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Lei extingue o “voto de qualidade” no Conselho de Contribuintes do Paraná e traz outras mudanças importantes

24/11/2025 às 06:55
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As recentes alterações no processo administrativo fiscal do Paraná reforçam a tecnicidade do conselho de contribuintes, mas reacendem dúvidas sobre voto de desempate e limites à adequação de penalidades.

Historicamente, a legislação de regência do contencioso administrativo tributário paranaense sempre foi marcada por tentativas de conferir equilíbrio ou, ao menos, buscar a paridade de armas entre o Fisco e o contribuinte.

O Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado (CCRF-PR) é o órgão de julgamento que aprecia as contendas entre Estado e particular em segunda (e última) instância quanto aos tributos estaduais. Instituído há 43 anos pela Lei Complementar nº 1, de 02.08.1972, funcionava, inicialmente, com quatro câmaras e um Pleno, já possuindo paridade em sua composição (conselheiros – ou vogais, como denominava a lei – tanto do setor privado como da iniciativa pública). Havia, inclusive, a possibilidade de as câmaras serem presididas por representantes dos contribuintes, algo hoje – até onde se sabe – raríssimo em órgãos de julgamento administrativo na seara tributária.

Esse cenário mudou com a edição da Lei nº 18.877, de 27 de setembro de 2016, que trouxe significativas alterações na dinâmica tanto do procedimento quanto do processo tributário administrativo como um todo.

Algumas delas, que interessam e comportam análise neste breve espaço, foram: (i) o presidente do CCRF deverá ser auditor fiscal (art. 72, caput); (ii) o vice-presidente do órgão, assim como os presidentes e vice-presidentes das câmaras, serão designados dentre os conselheiros representantes do Estado do Paraná (art. 72, § 1º); e (iii) os membros do Conselho terão mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos, excetuados o Presidente e o Vice-Presidente, que são de livre nomeação e exoneração pelo Secretário da Fazenda (art. 68, § 5º).

Ainda quanto à composição do CCRF-PR, uma característica pouco comum nos tribunais administrativos pátrios encontra-se no art. 68, § 2º, da Lei 18.877/16, que prevê que até um terço do número total de conselheiros representantes do Estado seja composto por membros da ativa da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Atualmente, o Conselho paranaense possui um total de 27 conselheiros, dos quais três são os seguintes: o presidente do Tribunal e os presidentes das duas câmaras (a lei previu apenas estes). Dos 24 remanescentes, metade integra o setor público e a outra metade representa os contribuintes, indicados em lista tríplice por entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais do Estado, sendo escolhidos livremente pelo Governador e nomeados pelo Secretário da Fazenda.

Integram ainda o quadro do CCRF os representantes do Estado (Representação da Fazenda), em número de dez, que não votam, mas representam o Fisco nos autos e em sessões de julgamento.

Observa-se que a quantidade prevista em lei para que até um terço dos conselheiros representantes do Estado seja composto por membros da PGE é muito interessante, especialmente pela função que exercem como julgadores (e não como representantes estatais). Atualmente, o Tribunal conta com quatro Procuradores exercendo tal função, alguns deles ocupantes de cargos de relevo na PGE e possuidores de currículos notáveis.

A determinação contida na lei de 2016, no sentido de contar com julgadores oriundos da Procuradoria do Estado – uma obrigação, a rigor, e não mera faculdade – sem dúvida trouxe ainda mais tecnicidade e equilíbrio ao Conselho (que sempre foi bastante técnico), além de agregar uma visão própria do processo judicial (Dívida Ativa) quanto à dispensa ou manutenção da exigência no PAF e suas possíveis consequências ao Estado, como honorários de sucumbência ou eventual nulidade processual que comprometa o caminho percorrido na esfera administrativa.

No tocante à dinâmica dos julgamentos, a Lei 18.877/16 previu, desde sua edição, que as sessões do Pleno seriam presididas pelo Presidente do CCRF, que proferiria o voto de desempate (art. 74). Assim, sendo o Plenário composto por 12 julgadores mais o presidente (uma reunião dos julgadores de ambas as câmaras), não haveria a figura do voto de minerva ou o chamado voto de qualidade, pelo qual o conselheiro/julgador vota e, em caso de empate, profere um “segundo” voto, decidindo a questão.

Todavia, para as sessões camerais, a lei previa, em seu art. 75:

“As sessões das Câmaras serão realizadas com a presença mínima de 2/3 dos Conselheiros que as constituem e suas decisões tomadas por maioria de votos, cabendo ao seu Presidente proferir, quando for o caso, além do voto de Conselheiro, o voto de desempate, assegurada a paridade no julgamento”.

