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A não incidência do ICMS na aquisição de bens ou mercadorias decorrentes de contratos internacionais de arrendamento mercantil (leasing)

01/09/2008 às 00:00
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1 – Intróito

Temos como objeto do presente trabalho estabelecer um processo dialético sobre a incidência ou não do ICMS na importação de bens ou mercadorias sob a tutela dos contratos de arrendamento mercantil de natureza internacional, também conhecidos como contratos de leasing. Trata-se de um questionamento jurídico de grande repercussão, tendo em vista os grandes debates doutrinários sobre o assunto, bem como sua jurisprudência.

Tal discussão ganhou grande relevância após a modificação (abaixo transcrita) perpetrada pela Emenda Constitucional nº 33/01 – EC nº 33/01 que alterou a antiga redação do art. 155, § 2º, inciso IX, letra "a" [01], fazendo, supostamente, incidir o ICMS:

"a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço".

Infere-se da dicção do dispositivo constitucional acima citado que houve um alargamento da hipótese de incidência do ICMS, permitindo, inclusive, sua incidência sobre aquisição de bens ou mercadorias importadas por pessoa física ou jurídica, ainda que contribuinte não habitual do referido tributo, sendo caracterizada sua hipótese de incidência, segundo a argumentação do Fisco, com a mera entrada no país do produto importado, independentemente do regime contratual adotado.

Foi com base nesse entendimento que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Re nº 206.069/SP [02], julgou no sentido de que o ICMS incidiria sobre a entrada de mercadoria importada, independentemente da natureza jurídica do contrato celebrado, sendo seguido, posteriormente, pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ (Resp nº 822.868/SP), apesar deste Tribunal já haver sedimentado sua jurisprudência no sentido da não incidência do ICMS nos contratos de leasing internacional.

Sob um enfoque rígido, caracterizando-se o perfil constitucional (regra-matriz de incidência) do ICMS, demonstraremos que não há a ocorrência de evento no mundo fenomênico, considerado necessário e suficiente para fazer incidir a norma constituidora do fato jurídico tributário que enseje o recolhimento do aludido tributo, em que pese o julgamento do STF favorável ao Fisco, como iremos demonstrar.


2 – Perfil Constitucional do ICMS

A Constituição Federal – CF descreveu de forma minuciosa o arquétipo constitucional dos tributos, os quais são instituídos pelos entes federativos, entre eles os Estados. Nossa Carta Magna, no caso específico do ICMS, delimitou de forma bastante cuidadosa sua regra-matriz de incidência, sendo esta composta, segundo Paulo de Barros Carvalho [03] da: hipótese (critério material, espacial, temporal) e conseqüente (critério pessoal e quantitativo).

O estudo do instituto da regra-matriz dos tributos é de suma importância para identificarmos os seus contornos e respectivos campos de incidência. Especificamente no caso do ICMS, pretendemos identificar o critério necessário, melhor dizendo, quais as notas ou propriedades que os eventos ocorridos no mundo social devam exteorizar para ensejar a constituição do fato jurídico tributário para que se estabeleça uma relação jurídica entre Fisco e Contribuinte.

Vimos que a regra-matriz de todo e qualquer tributo, necessariamente, delineia seu campo de incidência numa dada ocasião, determinando quais os elementos que devam estar presentes para que esteja configurada a necessidade de se recolher o tributo, exemplificamos da seguinte maneira: o antecedente nos fornece o fato jurídico que enseja a tributação, além do critério espacial, onde identificamos em qual território deve ocorrer o fato jurídico, há também o critério temporal que nos fornece quando deverá ser recolhido o tributo. Já no conseqüente da norma tributária temos o critério pessoal, que determina quem deverá recolhê-lo e também o critério quantitativo, que delineia monetariamente o quantum a ser recolhido.

Diante das premissas aqui expostas, ainda que de forma breve, elegemos o critério material como sendo fundamental para definirmos, de forma correta e de acordo com os parâmetros constitucionais fornecidos, o fato imponível do ICMS. Tal critério é de suma importância, tendo em vista que determina a conduta humana (por exemplo: auferir renda, ser proprietário, importar mercadorias) responsável por representar os contornos previstos no antecedente da norma tributária. Insistimos, assim, ser o critério material o elemento que nos fornece o evento que irá provocar, desde que relatado em linguagem jurídica competente (emissão de nota fiscal, preenchimento de DARF´s etc), a cobrança de dada exação, in casu, o ICMS. Lecionando de forma objetiva, assim se manifestou sobre a importância do critério material o saudoso Geraldo Ataliba [04]: "É o mais importante aspecto, do ponto de vista funcional e operativo do conceito (de h. i. [05]) por que, precisamente, revela sua essência, permitindo sua caracterização e individualização, em função de todas as demais hipóteses de incidência. É o aspecto decisivo que enseja fixar a espécie tributária a que o tributo (que a h.i. define) pertence".

