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O sistema eleitoral norte-americano e a eleição presidencial

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23/08/2008 às 00:00
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5) O SUFRÁGIO: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E AS CONDIÇÕES ATUAIS

O exercício do voto é facultativo nos EUA. Há a proibição de discriminação com base na raça (XV Emenda, de 1870), sexo (XIX Emenda, de 1920), na condição financeira – poll taxes – (XXIV Emenda, de 1964) e por idade (XXVI Emenda, de 1971). A idade mínima para votar é de 18 anos.

Originalmente, a Constituição previa um grau limitado de participação popular no processo eleitoral, ao exigir que os membros da Câmara dos Representantes fossem eleitos por delegados que tivessem as qualificações exigidas pelas Assembléias Estaduais, e que os senadores fossem eleitos pelas próprias Assembléias Estaduais, e, ainda, que os delegados à eleição para Presidente fossem escolhidos de uma forma tal que esse processo fosse dirigido pelos Legislativos Estaduais.

Antes da Guerra Civil (1860-1865), por ação dos Estados, o direito de voto estava assegurado apenas aos cidadãos brancos, do sexo masculino, com idade igual ou superior a 21 anos, e a alguns cidadãos negros, nos Estados que não mantinham a escravidão.

Após a Guerra Civil, o Congresso e os Estados, por meio de uma série de emendas e leis, gradualmente estenderam essa franquia. Daí que:

i) pela XV Emenda (1870), foi garantido o direito ao voto, independentemente de raça, cor, ou prévia condição de servidão;

ii) pela XVII Emenda (1913), foi assegurada a votação direta para Senador;

iii) pela XIX Emenda (1920), foi estendido o direito de voto às mulheres; iv) pela XXIII Emenda (1961), concedeu-se o direito de voto aos cidadãos do Distrito de Colúmbia;

v) pela XXIV Emenda, ficou proibido o pagamento de qualquer taxa, como pré-requisito para o exercício do voto nas eleições federais; e

vi) pela XXVI Emenda, foi estendido o direito de voto aos cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos.

Desde 1957, o Congresso tem aprovado leis para eliminar a discriminação racial no processo eleitoral, dentre as quais as mais notáveis são chamadas Leis de Direitos Civis ("Civil Rights Acts") de 1957, 1960 e 1964. Desde 1965 o Congresso aprovou a Lei dos Direitos de Voto ("Voting Rights Act"), que suspendeu, por um período estabelecido, a aplicação de todos os testes e mecanismos similares, que eram utilizados para discriminar os grupos raciais minoritários, particularmente os negros, que, diante dos obstáculos forjados, ficavam impedidos de votar. Em 1970, o Congresso estendeu por mais um período a suspensão dos testes que haviam sido proibidos em 1965, ao mesmo tempo em que reduziu as exigências, impostas pelos Estados, relativamente ao domicílio, como pré-requisito para votas nas eleições presidenciais.

As implicações raciais em relação ao processo eleitoral vinham se arrastando nos Estados Unidos desde o final do séc. XVIII. Em meio aos trabalhos da Convenção da Filadélfia (1787), os representantes sulistas, embora não tivessem nenhuma intenção de permitir que seus escravos votassem, gostariam que eles fossem, numericamente, levados em conta para aumentar a representação da bancada parlamentar no Congresso, evitando, assim, a dominação política dos Estados do Norte, mais populosos.

Assim, desejavam criar um sistema eleitoral que não fosse baseado na votação individual, mas sim na representação parlamentar, o que traria mais poder ao Sul. Os convencionais que representavam os Estados do Norte, ainda que contrariados pela possibilidade do aumento de poder político do Sul, concordaram com a medida. Porém, foi adotado um compromisso, denominado de "Compromisso dos 3/5" ("3/5 Compromise"), por meio do qual o escravo, para os propósitos de definição do tamanho da representação política, seria contado como se valesse 3/5 de uma pessoa.

Dos 55 participantes da Convenção Constitucional da Filadélfia, 25 eram proprietários de escravos, nos Estados do Sul; o próprio Thomas Jefferson era detentor de um grande número de escravos.

Após o acordo que resultou no "3/5 Compromise", os convencionais, constrangidos diante da possibilidade de ter de lançar a expressão "escravo" no texto da Constituição, resolveram que a redação constitucional faria menção a "pessoas livres" e a "mais três quintos de todas as outras pessoas". Obviamente que, de forma ainda que um tanto arrevesada, ficaria subentendido que, se alguém fosse uma "outra pessoa", obviamente não seria uma "pessoa livre", mas sim um escravo.

Quanto ao sufrágio passivo, podem ser candidatos os membros dos partidos, bem como os independentes.

Os requisitos para se candidatar ao cargo de Presidente da República nos Estados Unidos são: a) ser cidadão americano nato; b) ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos de idade; c) ser residente nos Estados Unidos por pelo menos 14 (quatorze) anos.

Os requisitos para a Vice-Presidência são os mesmos para Presidente, e, além disso, o candidato a vice não pode ser proveniente do mesmo Estado do Presidente.