Em 02/07/2025, foi editada a Lei nº 22.496 (com vigência a partir de 01/08/2025), alterando a regra nos seguintes termos:

“Art. 75. As sessões das Câmaras, assegurada a paridade no julgamento, serão realizadas com a presença mínima de 2/3 dos Conselheiros que as constituem, sendo as suas decisões tomadas por maioria de votos, cabendo ao seu Presidente proferir, quando for o caso, o voto de desempate”.

Em âmbito do PAF Federal, o voto de qualidade no CARF permanece vigente. A Lei nº 14.689/2023, sancionada em 21 de setembro de 2023, restabeleceu o instituto, conferindo aos presidentes de turmas, câmaras e da Câmara Superior – todos representantes da Fazenda – o direito de desempatar.

No Paraná, embora, antes da edição da lei de 2025, existisse apenas o “voto duplo” nas câmaras – situação que, portanto, não afastava necessariamente a revisão do julgado pelo Plenário, desde que cabível o recurso –, fato é que a alteração representa avanço significativo no aprimoramento do sistema recursal, ao conferir maior celeridade, segurança jurídica e uniformidade às decisões. Ao revogar o uso do voto de qualidade, a nova legislação buscou harmonizar o princípio da colegialidade com a efetividade da prestação jurisdicional administrativa, fortalecendo a confiança e a relevância dos julgamentos camerais.


Demais alterações no PAF-PR

A referida lei 22.496/2025 trouxe, ainda, outras alterações no Processo Administrativo Estadual paranaense. Algumas deveras relevante, como apontaremos com brevidade.

Fim do Auto de Infração Revisional para incluir solidário à infração.

A redação original do art. 11, § 6º da lei 18.877/16 previa que, se após a ciência do A.I., independentemente da instância que estiver o PAF, o Fisco constatar a “existência de novo sujeito passivo solidário, será lavrado auto de infração revisional, do qual serão intimados todos os sujeitos passivos, reabrindo-se o prazo para apresentação de reclamação ou cumprimento da obrigação, com os benefícios de redução da multa previstos em Lei”.

Por sua vez, o § 7º do mesmo artigo determinava que, se tal constatação (de solidariedade) for verificada em segundo grau, os autos deverão ser remetidos à primeira instância.

Estas situações foram alteradas pela nova lei, que modificou o citado § 6º prevendo que, uma vez identificados elementos que indiquem a responsabilidade de terceiro, haverá a instauração de um “incidente processual a ser regulamentado em ato do Secretário de Estado da Fazenda, assegurados o contraditório e a ampla defesa”, aplicando a mesma regra “quando verificada a dissolução irregular da empresa, inclusive após a constituição definitiva do crédito tributário” (§ 7º). Até o momento, não se tem notícia de regulamentação pela SEFA.

Da previsão (já existente) de auto de infração complementar para agravar a exigência.

A redação original da lei 18.877/16, em seu artigo 12 (caput e parágrafo único), já previa que, se das diligências requisitadas pela autoridade administrativa “forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões das quais resulte agravamento da exigência inicial, será lavrado auto de infração complementar”.

Apesar da previsão da lavratura de um A.I. complementar, pouco se tem visto esse expediente sendo utilizado pelo Fisco paranaense. De todo modo, nos parece bastante questionável tal medida. Primeiro porque o próprio CCRF tem reiterado entendimento acerca da impossibilidade de aplicar a "reformatio in pejus", ou "reforma para pior", ou seja, quando uma decisão é modificada em prejuízo exclusivo do recorrente, sem que a parte contrária tenha recorrido (nesse sentido: Acórdãos 269/2021, 1154/2005 da 2ª Câm. e 1621/2012 do Pleno). Depois, porque a lavratura de auto complementar em segundo grau – tal como ocorre com a adequação de penalidade – implica supressão de instância.

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Reexame necessário (sem valor de alçada) para uma das infrações “de natureza formal”, porém bastante onerosa. Da impossibilidade de adequar a penalidade pós lançamento.

No que se refere ao recurso ex officio, aquele previsto no art. 51 da lei 18.877/16, na hipótese em que a decisão de primeira instância (Delegacia de Julgamento) cancelar crédito tributário (considerando todos os acréscimos, calculados no momento da prolação da decisão) em valor superior à alçada (500 UPFs/PR - Unidade Padrão Fiscal do Paraná para o ICMS, equivalente a R$ 72.930,00 para ago/25 ou 100 UPFs/PR - R$ 14.586,00 pra IPVA ou ITCMD), o Fisco é obrigado a recorrer ao CCRF para reexame de toda a matéria.

