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A nova ordem das perguntas às testemunhas no processo penal

(CPP, art. 212)

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4. Conseqüência da violação ao art. 212. do CPP

Assentado que o art. 212 do CPP efetivamente estabelece que as partes deverão perguntar primeiro e o juiz deverá perguntar ao final, cumpre analisar qual será a conseqüência desta atipicidade processual.

As normas relativas à produção da prova em juízo são normas de garantia, na medida em que estabelecem um mecanismo que é predisposto a uma melhor formação da verdade no processo. Ademais, especificamente este dispositivo do art. 212 do CPP, visa assegurar maior imparcialidade e isenção ao magistrado, em consonância com o sistema acusatório previsto na Constituição Federal.

A nova regra do art. 212 visa quebrar uma cultura secular de inquisitoriedade judicial. Há uma forte resistência à mudança das regras. Talvez alguns Promotores de Justiça não desejam a alteração da regra pois ela implicará na obrigação deles deverem assumir sua responsabilidade constitucional de efetivamente promover a ação penal, havendo, em conseqüência, maior trabalho aos Promotores de Justiça, que deverão preparar-se adequadamente para as audiências para preparar suas perguntas às partes (já que deverão perguntar em primeiro lugar e o ônus de provar é todo seu). Talvez alguns Juízes também não vejam com bons olhos a alteração, pois temam que ela signifique simbolicamente perda de poderes pelo magistrado (tanto que houve proposta oriunda de comissão do Poder Judiciário para Emenda Modificativa do dispositivo quando de sua tramitação no Senado Federal), descurando que a função do magistrado juiz imparcial, presidente da ordem dos trabalhos, e fiscal da restrição dos direitos fundamentais é das mais relevantes na estrutura garantista de processo.

Todos são resistentes a mudanças, especialmente o é o Poder Judiciário, guardião da ordem e tradicional por definição. Para se mudar uma cultura secular de ranço inquisitivo é necessária uma postura também radical.

Caso os Tribunais afirmem que a violação à ordem das perguntas prevista no art. 212 não gere qualquer nulidade, não haverá qualquer adesão dos magistrados ao novo regramento legal. Significará afirmar que o dispositivo determina que o juiz pergunte ao final, mas se o juiz violar a norma não haverá qualquer sanção. Portanto, os juízes estão liberados para continuar violando reiteradamente o novo dispositivo legal e mantendo a tradição inquisitiva de desde sempre. Não há direito sem sanção e para que haja efetividade da nova norma é essencial que os Tribunais assegurem seu enforcement, mediante a criação de um efeito dissuasório às violações.

Se reconhecermos que a norma legal do art. 212. do CPP, que assegura cumprimento ao sistema acusatório, é uma norma importante, então deve existir uma sanção à sua violação, e esta sanção não pode ser outra que não a nulidade do ato processual. Sobre as nulidades, afirma Carrara 17:

Sanção natural é a nulidade de qualquer ato que viole [as normas legais relativas ao procedimento probatório. Um Código de Processo que prescreve certas formas sem decretar a anulação daquilo que foi feito em contravenção daquelas formas é uma mistificação maliciosa, com a qual se quis fazer crer ao povo que obtém a proteção dos honestos, enquanto nada disso é garantido.

É certo que não há nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief). Em nosso entendimento, o prejuízo está presente pela violação à necessidade de uma postura do juiz coerente com o sistema acusatório, de maior imparcialidade e distanciamento da produção da prova. Juiz que se recusa a aplicar o ordem das perguntas prevista no art. 212. do CPP é juiz que não aceita a ordem de valores prevista na Constituição Federal e no sistema acusatório, é um juiz que ainda acredita que ele é o principal responsável por trazer as provas de acusação, é um juiz que quer investigar os fatos, é um juiz que se afasta do modelo de imparcialidade previsto na Carta Magna e ora concretizado com a reforma processual.

Sobre a nulidade absoluta decorrente da violação a normas constitucionais, assim se manifestam Grinover, Fernandes e Gomes Filho 18:

Os preceitos constitucionais com relevância processual têm a natureza de normas de garantia, ou seja, de normas colocadas pela Constituição como garantia das partes e do próprio processo. [...]

