8. Conclusão
Em resumo e conclusão:
A)O conceito de prescrição é necessariamente associado à noção de lesão de direito ou violação de direito: de acordo com o art. 189 do Código Civil, é a violação que faz nascer a pretensão do titular do direito, isto é, "o poder de exigir a prestação pelas vias judiciais." [10]
B) Prescreve a pretensão do segurado contra o segurador nos prazos fixados no art. 206 do Código Civil, contado o prazo prescricional "da ciência do fato gerador da pretensão." (C. Civil, art. 206, § 1°, "b", e § 3°, IX).
C) No contrato de seguro, a obrigação do segurador é prestar garantia ao segurado contra o dano previsto no instrumento contratual; ocorrido o dano, o segurado é obrigado a comunicá-lo de imediato à seguradora, mas essa comunicação, por si só, não torna exigível de imediato, pela via judicial, o cumprimento da contraprestação da seguradora. É que, a partir dessa comunicação, a seguradora dá início à regulação do sinistro, pelo qual procederá, entre outros aspectos, ao dimensionamento do risco, à quantificação do valor da indenização e, até mesmo, à apreciação da efetiva exigibilidade da contraprestação da seguradora.
D) Concluído o procedimento de regulação do sinistro, a seguradora pagará a indenização ou negará a cobertura.
E) Em relação a essa espécie de contrato, a pretensão do segurado ou do beneficiário é caracterizada pela recusa da seguradora em pagar a indenização; esse fato, a recusa, configura o inadimplemento da seguradora e constitui o fato gerador da pretensão do segurado ou do beneficiário contra aquela; só a partir daí o segurado ou o beneficiário estará investido do interesse de agir, que constitui uma das condições da ação e lhe confere o poder de exigir o pagamento da indenização pela via judicial, que caracteriza a pretensão.
F) O termo inicial do prazo prescricional não é a data da negativa de cobertura, mas a data em que a seguradora cientificar o segurado da negativa. Embora a negativa caracterize o "fato gerador da pretensão", o art. 206, § 1°, II, "b" do Código Civil dispõe que o prazo prescricional conta-se da data em que o segurado tomar "ciência do fato gerador da pretensão." Ao fixar como termo inicial da prescrição a "ciência do fato gerador da pretensão", o art. 206, § 1°, II, "b", não está se referindo à ciência do sinistro, mas à ciência da resposta negativa da seguradora, ou, mais precisamente, à ciência de que foi violado seu direito à percepção da indenização.
G)Anteriormente à vigência do novo Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado 229 da sua Súmula, pelo qual "o pedido de pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão."
H) Dada a incompatibilidade entre esse Enunciado e a regra do novo Código Civil, a jurisprudência dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais passa por um processo de revisão, com destaque para o Incidente de Uniformização de Jurisprudência n° 8/2006 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pela qual "Ação indenizatória baseada em contrato de seguro em grupo prescreve em um ano, com termo inicial na data em que o segurado for cientificado da recusa de pagamento da indenização pela seguradora, aplicando-se o disposto no art. 206, § 1°, inc. II, al. "b", do Código Civil."
J) Considerando que o Enunciado 229 da Súmula do STJ é incompatível com as regras dos 189 e 206 do novo Código Civil, e levando em conta que as normas sobre prescrição devem ser interpretadas restritivamente, porque restritivas de direito, é de se admitir que o Superior Tribunal de Justiça promova a revisão do Enunciado para adequá-lo às novas disposições legais, de modo a deixar claro que o termo inicial do prazo prescricional da pretensão do segurado à indenização é a data em que for cientificado da negativa de cobertura por parte da seguradora, pois é a recusa o fato caracterizador da violação de direito que faz nascer a pretensão.
Notas
01 Código Civil: "Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
"Art. 206. Prescreve:
§ 1° Em 1 (um) ano:
I – (...)
II – A pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) ...
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão.
02 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, v. V, § 615.
03 THEODORO JR., Humberto, Comentários ao novo Código Civil. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1. ed., 2003, p.154.
04 SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino, Programa de Direito Civil. Revista e atualizada por Gustavo Tepedino, Antônio Carlos de Sá, Carlos Edison do Rego Monteiro Filho e Renan Miguel Saad. Rio de Janeiro: Forense, 3. ed., 2001, p. 345.
05 DINAMARCO, Cândido, Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 4. ed., 2001, p. 824.
06 ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da revelação jurídica, apud Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao novo Código Civil..., cit., p. 175.
07 ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 9. ed., 2005, v. I, p. 354.
08 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Comentários ao novo Código Civil – Dos defeitos do negócio jurídico ao final do Livro III – Arts. 185 a 232. Coordenação: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III, t. II, p.154.
09 THEDORO JR., Humberto, A regulação do sinistro no direito atual e no Projeto de Lei n° 3.555, de 2004. In IV Fórum de direito do seguro. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, 2004, p. 196.
10 THEODORO JR., Humberto, Comentários..., cit., p.154.