Apostar, fraudar e punir: a Operação Penalidade Máxima sob a ótica penal, desportiva e trabalhista

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06/12/2025 às 02:34

Resumo:


  • O estudo analisa as repercussões jurídicas da manipulação de eventos periféricos em partidas de futebol, confrontando a tipicidade penal com as sanções trabalhistas e desportivas.

  • A análise jurisprudencial revela divergências sobre a tipicidade da conduta de forçar cartão amarelo visando lucro em apostas, com o STF considerando a conduta atípica.

  • A absolvição criminal não isenta o atleta das esferas trabalhista e desportiva, podendo resultar em demissão por justa causa e imposição de multas severas, como a Cláusula Indenizatória Esportiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Elthon José Gusmão da Costa1

Resumo: O presente estudo analisa as repercussões jurídicas da manipulação de eventos periféricos em partidas de futebol (especificamente cartões amarelos) no contexto da "Operação Penalidade Máxima", confrontando a tipicidade penal com as sanções trabalhistas e desportivas sob a égide da Lei nº 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte - LGE) e da Lei nº 14.790/2023 (Lei das Apostas de Quota Fixa). A problemática central reside na interpretação do elemento subjetivo do tipo penal previsto no art. 198 da LGE: "alterar ou falsear o resultado de competição esportiva". A análise jurisprudencial revela uma divergência inicial: enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sustentou a tipicidade da conduta argumentando que o número de cartões constitui critério de desempate em campeonatos. a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RHC 238.757, firmou o entendimento pela atipicidade penal da conduta de forçar cartão amarelo visando lucro em apostas. A Corte Suprema entendeu que tal ato, embora reprovável, não possui o dolo específico de alterar o resultado numérico da partida ou a classificação final do torneio, trancando a ação penal por falta de justa causa. Entretanto, o estudo demonstra que a absolvição criminal não blinda o atleta nas esferas trabalhista e desportiva, dada a autonomia das instâncias. A doutrina trabalhista aponta que a conduta configura ato de improbidade ou mau procedimento, justificando a demissão por justa causa, independentemente do desfecho criminal, salvo em casos de negativa de autoria ou de inexistência do fato. Por fim, destaca-se a severidade do regime trabalhista imposto pela nova LGE. O art. 86, inciso I, alínea "b", inverte a lógica da cláusula compensatória desportiva: em caso de rescisão por justa causa, é o atleta quem deve indenizar o clube. Se o jogador retornar à atividade profissional em qualquer organização esportiva no prazo de 30 meses, ele e o novo clube respondem solidariamente pelo pagamento da cláusula, que pode chegar a 2.000 vezes o valor do salário médio contratual. Conclui-se que, embora a conduta possa ser penalmente atípica, o ordenamento jurídico impõe um risco de "banimento financeiro" indireto e de sanções disciplinares rigorosas visando à proteção da integridade e da incerteza do resultado esportivo.

Palavras-chave: Manipulação de Resultados. Lei Geral do Esporte. Justa Causa. Cláusula Indenizatória Esportiva. Atipicidade Penal.

  1. Introdução

Quanto à ascensão das chamadas bets no Brasil, Veloso, em breve histórico, assim discorre:

Durante 1930 e 1940, cassinos eram comuns no Brasil, com mais de 70 casas de apostas funcionando no país34. A mesa virou no dia 30 de abril de 1946, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra sancionou o Decreto Lei n° 9.215, que pôs fim aos jogos de azar em todo o território nacional por serem considerados contrários à "tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro" Cerca de 20 anos depois, no ano de 1967, foi promulgado o Decreto-Lei n° 204, responsável por permitir apostas na Loteria Federal, criando, assim, a (até então) única exceção à regra de proibição aos jogos de azar.

Após algumas décadas, o cenário brasileiro mudou novamente. Em 12 de dezembro de 2018, o Presidente na ocasião, Michel Temer, sancionou a Lei n° 13.756, norma responsável por legalizar as bets, ou seja, as apostas de quota fixa de eventos esportivos no Brasília. Apesar da legalização, a Lei estabeleceu a necessidade de regulamentação dessa atividade pelo Ministério da Fazenda no prazo de até dois anos (prorrogável por mais dois).

