3. Conclusão
Constatada a possibilidade de antinomia real total-parcial entre o art. 2035, p.ú., do Código Civil, e o art. 5º, XXXVI, da CF, traçamos os caminhos para a sua solução diante do caso concreto, haja vista que a antinomia real, como apontamos no decorrer deste ensaio, é passível de solução pelo emprego de equidade, e recurso à doutrina, aos costumes e, sobretudo, aos princípios jurídicos.
Expusemos a ordem de chamamento dos princípios jurídicos – do especial para o geral, e a possibilidade de colisão no caso concreto, apontando a metodologia para sua solução – máxima da proporcionalidade.
Criticamos a livre discricionariedade judicial e a aplicação desordenada de tal metodologia.
A conclusão, portanto, é de que a antinomia real apontada somente pode ser solucionada no caso concreto, mediante as técnicas metodológicas acima expostas, colocadas pela doutrina ao aplicador do direito as trilhas e as indicações para que a solução seja a mais justa possível, prevalecendo no caso concreto aquela solução pautada no preceito de ordem pública somente quando, em não reproduzindo preceito constitucional especial (caso em que a solução se dá pela especialidade – antinomia meramente aparente), se revelar evidentemente mais justa, após toda a análise metodológica acima exposta, ainda que posta de frente à segurança jurídica que emana da necessidade do respeito ato jurídico perfeito.
4. Bibliografia
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
________. Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade. Trad. Luiz Afonso Heck. Revista de direito privado. São Paulo: RT, v. 24: 334-344, out-dez de 2005.
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Aplicação do Novo Código Civil: Direito Intertemporal. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/652/4/Aplica%C3%A7ao_Novo_Codigo.pdf. Acesso em: 13 set. 2008.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
________. As lacunas no direito. 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007.
ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Antinomia. In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1984, v. 7, p. 14.
GAGLIANO, Pablo Stolze. O novo Código Civil e os contratos celebrados antes da sua vigência. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, br. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4002>. Acesso em: 13 set. 2008.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as "cláusulas gerais" do Código Civil de 2002 – a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 831, 2005.
Notas
- Essa a interpretação de Pablo Stolze Gagliano, para quem: "utilizando a expressão "nenhuma convenção", o legislador impõe a todos os negócios jurídicos, não importando se celebrados antes ou após a entrada em vigor do novo Código, a fiel observância dos seus preceitos de ordem pública, especialmente a função social da propriedade e dos contratos. (O novo Código Civil e os contratos celebrados antes da sua vigência).
- Art. 6º - "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".
- Neste sentido: Teresa Arruda Alvim Wambier, Uma reflexão sobre as "cláusulas gerais" do Código Civil de 2002 – a função social do contrato. RT 831, p. 78. A autora acrescenta ainda que: "o sentido e o alcance de tais regras não pode ser tão amplo e dar ao juiz uma tal margem de liberdade que se venha a instalar no País um clima de verdadeiro caos. Daí as observações que fizemos no começo dessas reflexões, no sentido de que a idéia de direito é inversa e antagônica à de revolução. A revolução é repentina, radical e rompe com o valor previsibilidade e, portanto, com o valor segurança. Qualquer interpretação revolucionária deste dispositivo é antijurídica".
- § 1º - "Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou".
- Aplicação do Novo Código Civil: Direito Intertemporal, p. 4-5.
- Ibidem, p. 4.
- Ocorre a chamada antinomia total-parcial, segundo a lição de Maria Helena Diniz, "se uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra, que tem um campo de aplicação conflitante com a anterior apenas em parte" (Compêndio de introdução à ciência do direito, p. 482-483).
- Maria Helena Diniz, obra citada, p. 481.
- Ibidem, p. 486.
- Também chamada de "lacuna de conflito de segundo grau".
- Enciclopédia Saraiva do Direito, verbete antinomia, v. 7, p. 14.
- Obra citada, p. 481 e 487.
- XXIII – a propriedade atenderá à sua função social.
- Fátima Nancy Andrighi, obra citada, p. 3.
- Maria Helena Diniz, As lacunas no direito, p. 198.
- Ibidem, p. 204.
- Hermenêutica e aplicação do direito, p. 241.
- Obra citada, p. 242.
- Cf. Robert Alexy, Direitos fundamentais, ponderação e racionalidade.
- "Princípio da Proporcionalidade (‘mandamento da proibição de excesso’), tendo em vista que não foi verificada a correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, a qual deve ser juridicamente a melhor possível" (STJ, 1ª Turma, AGREsp 422583-PR, rel. min. José Delgado, j. 2/06/2002)
- Robert Alexy, obra citada, passim.
- Maria Helena Diniz, quanto aos limites de aplicação da equidade, cita a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal (acórdão de 25-04-1928, in Arquivo Judiciário, 6/289): "Sem lacuna a suprir, ou sem necessidade de procurar o sentido e alcance da disposição legal que se apresenta clara e perfeitamente delimitada não se justifica a equidade para decidir contra sua determinação precisa, a pretexto de lhe abrandar o intencional rigor".
- Introdução ao pensamento jurídico, p. 219.
- Obra citada, p. 227/228.
- Obra citada, p. 220.
- Obra citada, p. 221/222.
- Exemplo de discricionariedade vinculada ocorre quando a lei se vale de "conceitos jurídicos indeterminados", que devem ser preenchidos pelo juiz com carga valorativa a ser buscada não em sua própria ideologia, mas na ordem jurídica e nas regras de experiência comum em determinado tempo e lugar.
- Para Engisch, "havemos de entender por cláusula geral uma formulação na hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos." (obra citada, p. 229)