Jornalistas não têm à sua disposição o poder estatal, não usam armas de fogo e, quando realizam o jornalismo investigativo, valem-se de inteligência, imparcialidade ao ouvir as pessoas, tendo cuidado para não gerar entendimentos precipitados.
Novamente, no caso conhecido como “Crime da 113 Sul”, o jornalismo investigativo escancara um caso de erro judiciário produzido pela colheita de provas na fase investigativa, mediante torturas, ameaças e coações.
Algo assim já tinha acontecido no “Caso Evandro”, no qual tive a honra de atuar na defesa, no plenário do Tribunal do Júri, e, justamente por denunciar, no exercício da defesa, as torturas praticadas por agentes estatais, fui processado por calúnia e difamação, em ação penal posteriormente trancada, com elevada tecnicidade, pelo STJ.
O importante, contudo, é que, tempos depois, em um podcast (Projeto Humanos), desenvolvido pelo jornalismo investigativo, as torturas que eu denunciara anos antes foram escancaradas, e o caso pode ser considerado um dos mais graves escândalos da história do processo penal paranaense.
Novamente, no “Crime da 113 Sul”, as torturas, as coações e a violência estatal são tornadas inegáveis pelo trabalho do jornalismo investigativo.
A realidade de um Estado que violenta para investigar, produzindo aberrações e prisões injustas, em contrapartida ao jornalismo que descobre a verdade com o uso da inteligência e da imparcialidade, deve servir de alerta sonoro para o mundo do Direito.
Estamos errando, e muito, ao admitir que a violência estatal ainda não tenha sido eliminada em definitivo da ação investigativa.
Diariamente são noticiadas violações cometidas por agentes estatais, com invasões indevidas de domicílios, ações de coação, constrangimentos pessoais, uso do processo criminal como meio de perseguição aos que se opõem aos abusos e, até mesmo, graves violações de direitos humanos, com torturas e execuções.
Essas ações autoritárias conduzem o processo criminal a uma falibilidade incompatível com a racionalidade que deve orientar o sistema de justiça republicano.
O jornalismo investigativo demonstra, de forma muito evidente, que o caminho que mais se aproxima da verdade dos fatos é o da investigação inteligente, dotada de racionalidade e imparcialidade.
Além disso, o desfecho do “Crime da 113 Sul”, com o reconhecimento, pelo STJ, do absurdo havido, em manifestações brilhantes de Ministros extremamente bem preparados, torna inevitável produzir-se um giro de 180 graus na leniência com o processamento criminal baseado em elementos frágeis de autoria ou materialidade e, pior, com a pronúncia, no Tribunal do Júri, com base nessa estrutura, em nome de um ultrapassado e pouco republicano princípio do in dubio pro societate e de uma visão funcional do processo e da própria realidade.
Em trabalhos como “Investigação Preparatória”, “O Novo Rito do Tribunal do Júri” e “Júri: Teoria e Prática”, já apontei a necessidade de exercer controle rigoroso sobre o recebimento da denúncia, em todos os processos, e controle extremo da prova na pronúncia.
O convívio histórico com certa banalização do recebimento da denúncia, admitindo o início de um processo criminal com lastro em elementos extremamente frágeis ou duvidosos, é um vício histórico que precisa ser rompido.
O controle sobre o início do processo criminal precisa ser efetivo, com possibilidades reais de seu bloqueio pela defesa, nada significando a previsão legal de resposta à acusação quando sua eficácia real é nula e empiricamente se constata que se converteu em mera formalidade.
Em relação à decisão de pronúncia, a questão é ainda mais delicada, pois a legislação prevê, além da possibilidade de absolvição sumária, a impronúncia, justamente para as hipóteses em que a prova é frágil para conduzir uma pessoa ao julgamento pelo Tribunal do Júri.
Com isso, é óbvio que, com base em provas da fase investigativa, não repetidas em juízo sob o crivo do contraditório, ninguém pode ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri.
Com efeito, as reiteradas demonstrações da falibilidade do sistema calcado na aceitação do abuso estatal, da fragilidade no controle da inicial criminal e da pronúncia não podem seguir insensíveis, demandando mudança efetiva na forma como se desenvolve o processo criminal.
Igualmente, a tolerância com o abuso do poder estatal, independentemente da autoridade envolvida, não encontra qualquer espaço no Brasil contemporâneo e nunca encontrará em um País republicano.