2.1 – Elementos necessários para a constituição do fato jurídico passível de tributação pelo ICMS, antes do advento da EC nº 33/01

Toda norma jurídica, como a regra-matriz de incidência, é composta de unidades menores, denominadas de signos lingüísticos, que possuem um significado, na medida em que objetivam expressar algo: um comando, um comportamento e etc. Desta forma, a regra-matriz do ICMS, também é composta de unidades que servirão de base para identificarmos o real alcance da incidência daquele tributo no ato de aquisição de bens ou mercadorias, via leasing internacional.

A Constituição outorga aos Estados a possibilidade de instituir o ICMS, conforme disciplina o art. 155, inciso II:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior."

Diante do exposto, inferimos que o aspecto material, previsto no antecedente da norma geral e abstrata, é de fundamental importância para constatarmos a não incidência do ICMS na aquisição de bens ou mercadorias, decorrentes dos contratos de leasing internacional.

Temos no art. 155, inciso II, algumas notas que demonstram, inicialmente, os elementos que devam estar presentes para considerarmos constituído o fato jurídico tributário do ICMS. Considerando a vasta doutrina sobre o assunto [06], podemos afirmar categoricamente, que antes do advento da EC nº 33/01, a operação de circulação de mercadorias com a respectiva transferência de titularidade era o fator decisivo para ficar consumada a incidência do ICMS. Ives Gandra da Silva Martins [07] ao dissertar sobre os requisitos necessários à configuração da materialidade do ICMS cita as conclusões do I Congresso Brasileiro de Direito Tributário, vejamos: "a) a transferência de titularidade [08], b) do bem tido por mercadoria, c) num processo mercantil, d) da produção ao consumo".

Desta forma, temos que mediante uma interpretação em conjunto dos termos utilizados pelo legislador constituinte o fato imponível do ICMS, antes do advento da EC nº 33/01, era caracterizado pela operação de circulação de bens, tidos como mercadorias, decorrentes de um processo mercantil, tendo como conseqüência a transferência de titularidade entre as partes envolvidas.

Conclui-se assim, ser imprescindível haver a circulação de mercadorias, circulação esta entendida como a transferência de titularidade entre as partes envolvidas, ou seja, não havendo a venda da mercadoria, mas apenas sua circulação física, não se pode afirmar ter havido fato jurídico da tributação pelo ICMS. No caso em questão, contratos de leasing, há somente a presença de alguns elementos. Os bens adquiridos, via arrendamento mercantil internacional, não podem ser considerados sequer como mercadorias, tendo em vista que não decorrem de ato de compra e venda.

No caso do ICMS a transferência de titularidade é a aquisição dos direitos inerentes à propriedade, é ter o domínio sobre a coisa, é o poder de usar, gozar, fruir e dispor de algo. Tais características de forma alguma estão presentes na aquisição de bens ou mercadorias, decorrentes do leasing internacional, uma vez que o arrendatário, apesar de utilizar o bem, não é proprietário do mesmo, uma vez que não poderá dispor daquele bem, a não ser que exerça a cláusula de compra, ao término do contrato.

Também Geraldo Ataliba [09] já afirmara tal entendimento: "Circulação não é um conceito econômico para o texto constitucional e para o intérprete da Constituição. Circulação em Direito quer dizer coisa muito precisa, e muito sabida e universal no campo do Direito, na literatura jurídica. Circulação quer dizer ‘mudança de titularidade’. E tão radical é a diferença entre circulação no Direito e Economia, que para a Economia é evidente que os imóveis não circulam, nem para geografia. Para o Direito os imóveis circulam e circulam muito, conforme o caso, porque circular, em Direito, quer dizer mudar de titular".

Logo, ainda não vislumbramos qualquer nota que faça constituir obrigação tributária para o contribuinte do ICMS. Inclusive, os Tribunais superiores possuíam o mesmo entendimento, qual seja, a aquisição de produtos por contratos de leasing, ainda que internacionais, não geravam obrigação de recolher tributo. A própria Lei Complementar – LC nº 87/96 (art. 3º, inciso VIII), afirma que o ICMS não incide sobre "operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário".

