Em recente e aguardada decisão, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1308), pacificou uma importante controvérsia do Direito Administrativo. Foi estabelecido que a "quarentena" de 24 meses para a recontratação de professores substitutos temporários, prevista na Lei nº 8.745/1993, não se aplica quando o novo vínculo se dá com uma instituição de ensino pública distinta da anterior.
A decisão, proferida no julgamento do REsp n. 2.136.644/AL, representa um marco para a interpretação da legislação sobre contratação temporária no serviço público, trazendo maior clareza e segurança jurídica para gestores e profissionais da educação.
Para compreender a profundidade e o alcance deste julgado, é fundamental revisitarmos o contexto normativo e jurisprudencial que o cerca.
O Princípio do Concurso Público e a Exceção da Contratação Temporária
A Constituição Federal de 1988 é categórica ao estabelecer, em seu art. 37, II, a regra da investidura em cargo ou emprego público por meio de prévia aprovação em concurso público. Trata-se de um pilar do Estado de Direito, que visa garantir a isonomia, a impessoalidade e a moralidade na Administração Pública.
Contudo, a própria Carta Magna previu exceções a essa regra. Uma das mais relevantes é a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme o inciso IX do mesmo artigo. Essa modalidade, no âmbito federal, é regulamentada pela Lei nº 8.745/1993.
A contratação temporária não é um cheque em branco para a Administração. Para ser legítima, a necessidade deve ser genuinamente transitória, e o interesse público, excepcional. O objetivo é suprir demandas urgentes e pontuais que não justificariam a criação de cargos efetivos, como no caso de substituição de professores afastados.
A "Quarentena" de 24 Meses e a Proteção Contra a Perenização
Com o intuito de evitar o desvirtuamento desse instituto e impedir que a exceção se torne regra, o legislador inseriu uma salvaguarda no art. 9º, III, da Lei nº 8.745/1993. O dispositivo proíbe que o servidor temporário seja novamente contratado antes de decorridos 24 meses do encerramento de seu vínculo anterior.
A finalidade (a ratio legis) dessa norma é clara: impedir a perpetuação de vínculos precários com a Administração, o que configuraria uma burla ao princípio do concurso público. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 403 (RE 635.648/CE), já havia atestado a constitucionalidade dessa exigência, reconhecendo-a como um mecanismo idôneo para preservar a moralidade e a impessoalidade no serviço público.
A Distinção Crucial do STJ: O Vínculo com Instituições Diversas
A controvérsia que chegou ao STJ (Tema 1308) era mais específica: a quarentena de 24 meses deveria ser aplicada mesmo quando um professor, após encerrar um contrato temporário com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), fosse aprovado em um novo processo seletivo para o Instituto Federal de Alagoas (IFAL)?
A resposta da Corte Superior foi um sonoro não.
O Ministro Relator, Afrânio Vilela, conduziu o julgamento com base em uma técnica hermenêutica conhecida como distinguishing (distinção), diferenciando a situação em análise do precedente firmado pelo STF no Tema 403. Enquanto o caso apreciado pelo STF tratava de recontratação pela mesma instituição, o cenário agora era de um novo vínculo com uma entidade pública distinta.
O raciocínio do STJ é irretocável: se a finalidade da norma é evitar a perenização do servidor em um determinado órgão, subvertendo a transitoriedade do contrato, esse risco simplesmente não existe quando a nova contratação ocorre em outra instituição. A contratação por uma entidade diversa não cria uma aparência de vínculo permanente nem frauda a regra do concurso público naquele primeiro órgão.
Dessa forma, a moralidade administrativa, bem jurídico protegido pela norma, permanece intacta. Aplicar a restrição de forma indiscriminada, neste caso, seria uma interpretação excessivamente literal, que se distancia do propósito para o qual a lei foi criada.
Tese Firmada e Consequências Práticas
Ao final do julgamento, o STJ fixou a seguinte tese jurídica, que deverá ser observada por todas as instâncias do Judiciário:
"A vedação de nova admissão de professor substituto temporário anteriormente contratado, antes de decorridos 24 (vinte e quatro) meses do encerramento do contrato anterior, contida no art. 9º, III, da Lei 8.745/1993, não se aplica aos contratos realizados por instituições públicas distintas."
A decisão traz implicações práticas imediatas.
Para os professores substitutos, amplia-se a possibilidade de mobilidade e continuidade profissional, permitindo que busquem novas oportunidades em diferentes instituições federais de ensino sem a necessidade de aguardar o interstício de dois anos.
Para os gestores públicos, o julgado oferece um critério claro e objetivo para a aplicação da lei, evitando litígios e garantindo a contratação de profissionais qualificados para suprir as necessidades temporárias do ensino.
Em suma, o STJ, com notável acerto, realizou uma interpretação teleológica e sistemática da norma, harmonizando a regra da quarentena com os princípios constitucionais e a própria lógica do sistema de contratação temporária. Uma decisão que reforça a segurança jurídica e reconhece as dinâmicas do serviço público educacional no Brasil.
Referências Jurisprudenciais
STJ. 1ª Seção. REsp 2.136.644-AL e REsp 2.141.105-RN, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 13/8/2025.
STF. Plenário. RE 635.648/CE, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 14/6/2017 (Repercussão Geral – Tema 403).