O candidato ao cargo à Câmara dos Deputados deve ter pelo menos 25 (vinte e cinco) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 7 (sete) anos e ser residente legal no mesmo Estado para o qual concorrerá a uma cadeira no Parlamento.

Para o Senado, o candidato deve ter pelo menos 30 (trinta) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 9 (nove) anos e ser residente legal no Estado que deseja representar.

De acordo com a XXII Emenda à Constituição dos EUA (ratificada em 1951), é vedado a qualquer candidato ser eleito Presidente da República por mais de duas vezes. Todavia, a Constituição não impõe nenhuma limitação em relação à reeleição sucessiva aos cargos de deputados e senadores.


6) O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

Nas eleições americanas poderá haver tanto financiamento público quanto privado (hard money e soft money) Porém, o candidato deverá optar por apenas um deles.

Desde 1976, os candidatos às eleições presidenciais podem habilitar-se ao sistema de financiamento público, por meio do qual o governo disponibiliza recursos para as campanhas.

Até as eleições de 2000, em geral, os candidatos participavam desse sistema, recebendo recursos governamentais, comprometendo-se a não gastar mais do que um valor especificado.

Todavia, em virtude da limitação dos gastos a serem financiados por fundos públicos, esse sistema tem sido deixado de lado. A partir das eleições de 2000, tem havido uma tendência no sentido de os principais candidatos renunciarem ao financiamento público para as eleições primárias, somente recebendo recursos públicos para as eleições gerais.

Os gastos são elevados: em 2004, a campanha para reeleição Presidente George W. Bush captou, de recursos privados, 270 milhões de dólares; seu adversário, o democrata John Kerry, arrecadou 235 milhões de dólares.

O levantamento de fundos para campanhas políticas é regulado por lei federal. Em geral, um candidato a Presidente da República deve estruturar sua campanha mediante a abertura de um comitê político, que será registrado perante uma agência federal denominada de "Federal Election Comission" (FEC). A despeito do nome, essa comissão supervisiona apenas o aspecto legal do financiamento das campanhas políticas, e não as eleições propriamente ditas, que ficam a cargo dos Estados, ainda que sejam eleições aos cargos federais.

Assim que obtiver o registro na Comissão Eleitoral, candidato pode iniciar o levantamento de fundos para sua campanha política. Esses fundos deverão ser informados à FEC, quinzenalmente, ou mensalmente. Atualmente esses dados são manipulados por meio de planilhas eletrônicas, e estão disponíveis ao público na internet, na página eletrônica da FEC (www.fec.gov). Além disso, diversas organizações mantêm sites na internet para monitorar as contribuições e os gastos de campanhas declarados pelos candidatos.

O financiamento privado das campanhas pelo denominado método hard money tem as seguintes características: as doações devem ser diretas aos candidatos que concorrem às eleições federais; devem ser devidamente declaradas pelo candidato, mediante a divulgação dos nomes dos doadores; há limites para esse tipo de doação; gastos superiores a 200 dólares devem ser declarados.

Já o financiamento de campanha denominado de soft law apresenta a seguinte configuração: são doações indiretas às campanhas dos candidatos; não-reguladas por lei e que só podem ser utilizadas na realização de atividades cívicas, tais como comitê de registro de eleitores, atividades exercidas nos edifícios do partido e para fazer frente aos gastos administrativos em apoio apenas aos candidatos às eleições locais e estaduais, vedada a utilização para os candidatos aos cargos federais..


7) ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA O SISTEMA NORTE-AMERICANO

O Presidente é eleito com apoio difundido por todo o território do país, desta forma, contribuindo então para a coesão da Nação.

O sistema respeita o Federalismo, uma vez que cada Estado escolha o processo como indica seus delegados.

Isola os problemas relacionados às fraudes, bem como ameniza os efeitos de catástrofes naturais (o processo realiza ao longo do ano).

Aponta para a estabilização política da nação, na medida em que fortalece o sistema bi-partidário. Em toda a história americana, o sistema de Colégio Eleitoral tem tornado mais difícil a vitória de um candidato de um partido minoritário, ou de um terceiro partido na corrida presidencial. O sistema de dois partidos impõe uma dose de moderação na política americana, na em que desencoraja movimentos extremistas, já que um candidato extremista poderia até conquistas os votos de alguns Estados, mas provavelmente não seriam suficientes para conquistar a Presidência da República.

Mantém um sistema federativo de governo e de representação. Trata-se de importante aspecto do federalismo americano a inclusão dos 50 Estados na escolha do Presidente. Esse sistema confere a cada Estado um número de votos eleitorais equivalente ao número total de seus membros no Congresso Nacional.

O Colégio Eleitoral força os candidatos a manter contato fora dos grandes centros populacionais e fazer campanha em lugares que seriam ignorados num sistema de eleição direta.