2.2 – Hipótese de incidência do ICMS após a EC Nº 33/01

Como já afirmado, foi publicada a EC nº 33/01 com o intuito de introduzir novos elementos à hipótese de incidência do ICMS e seguindo mais uma vez as assertivas de Ives Gandra da Silva Martins [10], com as quais concordamos integralmente, a referida Emenda Constitucional inovou o ordenamento jurídico com os seguintes elementos: possibilidade do ICMS incidir na importação de bem (independente de ser tido como mercadoria), realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que contribuintes não habituais e por fim, a prescindibilidade da finalidade da importação.

Veremos que apesar das substanciais alterações, estas em hipótese alguma, alteraram o regime, para fins tributários, da importação de bens ou mercadorias realizadas mediante contratos de arrendamento mercantil internacional. Transcrevemos a atual hipótese de incidência do ICMS, prevista na Constituição:

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"Art.155:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

§ 2º (...)

IX - incidirá também:

a) sobre entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviços".

Partindo de uma interpretação [11] sistemática das disposições acima transcritas temos que, apesar das alterações ou inclusões periféricas à hipótese de incidência do ICMS, pensamos que seu núcleo normativo continua intocado no caso específico das importações via leasing, pois deve-se operar a necessária transferência de titularidade entre as partes, com pleno exercício do poder de propriedade, assim, temos que a hipótese de incidência do aludido tributo, tendo em vista o objeto do presente trabalho, é a partir da vigência da EC nº 33/01 o seguinte: entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que contribuinte não habitual, qualquer que seja a finalidade e que configure transferência de titularidade, inclusive domínio ilimitado, com características inerentes à propriedade (gozo, uso, fruição, disponibilidade).

Alberto Xavier [12] justifica: "Em primeiro lugar, deve ter-se presente que a Constituição descreve a hipótese de incidência deste tributo como sendo a operação relativa à circulação em si mesma considerada. A ênfase posta no vocábulo ‘operação’ revela que a lei apenas pretendeu tributar os movimentos de mercadorias que sejam imputáveis a negócios jurídicos translativos da sua titularidade".

Não há como interpretar a nova dicção da letra "a", inciso IX, § 2º, do art. 155, de forma isolada, eis que atividade do intérprete e aplicador da lei é atribuir sentido às normas, percorrendo todo o universo jurídico a fim de revelar a melhor construção normativa. Paulo de Barros Carvalho [13] elucida tal questão ao afirmar: "Se todo o trabalho desenvolvido no processo de geração de sentido tem sua importância, proposição que paira acima de qualquer dúvida, surge essa última etapa como seu aperfeiçoamento, como a coroação do desempenho construtivo levado a cabo pelo agente do conhecimento. Tendo a tarefa interpretativa caminhado pelos meandros do ordenamento, primeiramente à cata de sentidos isolados de fórmulas enunciativas, para depois agrupá-las consoante esquema lógico específico e satisfatoriamente definido...". Portanto, não há, como pretendem os Fiscos estaduais, isolar a disposição normativa relatada no presente parágrafo de todo um contexto constitucional.

Por fim, abordaremos no próximo tópico o contrato de arrendamento mercantil, tendo em vista que este, em hipótese alguma (salvo no caso do exercício do termo de compra do bem ou mercadoria) caracteriza fato imponível do ICMS.


3 -

Arnoldo Wald [14] com a propriedade que lhe é inerente, assim conceitua os contratos de leasing: "Contrato misto, pelo qual um financiador adquire e aluga a uma empresa bens de equipamento ou de uso profissional, móveis ou imóveis, a prazo longo ou médio, facultando-se ao locatário a aquisição dos mesmos pelo preço residual".

Orlando Gomes [15], apesar de reconhecer tratar-se de "uma operação financeira destinada a proporcionar aos empresários o acesso aos bens de produção", o caracteriza como um contrato "mais próximo da locação, cujas regras se lhe aplicam se não há próprias".

A definição legal trazida pelo parágrafo único, artigo 1º, da Lei nº 6.099/74, alterado pela Lei nº 7.132/83 define o contrato de leasing como:

"

Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta". A mesma legislação, em seu artigo art. 5º, disciplina as disposições que devem conter nos aludidos contratos, veja-se:

"Art 5º Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:

a) prazo do contrato;

b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a um semestre;

c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário;

d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula."

