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A inconstitucionalidade da tarifa de assinatura básica cobrada pelas concessionárias prestadoras do serviço de telefonia fixa

29/07/2008 às 00:00
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Em julgado recente, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça houve por bem declarar legal a cobrança da assinatura básica cobrada pela Empresa Telefônica prestadora dos serviços. O Recurso Especial 911.802/RS, leading case envolvendo a matéria, concluiu que a assinatura básica é pertinente ao passo que tem como um dos seus propósitos permitir que as localidades antieconômicas – onde a prestação do serviço se revestir de um caráter deficitário – tenham esses serviços também, e de qualidade, porque o sistema tarifário é equalizado de modo a beneficiar inclusive os menos favorecidos.

Não obstante ser o julgado recente, o tribunal editou a Súmula 356, consagrando o entendimento acima esboçado. Todavia, a questão ainda não se encontra totalmente solucionada, tendo em vista que existe Recurso Extraordinário (RE 561.574/PE), pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, já declarado de repercussão geral e que passará pelo crivo da Corte Constitucional.

Dessa forma, o tema, que sempre apresentava em torno da legalidade ou ilegalidade, passou a ser visto sob a óptica da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da cobrança.

Inicialmente, convém esclarecer que dita tarifa encontra respaldo na Resolução 85/98 da Anatel, nas Portarias 226 e 227 do Ministério das Comunicações, bem como no contrato firmado entre a concessionária de serviço público e a Agência Nacional de Telecomunicações, para não dizer no contrato de adesão firmado entre a empresa e o consumidor.

Contudo, a Constituição Federal, norma maior, que prevalece sobre toda e qualquer lei, resguarda em seus artigos 5º, II, XXXII, 37 caput, 84, IV, 87, parágrafo único, II e 175, parágrafo único, III, princípios e regras que vão de encontro aos argumentos apresentados pelo Superior Tribunal de Justiça, no que tange à decisão já sumulada de que a cobrança da assinatura básica é legal.

Nestes termos:

Art. 5º (...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

III - política tarifária;

O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Esse princípio visa a combater o poder arbitrário do Estado.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, ali não se diz em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se em virtude de lei. Logo, a Administração não pode proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para impor obrigação aos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar.

Continua o renomado professor: "Somente por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois é expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei."

Na verdade, a Administração Pública, no caso a Anatel e o Ministério das Comunicações, violaram no caso concreto o princípio constitucional da legalidade, previsto também no artigo 37 da Constituição Federal, o qual dispõe: "A Administração Pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade".

Vale ressaltar que todo ato praticado pela Administração Pública tem que ser previsto em lei, de tal forma que podemos afirmar que o Contrato de Concessão de Serviços Públicos firmado entre a Empresa Concessionária de Serviço Público e a Anatel, bem como a Resolução 85/98, da própria Anatel, estabeleceram uma regra não prevista pela Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97)

Neste sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello leciona:

"Os preceptivos da Constituição brasileira, retrotranscritos, respondem com precisão capilar a objetivos fundamentais do Estado de Direito e exprimem com rigor o ideário e as preocupações que nele historicamente se substanciaram, pois seu projeto é o de que vigore o governo das leis e não o dos homens. Ou seja: a rule of law, noto f men, conforme a assertiva clássica oriunda do Direito inglês.

Nos aludidos versículos constitucionais estampa-se o cuidado que engendrou a tripartição do exercício do Poder, isto é, o de evitar que os Poderes Públicos se concentrem em um ‘mesmo homem ou corpo de principais’, para usar das expressões do próprio Montesquieu, cautela indispensável, porquanto, no dizer deste iluminado teórico: ‘é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder é levado a abusar dele; ele vai até que encontre limites’.

.............................

Disse Fritz Fritz Fleiner: ‘Administração legal significa, pois: Administração posta em movimento pela lei e exercida nos limites de suas disposições’. O eminente Professor de Coimbra Afonso Rodrigues Queirós proferiu os seguintes preciosos ensinamentos: ‘A atividade administrativa é uma atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais’. Ou: ‘O executivo é a longa manus do legislador’. Renato Alessi indica que a atividade administrativa subordina-se à legislativa tanto em um sentido negativo (proibições concernentes a atividades, finalidades, meios e formas de ação) quanto em um sentido positivo, significando este último não apenas que a lei pode vincular positivamente a atividade administrativa a determinadas finalidades, meios ou formas, mas que, sobretudo no que concerne a atividades de caráter jurídico, a Administração ‘pode fazer tão-somente o que a lei consente’." (grifo nosso) [01]

Portanto, a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer obrigação a terceiros, como é o caso da assinatura básica mensal, conforme alhures exposto.

Dessa forma, a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque está só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. No presente estudo, leva-se em consideração a interpretação literal e sistemática da lei 9.472/97, a qual não autoriza expressamente, quiçá implicitamente a cobrança da assinatura básica mensal. Daí conclui-se que esta viola o princípio da legalidade e dessa forma a Constituição Federal.