Transcorridos os dois anos previstos para a regulamentação da lei, nada foi feito. Passados mais dois anos (atingindo-se, desta forma, o limite máximo de quatro anos estabelecido pela Lei n° 13.756/2018 para sua regulamentação), o vácuo legislativo permanecia. Diante disso, o setor de apostas online encontrou terreno fértil para crescer. Estima-se que entre junho de 2023 e junho de 2024, foram gastos 68 bilhões em sites de bets - montante equivalente a 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Junto com esse impressionante crescimento, relatos de problemas sociais também emergiram. Diversas pesquisas e veículos jornalísticos passaram a veicular dados e notícias sobre o aumento de apostas por parte dos brasileiros e o impacto disso em sua saúde financeira.

Em 2023, o governo federal buscou tomar as rédeas da situação, com a publicação da Lei n° 14.790, de 29 de dezembro de 2023. (in DIAS; LOQUES, 2025, p. 46-47)

Aposta, segundo Loques

é um ato no qual se transfere determinado valor em dinheiro, "em risco", na expectativa de obtenção de um prêmio. Em primeiro lugar, deve-se diferenciar a aposta como ato e o contrato de prestação de serviços entre o apostador e consumidor, já que apostar não é um ato isolado, mas um dos elementos que compõe a prestação do serviço de aposta de quota fixa. No setor que se está analisando, a aposta é o ato que concretiza a obrigação do apostador-consumidor no contrato, enquanto a do agente operador se dá no fornecimento do serviço e administração dos elementos a ele correlacionados. Essa dinâmica obrigacional forma o contrato de prestação de serviço de apostas de quota fixa. A aposta se materializa, portanto, quando da efetiva transferência do dinheiro do apostador ao agente operador, quando esta passa a estar "em risco", na expectativa de obter o prêmio. (LOQUES, 2025, p. 19)

Quanto à quota fixa, Martinelli assim dispõe:

(...) é um termo usado para descrever a relação entre o valor apostado e o possível retorno em uma aposta, que permanece constante e previamente definida. Quando um apostador faz uma aposta de quota fixa, ele recebe uma odd específica que determina o lucro potencial caso a sua previsão se concretize. Por exemplo, se um apostador aposta R$100 em um evento com uma quota de 3,0, ele saberá que, se ganhar, receberá R$300 (R$100 apostados multiplicados pela quota) como retorno total, que inclui seu investimento inicial e o lucro. A principal vantagem da quota fixa é a clareza que proporciona ao apostador, permitindo-lhe calcular seu possível ganho antes mesmo de o evento ocorrer.

Para fins de jogos de aposta legalizados, o termo quota fixa (ou "aposta de quota fixa") refere-se a um modelo de aposta em que as odds (ou cotas) são determinadas no momento em que a aposta é feita e permanecem inalteradas, independentemente do que aconteça até o desfecho do evento. Esse modelo é amplamente utilizado em apostas esportivas e outros jogos de azar regulamentados, em que o apostador conhece de antemão o valor exato do prêmio potencial, calculado com base na cota ou multiplicador fixo, que é ajustado de acordo com a probabilidade de um determinado resultado ocorrer. (MARTINELLI, 2025, p. 18)

A recente regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil, somada à promulgação da Lei Geral do Esporte2, criou um novo ecossistema jurídico. Este cenário foi colocado à prova pela "Operação Penalidade Máxima", que revelou como a manipulação de eventos secundários (como cartões amarelos) desafia a interpretação tradicional dos tipos penais, gerando consequências distintas nas esferas criminal, trabalhista e desportiva.

A integridade do esporte depende da imprevisibilidade do resultado. Para proteger esse princípio, a Lei nº 14.790/2023 (Lei das Apostas de Quota Fixa)3 estabeleceu vedações rigorosas. O artigo 264 desta lei proíbe expressamente que certas pessoas participem, direta ou indiretamente, na condição de apostador.

O rol de impedidos é taxativo e inclui qualquer pessoa que "tenha ou possa ter qualquer influência no resultado de evento real de temática esportiva". Isso abrange especificamente: (i) Atletas participantes de competições organizadas por entidades do Sistema Nacional do Esporte; (ii) Dirigentes desportivos, técnicos, treinadores e integrantes de comissão técnica; (iii) Árbitros e seus assistentes; e (iv) Empresários e agentes de atletas.

A lei determina que as apostas realizadas em desacordo com essas regras são nulas de pleno direito. Além disso, os operadores de apostas (as "Bets") têm o dever legal de informar esses impedimentos de forma destacada em seus canais e de implementar mecanismos de reconhecimento facial para verificar a identidade dos apostadores, visando impedir fraudes e a participação de menores ou impedidos.