Independente da espécie de leasing utilizada (financeira, operacional e outras) podemos atribuir a esses contratos uma natureza mista que ao mesmo tempo envolve a locação de bens móveis, financiamento e a eventual compra do bem financiado, no caso de exercício do termo de opção de compra pelo arrendatário. É de uma clareza hialina que o aludido contrato, salvo no caso de compra do bem arrendado, não revela notas que ensejariam a transferência de titularidade, bem como o domínio de qualquer bem ou mercadoria, objeto do contrato em questão. Mais uma vez, não há qualquer fundamento jurídico para se tributar bens ou mercadorias, provenientes de importação, sob a modalidade contratual, aqui mencionada, pelo ICMS.


4 – Função da Lei Complementar em matéria tributária

Em breve síntese, sob o ponto de vista da sua aplicabilidade (conforme doutrina americana), as normas constitucionais podem ser classificadas em self-executing provisions ou em not self-executing provisions [16], ou seja, normas de aplicabilidade imediata e normas sem aplicabilidade imediata, sendo que estas necessitam de uma legislação complementar para se tornarem aplicáveis a casos concretos. É o que ocorre, por exemplo, quando a Constituição Federal brasileira outorga competência para os entes federativos instituírem tributos, mas condicionam a discriminação do seu respectivo fato imponível à Lei Complementar, conforme dicção do art. 146, inciso III, letra "a", da CF:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes".

Pois bem, sendo o ICMS um tributo da espécie imposto, aplica-se ao mesmo a norma constitucional acima colacionada, especialmente, quanto a definição do seu fato imponível (fato gerador), desta forma, a fim de conferir aplicabilidade ao ICMS (sua incidência diante de fatos concretos) foi publicada a LC nº 87/96, cujos artigos 2º e 3º definem os fatos imponíveis da referida exação. No caso do art. 3º, inciso VIII [17], da LC nº 87/96, este exclui da incidência do ICMS a aquisição de bens ou mercadorias, via leasing (sem o exercício do termo de opção de compra), o que pensamos ter sido completamente desnecessário, tendo em vista que a Constituição Federal veda de forma categórica a tributação pelo ICMS, sem a ocorrência de "operações relativas à circulação de bens ou mercadorias", o que, efetivamente, não ocorre com o objeto do presente trabalho.

Após a EC nº 33/01, foi editada a LC nº 114/02 com objetivo de "complementar" e conferir aplicabilidade às alterações perpetradas pela aludida Emenda à Constituição, contudo, ainda assim, não houve qualquer menção às operações de leasing, sejam nacionais ou internacionais e mesmo que houvesse disciplina sobre o assunto, essas alterações não poderiam alterar o fato imponível do ICMS previsto na Constituição, tendo em vista suas disposições sobre o tema.

Aliás, esse é o entendimento adotado pelos Tribunais Superiores, especialmente, após o julgamento do RE nº 461.968/SP, de relatoria do Min. Eros Grau, citado no Resp nº 952.476, "verbis":

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE AERONAVES MEDIANTE LEASING. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. PRONUNCIAMENTO DO STF SOBRE O TEMA. VIOLAÇÃO DO ART. 3°, VIII, DA LC 87/1996 CONFIGURADA.

1. Acórdão a quo que deu provimento à apelação fazendária, sob o fundamento de que, nos termos do art. 155, § 2°, IX, "a", da CF/1988, o fato gerador do ICMS se dá com a entrada, no território nacional, de mercadoria proveniente do exterior, independentemente da efetiva transferência de titularidade, consoante entendimento do STF no julgamento do RE 206.069/SP. Além disso, entendeu-se que a não-incidência do ICMS, no caso de arrendamento mercantil, prevista no art. 3°, VIII, da LC 87/1996, aplica-se exclusivamente para leasing de mercadorias nacionais. Recurso especial interposto pela empresa no qual se invoca ofensa ao art. 3°, VIII, da LC 87/1996, sob o fundamento de que tal norma não se aplica somente às hipóteses de arrendamento de bens nacionais, abrangendo, também, àqueles provenientes do exterior. Aduz, ainda, contrariedade ao art. 155, § 2°, IX, "a", da Carta Maior, ao argumento de que não basta a simples entrada da mercadoria no território nacional, sendo necessária, antes de tudo, sua efetiva circulação, ou seja, a transferência da sua titularidade, para que incida a referida exação.