Por outro lado, o Colégio Eleitoral também torna muito menos provável a eleição de um candidato com base estritamente regional, uma vez que nenhuma região dos Estados Unidos, sozinha, reúne votos eleitorais suficientes para determinar a eleição de um presidente.

Ainda, em relação ao sistema federativo americano, os redatores da Constituição vislumbraram na divisão de poder entre os governos estaduais e o nacional uma salvaguarda importante das liberdades individuais. Porém, atualmente a tendência nos Estados Unidos é que o governo federal assuma, a cada vez mais, o poder em áreas que tradicionalmente eram de responsabilidade dos Estados. Assim, uma eventual supressão do sistema do Colégio Eleitoral arruinaria um dos principais pilares de uma estrutura política que, a despeito das críticas, tem resistido e superado os desafios no decorrer de mais de 220 anos.

7.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA

O sistema do colégio eleitoral atribui pesos diferentes para os votos: segundo o desenho atual, os votos dos Estados menores "valem" mais. Um eleitor dos Estados de Montana ou Dakota do Norte "vale" matematicamente muito mais que um voto de um eleitor dos Estados maiores, como Califórnia ou Texas.

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O Modelo "Winner-takes-all" – o vencedor leva tudo - cria uma uniformidade local que, na verdade, não existe, uma vez que o candidato derrotado, mesmo tendo uma percentagem dos votos, não tem direito a nenhum delegado.

Esse sistema dificulta o surgimento de um terceiro partido. Na verdade, a base do sistema aponta para o bipartidarismo, já que, com um terceiro partido forte, ficaria muito difícil satisfazer a exigência da maioria absoluta para eleição do Presidente [14].

Há o risco de se eleger um presidente "minoritário", ou seja, que tenha tido menos votos populares, mas tenha sido vitorioso no Colégio Eleitoral.

Há também a possibilidade da ocorrência do chamado faithless elector (delegado infiel). É o caso de um delegado comprometido com um candidato, mas que, no Colégio Eleitoral, vota em outro candidato. Todavia, os votos desses delegados nunca chegaram a alterar o resultado final de nenhuma eleição.

Em geral, nas democracias vigora a regra que a maioria delibera; todavia, nas eleições presidenciais americanas nem sempre quem obtém a maioria dos votos populares será o vencedor. Este será aquele que obtiver a maioria dos votos dos delegados no Colégio Eleitoral. É o que ocorreu na eleição de 2000, em que o candidato Al Gore, embora tenha obtido cerca de 500 mil votos a mais, perdeu a eleição para George W. Bush, em face dos problemas de contagem de votos no Estado da Flórida [15].

Como regra, os eleitores votam em seus candidatos a presidente; nos Estados Unidos, o voto é dado aos delegados do Colégio Eleitoral nos Estados.


8) CONCLUSÃO

Na prática, os Estados Unidos não têm um único sistema eleitoral, mas dois: um para o Presidente da República e outro para os membros do Congresso, e ambos contribuem para a descentralização do poder.

A eleição presidencial não é uma eleição "nacional" em que vence o candidato que obtiver a maioria dos votos populares em toda a nação. É uma eleição federal que outorga a Presidência da República ao candidato que obtiver a maioria (270) dos votos dos 538 delegados do Colégio Eleitoral.

O número de 538 diz respeito ao número de parlamentares da Câmara e do Senado, mais 3 representantes do Distrito de Colúmbia. Os Estados têm um voto eleitoral para cada um de seus delegados no Colégio Eleitoral, e cada Estado tem tantos delegados quantos forem suas cadeiras no Congresso. Os Estados menores – com apenas 1 deputado federal e 2 senadores – têm apenas 3 votos no Colégio Eleitoral. O maior Estado, a Califórnia, tem direito a 55 delegados.

Os eleitores votam em listas partidárias para eleger os delegados ao Colégio Eleitoral. Após a eleição, os delegados do Colégio Eleitoral de cada Estado reúnem-se na Assembléia Estadual para efetuar a votação para Presidente. Na verdade, o Colégio Eleitoral nunca se reúne por inteiro.

Uma vez que os candidatos que obtiverem a maioria dos votos em um Estado levam todos os delegados daquele Estado, muitos candidatos descentralizam suas campanhas, orientando-as para determinados Estados, e não para a nação como um todo.

De igual forma, o sistema eleitoral para o Congresso também incentiva a descentralização, já que, ao contrário da maioria das democracias ocidentais, em que as cadeiras são obtidas pelo voto proporcional, nos Estados Unidos os membros do Congresso Nacional são eleitos pelo voto majoritário. Vários candidatos concorrem a uma única cadeira, sendo eleito aquele que conseguir a maioria dos votos. Já que o mandato é obtido individualmente, isso os incentiva apoiar os interesses locais de seus Estados e distritos, quando entram em conflito com temas de interesses nacionais.

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Sobre o autor
João Francisco Neto

Meste e Doutorando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCISCO NETO, João. O sistema eleitoral norte-americano e a eleição presidencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1879, 23 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11640. Acesso em: 28 mar. 2024.

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