8.
A recusa do STF, mesmo com a agressão comprovada, mostra uma preocupação da Justiça em não abrir um precedente perigoso. Se o pedido de Jucileine fosse aceito, centenas de outros condenados poderiam tentar o mesmo, o que tornaria as penas de prisão impossíveis de serem cumpridas. Qualquer briga ou ameaça poderia virar um motivo para pedir prisão domiciliar. A decisão, portanto, não foi só sobre a saúde de Jucileine, mas uma medida para garantir que as sentenças fossem cumpridas e que a responsabilidade pela segurança dos presos continuasse com a administração prisional.
6. Guerra de Narrativas - Mídia e Política
O caso de Jucileine virou um campo de batalha de versões, refletindo a polarização política do Brasil. A cobertura da imprensa e as ações de sua defesa mostram como o caso foi usado para fins políticos.
A forma como o caso foi noticiado mudou completamente dependendo do veículo.
Veículos como a Revista Oeste e o Pleno.News deram muito destaque à agressão, chamando Jucileine de "idosa" que foi "espancada" 2. Essas reportagens muitas vezes não mencionavam as provas fortes que levaram à sua condenação, focando em pintá-la como vítima de um sistema injusto.
Já o The Intercept Brasil publicou uma matéria para desmentir o que chamou de "falso relato de tortura" 3. O artigo focou nas provas contra ela, como os vídeos e o DNA, e disse que a estratégia da defesa era uma campanha de desinformação 3.
A defesa de Jucileine usou estratégias que foram além dos tribunais, tentando politizar o caso no Brasil e no exterior.
Um dos momentos mais marcantes foi quando seu advogado, Hélio Ortiz Júnior, mostrou um cartaz com a foto do rosto machucado de Jucileine e a palavra "TORTURA" em letras gigantes durante uma sessão na Câmara dos Deputados 3. Isso foi uma ação de marketing político, feita para chocar e reforçar a narrativa de perseguição.
A defesa levou o caso à Comissão de Direitos Humanos Tom Lantos, do Congresso dos Estados Unidos 6. É importante saber que essa comissão é um órgão de aconselhamento, que não tem poder para mudar decisões judiciais 19. A ação, portanto, não foi um recurso legal, mas um ato político para tentar ganhar apoio internacional e legitimar a denúncia de violação de direitos humanos.
Essa estratégia mostra como um argumento que não funcionou na Justiça brasileira — o pedido de prisão domiciliar — foi "reembalado" como uma denúncia de direitos humanos para ser apresentado a um público internacional. O objetivo não era mais ganhar a batalha na lei, que já estava perdida, mas sim ganhar a batalha da opinião pública, tentando enfraquecer a legitimidade da decisão do STF.