  1. A esfera criminal: A Lei Geral do Esporte e a "Incerteza do Resultado"

Enquanto a Lei 14.790 foca na regulação administrativa e econômica, a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023) define os crimes contra a integridade esportiva. O artigo 198 tipifica a conduta de "solicitar ou aceitar vantagem ou promessa de vantagem para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado" (BRASIL, 2023a).

Em análise do artigo 198, Piakoski e Netto fazem os seguintes apontamentos:

(...) O bem jurídico penalmente tutelado pelo tipo penal é a integridade e a honestidade das competições esportivas, voltado a preservar a lisura e a autenticidade dos resultados. (...) O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa com capacidade de alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva ou evento a ela associado e que solicite ou aceite, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial, ou não patrimonial, para esse fim. Trata-se, portanto, de crime comum. O sujeito passivo é a entidade ou organização responsável pela realização da competição esportiva ou evento a ela associado, a equipe envolvida, ou demais pessoas cujo interesse e expectativa foram afetados pela possível alteração ou falsificação do resultado esportivo ou evento a ele associado. (...) A tipicidade subjetiva do tipo (dolo), envolve a vontade consciente de solicitar ou aceitar a vantagem com a finalidade de alterar ou falsear o resultado da competição esportiva ou evento a ela associado através de um ato ou omissão. (In HAMMERSCHMIDT, Denise (coord.), 2023)

A pena prevista é de reclusão de 2 a 6 anos e multa. Este dispositivo substituiu o antigo art. 41-C do Estatuto do Torcedor, mantendo a continuidade normativo-típica.

O Ministério Público de Goiás (MP-GO), através do GAECO, denunciou diversos atletas, como Igor Aquino da Silva (Igor Cárius), Jonathan Doin (Paulo Miranda) e Eduardo Bauermann. A denúncia descreve uma organização criminosa dividida em núcleos (Financiadores, Apostadores, Intermediários e Administrativo) que oferecia valores entre R$ 50.000,00 e R$ 500.000,00 para que atletas manipulassem eventos específicos (pênaltis, cartões amarelos ou vermelhos) (GOIÁS, 2023).

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No caso específico de Igor Aquino e Jonathan Doin, a acusação era de aceitar vantagem (cerca de R$ 50.000,00 a R$ 60.000,00) para forçar o recebimento de cartões amarelos em partidas da Série A do Brasileirão de 2022, visando beneficiar apostas.

A controvérsia jurídica central residiu na interpretação do elemento subjetivo do tipo penal: o cartão amarelo altera o "resultado" da competição?

Para os professores Leonardo Schmitt de Bem e Bruno Gilaberte:

À época do comportamento, ainda vigorava o Estatuto de Defesa do Torcedor, mas consideremos a hipótese no contexto da Lei Geral do Esporte. A oferta e a consectária aceitação de vantagem ou promessa de vantagem para alterar ou falsear o resultado configuram crimes dos arts. 198 e 199 da Lei Geral do Esporte. No jogo em que Bauermann deveria receber o carão vermelho, contudo, já não se falava em dação, promessa, recebimento ou aceitação de vantagem. Assim, impõe-se verificar se o comportamento adequar-se-ia ao art. 200. No que tange à fraude para recebimento do valor decorrente da aposta realizada, consideramos que há crime impossível, pois a conduta praticada (cartão vermelho após a partida) não era apta ao atingimento da finalidade almejada. Delito putativo, portanto. Entrementes, entendemos que as apostas esportivas não são um evento associado à competição, de modo que - ainda que a conduta fosse potencialmente eficaz - no máximo existiria estelionato, na forma tentada. Incumbe analisar, portanto, se o recebimento da punição tinha aptidão para alterar o resultado da competição esportiva em si, já que não houve afetação de nenhum evento associado. E, no caso concreto, a resposta é positiva. Embora o resultado do jogo, que já é uma competição esportiva em si, não tenha sido afetado, o termo competição se estende também ao campeonato como um todo e, naquela competição, o número de cartões vermelhos era critério de desempate (juntamente com outros, como número de vitórias, saldo de gols etc.). Portanto, tecnicamente existiria a possibilidade de configuração do crime do art. 200 da Lei Geral do Esporte. (GILABERTE; BEM, 2023, p. 160)5

O Superior Tribunal de Justiça (STJ)6 e o relator original no STF (Min. André Mendonça)7 inicialmente sustentaram a tipicidade e negaram o trancamento da ação. Argumentou-se que a "competição esportiva" é mais ampla do que o placar do jogo. Como o número de cartões amarelos seria o 6º critério de desempate no regulamento do campeonato, a conduta teria, em tese, capacidade de alterar a classificação final do torneio.