Todavia, a lei 22.496/2025 (acrescentando o § 2º ao art. 51 da lei 18.877/16) trouxe uma inovadora regra, inaplicando o valor de alçada acima quando a penalidade exigida é aquela do inciso XXV do § 1º do art. 55 da Lei nº 11.580/1996:

Art. 55. Os infratores à legislação do ICMS ficam sujeitos às seguintes penalidades:

I - multa;

(...)

§ 1º Ficam sujeitos às seguintes multas os que cometerem as infrações descritas nos respectivos incisos:

(...)

XXV - equivalente a 10% (dez por cento) do valor do crédito do imposto lançado em desacordo com o disposto nesta Lei, sem tê-lo ainda aproveitado, sem prejuízo do respectivo estorno.

Relevante aqui, a nosso ver, pontuar que, até 31/12/2017, a multa por essa infração de “lançar o imposto sem utilizar” era de meros 6 (seis) UPFs (independente do período de apuração), quantia que equivale a pífios R$ 875,16, em ago/25 (alínea “h” do inciso XV do § 1º do art. 55 da lei 11.580/96, dispositivo revogado justamente pela lei n. 19.358/2017, que trouxe essa previsão de 10% de multa ao caso em apreço).

Ora, ainda que se entenda a vontade do legislador (o que parece fazer sentido, de fato) pela necessidade de se coibir a prática de lançar o imposto ainda que sem aproveitá-lo, o fato é que nos parece bastante temerário, por exemplo, admitir que, numa autuação que exija, originalmente, além da penalidade de 60% (sessenta por cento) do valor do crédito do imposto (aquela por se beneficiar com a apropriação do ICMS, prevista no letra “a” do inciso III do mesmo § 1º acima citado), se possa (re)adequar a penalidade para aquela (nada leve) da multa de 10% sobre crédito do imposto.

De todo modo, é bom que se diga, o CCRF-PR – em nosso modo de ver, acertadamente, ao menos até agora – tem coibido a mencionada alteração da penalidade após a lavratura do A.I., independente da instância que tramite o PAF. Entre tantos, nesse sentido: Acórdãos nº. 008/2013, 1.662/2012, 1.125/2012 do Pleno.

Dito de outro modo, se a pretensão do fisco é de ajustar/adequar a penalidade pós lançamento, a rigor, hoje (com a entrada em vigor da referida lei de 2025) nem sequer um auto de infração revisional se comportaria, haja vista que, com a revogação do §6º do art. 11, o procedimento legal cabível seria o de instauração de um “incidente processual” que, até o momento, sequer foi regulamentado.

De toda sorte, com todas as vênias, salvo melhor juízo, qualquer tentativa de adequação de penalidade após a lavratura do auto de infração esbarra em princípios constitucionais, legais e jurisprudenciais.

  • Segurança Jurídica: após a lavratura do auto de infração, o contribuinte passa a ter ciência dos termos exatos da acusação fiscal, o que lhe permite formular sua defesa com base nos fatos, fundamentos e penalidades ali indicados, de modo que qualquer alteração posterior na penalidade compromete a estabilidade da relação jurídica tributária e insegurança quanto à sanção a que está sujeito;

  • Contraditório e Ampla Defesa: a substituição, majoração ou adequação da penalidade após a lavratura impede o exercício pleno da ampla defesa, pois o contribuinte se defendeu contra uma acusação e penalidade específicas, não contra uma nova tipificação sancionatória.

  • Devido processo legal: haja vista a supressão de instância a que o sujeito passivo é submetido, posto que, a rigor, quando um órgão julgador em instância superior decide sobre matéria não analisada pela instância anterior, sem que o contribuinte tenha tido oportunidade de se manifestar sobre ela previamente, tal movimento modifica o tipo infracional, violando o princípio do duplo grau de jurisdição administrativa (garantido pelo art. 21 do “Estatuto dos Direitos dos Contribuintes”, a lei complementar estadual n. 107/2005).

Enfim, ainda que a nova legislação tenha trazido significativos avanços na dinâmica do PAF estadual paranaense, alguns pontos merecem, ainda, reflexão pelos órgãos julgadores que deverão apreciar as demandas envolvendo as autuações no âmbito da administração tributário deste Estado.

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Sobre o autor
Fabriccio Petreli Tarosso

Advogado, sócio do escritório Tarosso Advogados Associados. Mestre em Direito Tributário e professor com atuação no Processo Administrativo Fiscal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAROSSO, Fabriccio Petreli. Lei extingue o “voto de qualidade” no Conselho de Contribuintes do Paraná e traz outras mudanças importantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8181, 24 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115843. Acesso em: 5 dez. 2025.

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