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Como afirma Pontes de Miranda:

"Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do poder regulamentar, invasão da competência legislativa. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei" [02]

Em síntese, onde não houver liberdade administrativa alguma a ser exercida (discricionariedade) – por estar prefigurado na lei o único modo e o único possível comportamento da Administração ante hipóteses igualmente estabelecidas em termos de objetividade absoluta – não haverá lugar para regulamento que não seja mera repetição da lei ou desdobramento do que nela se disse sinteticamente.

Outrossim, a Constituição da República, em seu artigo 87, parágrafo único, II, atribui aos Ministros de Estado competência apenas para expedir instruções à execução das Leis, Decretos e Regulamentos. Igual competência regulamentar é prevista no art. 84, IV, da CF/88, atribuída ao Chefe do Poder Executivo.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal tem o seguinte entendimento, in verbis:

"O poder regulamentar deferido aos Ministros de Estado, embora de extração constitucional, não legitima a edição de atos normativos de caráter primário, estando necessariamente subordinado, no que concerne ao seu exercício, conteúdo e limites, ao que prescrevem as leis e a Constituição da República. A competência regulamentar deferida aos Ministros de Estado, mesmo sendo de segundo grau, possui inquestionável extração constitucional (CF, art. 87, parágrafo único, II), de tal modo que o poder jurídico de expedir instruções para a fiel execução das leis compõe, no quadro do sistema normativo vigente no Brasil, uma prerrogativa que também assiste, ope constitutionis, a esses qualificados agentes auxiliares do Chefe do Poder Executivo da União. As instruções regulamentares, quando emanarem de Ministro de Estado, qualificar-se-ão como regulamentos executivos, necessariamente subordinados aos limites jurídicos definidos na regra legal a cuja implementação elas se destinam, pois o exercício ministerial do poder regulamentar não pode transgredir a lei, seja para exigir o que esta não exigiu, seja para estabelecer distinções onde a própria lei não distinguiu, notadamente em tema de direito tributário. Doutrina. Jurisprudência. Poder regulamentar e delegação legislativa: institutos de direito público que não se confundem. Inocorrência, no caso, de outorga, ao Ministro da Fazenda, de delegação legislativa. Reconhecimento de que lhe assiste a possibilidade de exercer competência regulamentar de caráter meramente secundário." [03]

A propósito:

"Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis (artigo 84, IV da CF/88). A Emenda Constitucional n. 8, de 1995 — que alterou o inciso XI e alínea a do inciso

XII do artigo 21 da CF — é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige. A Lei 9.295/96 não sana a deficiência do ato impugnado, já que ela é posterior ao decreto." [04]

Desta maneira, não pode o Poder Executivo, por meio de um Ministro de Estado ou de uma Agência Reguladora, expedir um Decreto ou uma Resolução que atribua uma obrigação compulsória aos cidadãos/consumidores de todo o país, pois a sua competência (Ministérios, Resoluções e Decretos) é exclusivamente para regulamentar assunto já existente no mundo jurídico. Assim, não pode um ato de Ministro de Estado ou de uma Agência Reguladora trazer qualquer inovação ao ordenamento jurídico, como fez através da Resolução 85/98, criando a assinatura básica e com as Portarias 226 e 227, do Ministério das Comunicações, as quais inovaram no ordenamento jurídico pátrio em detrimento da legislação existente sobre o assunto.

Ante o exposto, a assinatura básica mensal não poderia ser criada por Resolução, Portarias, muito menos por Contrato de Concessão, pois estão criando um direito, inovando no ordenamento jurídico, ferindo o princípio da legalidade e outros preceitos constitucionais, artigo 5º, incisos II e XXXII, artigos 37, caput, 84, inciso IV e 87 parágrafo único, inciso II e 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal.

Dessa forma, apresentados os argumentos que corroboram com a inconstitucionalidade da cobrança da tarifa de assinatura básica, espera-se tão somente a decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 561.574/PE, cujo Relator, brilhante Ministro Carlos Ayres Britto, certamente apreciará de forma ímpar a questão e acabará com a controvérsia existente.


Notas

01 Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo, 13ª edição, Editora Malheiros, p. 311 e 313

02 Comentário à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 2ª ed., t. III, Ed. RT, 1970, p. 314. As observações do autor citado foram feitas ao tempo da Carta de 1969, mas perante textos equivalentes aos ora vigentes.

03 ADI 1.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-6-98, DJ de 24-11-06

04 ADI 1.435-MC, Rel. Min. Francisco Resek, julgamento em 27-11-96, DJ de 6-8-99

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Sobre o autor
Alan Douglas Chagas Barros

Advogado, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Alan Douglas Chagas. A inconstitucionalidade da tarifa de assinatura básica cobrada pelas concessionárias prestadoras do serviço de telefonia fixa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1854, 29 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11550. Acesso em: 19 abr. 2024.

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