A defesa, em sede de Agravo Regimental, argumentou que o tipo penal exige o dolo específico de fraudar o resultado (vitória/derrota/empate). No caso dos cartões, o objetivo dos apostadores seria de apenas lucrar com um evento paralelo (propter rem) que mantinha a incerteza do resultado final da partida intacta.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento finalizado em 02/12/2025 (BRASIL, 2025), acolheu essa tese, concedendo a ordem para trancar a ação penal contra Igor Aquino por manifesta atipicidade. O entendimento vencedor (redator Min. Gilmar Mendes) foi de que a conduta individual de levar um cartão amarelo, embora reprovável, não preenchia o requisito de "alterar o resultado da competição" exigido pela norma penal estrita, pois o cartão é um critério de desempate remoto e a ação visava apenas o lucro na aposta, sem dolo de alterar o placar.

Essa decisão gerou pedidos de extensão imediatos para outros atletas em situação idêntica, como Jonathan Doin (Paulo Miranda), sob o argumento de isonomia processual, já que a denúncia narrava exatamente a mesma estrutura fática para ambos (recebimento de vantagem para cartão amarelo).

  1. A autonomia das instâncias: punição desportiva

O trancamento da ação penal pelo STF não significa impunidade total. O ordenamento jurídico brasileiro permite a responsabilização independente nas esferas desportiva e trabalhista.

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) possui tipos infracionais próprios no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)8. Mesmo que a conduta seja considerada atípica na esfera penal, ela configura infração administrativa grave:

  1. Art. 243 do CBJD: "Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende".

  2. Art. 242 do CBJD: Dar ou prometer vantagem indevida.

Enquanto a esfera penal debatia a tipicidade, o STJD condenou severamente os atletas. Jonathan Doin (Paulo Miranda) foi suspenso por 500 dias e multado em R$ 35.000,00. O atleta Gabriel Tota foi banido (pena de eliminação) e multado. O STJD entendeu que, ao receber dinheiro para levar cartão, o atleta atuou contra os interesses de sua equipe, independentemente do resultado final do jogo (STJD, 2023).

  1. O vínculo trabalhista: A justa causa e a "multa invertida"

Para além das sanções criminais e disciplinares, o envolvimento de atletas em manipulação de resultados gera graves repercussões no contrato de trabalho. A Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) oferecem o arcabouço jurídico para a rescisão contratual por justa causa, um cenário que impõe ao jogador não apenas a perda do emprego, mas também uma dívida milionária perante o clube.

A conduta de um atleta que aceita vantagem financeira para forçar cartões enquadra-se em atos de improbidade (desonestidade visando vantagem patrimonial) ou mau procedimento (quebra da ética contratual e ofensa à dignidade).

É fundamental destacar que a absolvição na esfera criminal (como a atipicidade reconhecida pelo STF no caso dos cartões amarelos) não impede a demissão por justa causa na esfera trabalhista. A responsabilidade trabalhista é independente da criminal. Apenas uma sentença criminal que negue categoricamente a existência do fato ou a autoria vincularia a Justiça do Trabalho.

Segundo o Ministro Sérgio Pinto Martins:

Reconhecido pelo juízo criminal que não houve o fato material, fica impedida a discussão no processo do trabalho do referido fato, aplicando-se, nesse caso, o art. 925 do Código Civil. Quando não houver um reconhecimento categórico da inexistência material do fato no juízo criminal, poder-se-á discuti-lo no processo do trabalho. Absolvido o réu por inexistir prova da existência do fato, pode-se provar a existência dele no processo do trabalho. Se o réu é absolvido em razão de o fato não constituir infração penal, é possível discutir no processo do trabalho o fato que poderia constituir-se num ilícito trabalhista.

Caso o juízo criminal esclareça que o fato não é crime, não se pode discutir no processo trabalhista a existência do crime. A justa causa pode ser caracterizada em outra alínea do art. 482 da CLT, por outro conjunto de fatores. Exemplo pode ser de que não há crime, mas existiu indisciplina, desídia etc., dependendo do caso, não caracterizando o ato improbidade ou ato lesivo da honra ou da boa fama.