2. No tocante à suposta violação do art. 155, § 2°, IX, "a", da Carta Republicana, não há como prosperar o recurso nobre, uma vez que é defeso, na via eleita, analisar afronta a texto da Carta Magna, sob pena de usurpar a competência do Excelso Pretório.

3. O Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento do RE 461.968/SP, Relator Ministro Eros Grau, que a importação de aeronave mediante arrendamento mercantil (leasing) não enseja a circulação de mercadoria, não constituindo fato gerador do ICMS. A Suprema Corte excetuou, contudo, aqueles casos em que se verifica a importação de equipamento destinado ao ativo fixo da empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem arrendado é implícita. Nessa hipótese, há incidência da mencionada exação.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para afastar a incidência de ICMS sobre mercadoria importada com base em contrato de leasing. (Resp nº 952.476, Min. Relator José Delgado, DJU: 25.02.2008)


5 – Conclusões

Diante das premissas e argumentos aventados, podemos concluir que:

a)antes da EC nº 33/01, o fato imponível do ICMS era caracterizado pelas operações de circulação de mercadorias com a efetiva transferência de titularidade entre as partes envolvidas, contudo, após o advento daquela Emenda, foi inserido no fato imponível os vocábulos "bem", "por pessoa física ou jurídica" (ainda que contribuintes não habituais) e "qualquer que seja a sua finalidade";

b)apesar das alterações perpetradas pela referida Emenda Constitucional, o núcleo do aspecto material do ICMS permaneceu intocado, ou seja, é necessário ocorrer a transferência de titularidade (com o respectivo domínio) entre as partes envolvidas no negócio jurídico para surgir obrigação tributária;

c)a importação de bens ou mercadorias, via contratos de leasing internacional, não ensejam a obrigação de recolher o ICMS pelo suposto sujeito passivo, justamente, por não ficar caracterizado fato imponível do ICMS, salvo nos casos em que o arrendatário exercer o termo de opção de compra;


Notas

  1. Antiga redação: "sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço".
  2. "Relatora: Min. Ellen Grace

    Recorrente: Estado de São Paulo

    Advogado: PGE-SP – José Celso Duarte Neves

    Recorrido: Fanavid – Fábrica Nacional de Vidros de Segurança Ltda.

    Advogado: Alberto Calil e outros.

    EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL – "LEASING".

    De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional.

    O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing.

    Recurso extraordinário conhecido e provido". (DJU: 01/09/2006)

  3. Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
  4. Ataliba, Geraldo. "Hipótese de Incidência Tributária", 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 106/107.
  5. Abreviatura para Hipótese de Incidência.
  6. Vide os autores: Ives Gandra da Silva Martins, Geraldo Ataliba, Aroldo Gomes de Mattos, Roque Antônio Carraza e outros.
  7. Martins, Ives Gandra da Silva. "Leasing de Aeronaves, sem Opção de Compra, Pactuado com Investidores Estrangeiros – Hipótese não Sujeita ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário nº 131. São Paulo: Dialética, 2006, p. 87.
  8. Grifos do autor.
  9. Ataliba, Geraldo. Matriz Constitucional do ICM, Revista de Direito Tributário, nº 32, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 153.
  10. Martins, Ives Gandra da Silva. "Leasing de Aeronaves, sem Opção de Compra, Pactuado com Investidores Estrangeiros – Hipótese não Sujeita ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário nº 131. São Paulo: Dialética, 2006, p. 88.
  11. A atividade de interpretação, nada mais é, em breves comentários, a atividade de atribuir sentido a uma determinada expressão.
  12. Xavier, Alberto. Direito Tributário e Empresarial – Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 294.
  13. Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 124.
  14. Wald, Arnoldo. Obrigações e Contratos, 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 537.
  15. Gomes, Orlando. Contratos, 7º edição. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 569 e 570.
  16. Cooley, Thomas M. Treatise on the Constitutional Limitations, 6ª edição. Boston: Brown and Company, 1890, p. 98 a 101.
  17. "Art. 3º O imposto não incide sobre:

VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;"

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Rodrigo. A não incidência do ICMS na aquisição de bens ou mercadorias decorrentes de contratos internacionais de arrendamento mercantil (leasing). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1888, 1 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11672. Acesso em: 23 dez. 2024.

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