Nessa dimensão garantidora das normas constitucionais-processuais, não sobra espaço para a mera irregularidade sem sanção ou nulidade relativa. A atipicidade constitucional, no quadro das garantias, importa uma violação a preceitos maiores, relativos à observância dos direitos fundamentais e a normas de ordem pública.

Assim, o prejuízo está presente pela necessidade de assegurar aplicação concreta ao novo sistema de valores previsto na Constituição Federal e que a reforma processual veio dar realização prática. O prejuízo decorre da necessidade de seriedade no sistema jurídico. Assim, o prejuízo na violação da ordem das perguntas previstas no novo art. 212 do CPP, decorrentes da concreção de preceitos constitucionais, é presumido: há nulidade absoluta dos depoimentos colhidos com violação.

Infelizmente, até que a cultura jurídica assimile aos novos valores do sistema acusatório, será necessária a medida drástica da nulidade absoluta para assegurar o enforcement das novas regras legais.

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Para assegurar a aplicação das novas regras, entendemos admissível reclamação, por se tratar de decisão do juízo que causa inversão tumultuária dos atos processuais contra a qual não há previsão de outro recurso específico.

Registre-se que diariamente são julgados inúmeros processos nas varas criminais, e uma posição rápida e clara dos Tribunais sobre qual a correta interpretação do art. 212 do CPP é essencial para a normalidade dos trabalhos forenses.


Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que o art. 212 do CPP, em sua nova redação dada pela Lei nº 11.690/2008, efetivamente determina que as perguntas sejam primeiro formuladas pelas partes e, após, pelo juiz. A disposição é fundada na concretização das normas constitucionais relativas ao sistema acusatório (CF/1988, art. 129, I), que determinam um distanciamento do juiz das funções de acusação, dentre as quais inclui-se o ônus da prova de acusação. Esta conclusão pode ser obtida pela interpretação literal do dispositivo, interpretação histórica, interpretação teleológica (análise da vontade do legislador), interpretação sistemática (análise dos demais institutos introduzidos pela reforma tendentes à implantação do sistema acusatório) e, especialmente, em atenção ao princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. A inobservância deste novo procedimento gera a nulidade absoluta da prova produzida em inobservância ao princípio constitucional ora concretizado.


Notas

  1. Segundo Ferrajoli, o princípio acusatório, representando na separação das funções de acusar e julgar, é essencial à existência de um sistema garantista. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Zomer; Choukr, Tavares; Gomes. São Paulo; RT, 2002, p. 75. Também advogando a evidente superioridade do sistema acusatório, v. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT, 2003, p. 115.

  2. PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, item 3.1.4.

  3. Sobre o fenômeno político da transição democrática, v. PRADO. Op. cit., p. 37.

  4. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 55.

  5. PRADO. Op. cit., p. 136.

  6. PRADO. Op. cit., p. 108, 110-111.

  7. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivany. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT, 2003, p. 167-168.

  8. PRADO. Op. cit., p. 139

  9. LOPES JR. Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 86.

  10. Apud LOPES JR. Op. cit., p. 89.

  11. PRADO. Op. cit., p. 137.

  12. BADARÓ. Op. cit., p. 117.

  13. OLIVEIRA, Eugênio Pacceli de. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 9.

  14. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 45.

  15. Disponível em <https://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/getHTML.asp?t=11213>. Acesso em: 11 ago. 2008.

  16. Publicado no Diário do Senado Federal, 20 nov. 2007, p. 40.983-41.003. Também disponível em: <https://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2007/11/19112007/40983.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2008. (grifo nosso).

  17. Apud FERRAJOLI. Op. cit., p. 496.

  18. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8ª Ed. São Paulo: RT, 2004, p. 27-28.

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Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. A nova ordem das perguntas às testemunhas no processo penal: (CPP, art. 212). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1871, 15 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11604. Acesso em: 26 dez. 2024.

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