Se o juiz criminal reconhecer a negativa da autoria, não caberá a discussão sobre o fato no processo do trabalho. Se não houver prova suficiente da autoria do crime, nada impede a discussão do fato no processo do trabalho quanto à existência da justa causa. (MARTINS, 2025, p. 23)

Como no caso da "Operação Penalidade Máxima" o fato (recebimento do cartão e negociação) é muitas vezes incontroverso e provado por mensagens e transferências bancárias, a justa causa pode ser mantida mesmo sem condenação penal.

Nesse ínterim, a Lei Geral do Esporte (LGE) inovou ao prever um mecanismo severo de ressarcimento ao clube em casos de demissão por justa causa. Tradicionalmente, as multas rescisórias são pagas pelo empregador ao empregado, mas a lógica se inverte aqui.

O artigo 86 da Lei nº 14.597/20239 estabelece a Cláusula Indenizatória Esportiva, que é devida à organização esportiva (clube). Segundo o inciso I, alínea "b" desse artigo, essa indenização deve ser paga se houver o "retorno do atleta às atividades profissionais em outra organização esportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses" após a rescisão.

Isso significa que, se o atleta for demitido por justa causa (por envolvimento em apostas, por exemplo) e for contratado por qualquer outro time dentro de dois anos e meio, ele (e solidariamente o novo clube) terá que pagar essa multa ao clube anterior.

Essa previsão cria um "passivo" gigantesco para o jogador. Na prática, inviabiliza sua contratação por outras equipes durante o período de 30 meses, pois o novo clube não aceitará assumir solidariamente uma dívida que pode chegar a milhões de reais, funcionando como uma espécie de banimento indireto do mercado de trabalho.

  1. Conclusão

O cenário atual demonstra uma clara distinção na repressão à manipulação esportiva. A Lei 14.790/2023 foca na prevenção administrativa. A Lei Geral do Esporte reserva a sanção penal (prisão) para casos onde há dolo direto de fraudar o placar ou o resultado final da competição.

Contudo, as consequências mais devastadoras para o atleta que manipula eventos periféricos (como cartões) podem não vir do Direito Penal, mas sim do Direito do Trabalho e do Direito Desportivo. Além da suspensão pelo STJD, o atleta enfrenta a demissão por justa causa e a aplicação da Cláusula Indenizatória Esportiva, que pode obrigá-lo a pagar até 2.000 vezes o seu salário caso tente jogar em outro clube nos 30 meses seguintes à demissão, encerrando, na prática, carreiras promissoras.

  1. Referências

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Disponível em: https://stjdcba.org.br/assets/arquivos/CBJD.pdf. Acesso em: 06 dez. 2025.

BRASIL. Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023a. Institui a Lei Geral do Esporte. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14597.htm. Acesso em: 06 dez. 2025.

BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023b. Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa; altera as Leis nºs 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e 13.756, de 12 de dezembro de 2018; revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm. Acesso em: 06 dez. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 861.121/GO. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. Brasília, DF, 20 fev. 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 238.757/GO. Redator para o Acórdão: Ministro Gilmar Mendes. Segunda Turma. Brasília, DF, 02 dez. 2025.

BEM, Leonardo Schmitt de; GILABERTE, Bruno (org.). Crime e esporte: Lei Geral do Esporte, Tipos Penais e Condutas Correlatas. Belo Horizonte: D’Plácido, 2023.

DIAS, Daniel; LOQUES, Luiz César Martins (Coord.). Bets: a regulação do mercado de apostas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025.

GOIÁS. Ministério Público do Estado de Goiás. Denúncia - Autos n. 5452324-26.2023.8.09.0051. Goiânia: GAECO, 2023.

HAMMERSCHMIDT, Denise (coord.). Crimes da lei geral do esporte: homenagem a Edson Arantes do Nascimento – PELÉ. Curitiba: Juruá, 2023.

LOQUES, Luiz César Martins. Direito e Regulação das Apostas no Brasil. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025.

MARTINELLI, João Paulo. Lei das Bets (Lei 14.790/2023): comentários à nova lei das bets de acordo com os regulamentos do Ministério da Fazenda. 1. ed. Belo Horizonte; São Paulo: D’Plácido, 2025.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual da justa causa. 8. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2025.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA (STJD). Acórdão Processo nº 0106/2023 - Operação Penalidade Máxima II. Relatora: Adriene Silveira Hassen. Rio de Janeiro, 2023.

Sobre o autor
Elthon José Gusmão da Costa

Advogado trabalhista e desportivo. Master em International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía - ISDE). Professor. Palestrante. Organizador e autor de artigos e livros jurídicos. Membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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