Julgamentos baseados exclusivamente em provas coletadas por meio de procedimentos adversariais representam, sem dúvida, um importante avanço no Direito e na prática jurídica. Crianças como aquelas que levaram à condenação das bruxas de Pendle (Inglaterra, 1612) não podem testemunhar porque não fornecem provas confiáveis. Condenações baseadas em alegações de danos infligidos pelo espectro da bruxa acusada, como em Salem (EUA, 1692-1693), fazem com que os juristas de hoje apenas lamentem o estado primitivo do Direito e sua prática no século XVII. Tudo isso é lugar-comum hoje em dia.
E, no entanto, entramos em uma nova era de insegurança jurídica. Hoje em dia, quase todas as provas, em alguns casos, são exclusivamente arquivos digitais e, em outros, esses mesmos arquivos são analisados por Inteligências Artificiais que auxiliam os juízes. Os próprios registros judiciais são digitais, existindo apenas em computadores que podem ser hackeados por hackers mal-intencionados.
Arquivos digitais podem ser manipulados antes ou durante os processos judiciais, e ninguém na área jurídica sabe exatamente como as IAs funcionam. Mas sabemos que IAs podem fornecer resultados plausíveis, implausíveis e alucinatórios, sempre de forma convincente. Advogados e juízes sabem pouco ou nada sobre tecnologias digitais e IA, e estão à mercê de engenheiros de TI e grandes empresas de tecnologia que fornecem produtos ao Judiciário.
No passado, bruxas julgadas e executadas com extrema crueldade eram frequentemente pessoas inocentes, condenadas com base em preconceito e evidências insuficientes. Mas hoje, as “bruxas virtuais tecnológicas” podem perpetrar injustiças automaticamente com a ajuda de juízes e advogados que entendem de Direito e prática jurídica, mas que são tecnologicamente ignorantes.
Espectros ou acusações que não podem ser provados, como os do caso da bruxa de Salem, não devem decidir disputas judiciais. Mas hoje, danos reais podem de fato ser infligidos aos direitos, à liberdade e à propriedade de cidadãos nos processos por uma tecnologia sutil que existe em um ambiente virtual em que os juízes e advogados entram não como especialistas, mas como indivíduos crédulos e tolos que podem ser enganados.
E, no entanto, vemos verdadeiras manadas de advogados e juízes correndo em direção às IAs exigindo, e até implorando, que elas sejam utilizadas. Alguns deles se expuseram a situações grotescas e punições processuais nos EUA e no Brasil. Bruxas medievais eram pessoas inocentes cuja pobreza, crenças e truques empregados para extorquir alguns trocados dos mais abastados causavam repulsa e medo.
IAs são "bruxas virtuais" e operam de acordo com critérios que nem mesmo seus criadores compreendem totalmente. Mas elas despertam verdadeira adoração de juristas, que deveriam ser mais cautelosos e temerosos de uma tecnologia cujos mecanismos, truques e atalhos são desconhecidos. Esta é uma reviravolta estranha e perigosa.
