1. A formação da idéia do título executivo.
O tradicional processo executivo foi montado e estruturado levando em consideração a necessidade de certeza absoluta da existência da relação obrigacional. Somente diante da plena convicção quanto à existência do vínculo obrigacional, autorizava-se a atuação da tutela executiva. Permeada pela idéia de preservação do patrimônio e da liberdade dos indivíduos, a tutela estatal, visando ao adimplemento de obrigações, deveria ser precedida de título autorizador dessa ação.
Nesse sentido, o direito processual tradicional construiu ideologicamente a execução, partindo da premissa básica de que a atividade executiva pressupõe a existência de um título. A noção de título como viga mestra da tutela executiva é ilustrada pelo brocardo nulla executio sine titulo e revela-se como uma tentativa de conferir segurança no âmbito das relações jurídicas. Como bem assevera o mestre Cândido Rangel Dinamarco: "...a exigência de título executivo, sem o qual não se admite a execução, é conseqüência do reconhecimento de que a esfera jurídica do indivíduo não deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado grau de probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos benefícios trazidos na maioria dos casos." [01]
A existência do título é, portanto, a própria autorização para o desencadeamento da tutela executiva autônoma. Nesse caso, não há de se perquirir sobre a espécie da ação executiva a ser manejada, posto que todas as modalidades executórias pressupõem a existência do título. É o título que autoriza a intromissão na liberdade individual ou no patrimônio do devedor, tendo em vista o objetivo básico da satisfação da pretensão executiva. Daí a postura incisiva da doutrina em exigir a presença do título como elemento indispensável para a concretização da tutela executiva.
Muito discutiram os doutrinadores sobre a natureza jurídica do título. É fato que a questão não ocupa um espaço importante no âmbito do processo do trabalho [02], tendo em vista que as eventuais conclusões que se possam extrair do profícuo debate doutrinário, pouco repercutirão na condução do procedimento executivo [03]. No entanto, com o crescimento gradativo da competência executiva da Justiça do Trabalho por intermédio de alterações na legislação ordinária [04] e na Constituição Federal [05], não se pode mais relegar a segundo plano a análise da tessitura do título executivo e de suas diversas modalidades.
2. As modalidades de títulos executivos trabalhistas.
Tradicionalmente, o direito processual, na tentativa de uniformizar o procedimento executório, nos apresenta duas modalidades distintas de títulos executivos: os judiciais e os extrajudiciais. A distinção leva em consideração a origem os referidos documentos, tipificando como judiciais aqueles produzidos ou referendados pelo Poder Judiciário, e como extrajudiciais os elaborados pela atividade negocial do credor e do devedor.
Esse critério distintivo sempre teve como principal função delimitar o conteúdo dos meios de tutela do devedor [06]. Ora, tratando-se de título executivos judiciais, tendo em vista a existência de um controle prévio por parte do Poder Judiciário, o leque de matérias argüíveis em sede de meio de tutela do devedor, há de ser reduzido e limitado. A impugnação à execução fundada em título judicial é restrita às hipóteses expressamente reconhecidas pela legislação processual (CPC, art. 475-L e CLT, art. 884, §1º e 3º), exatamente levando-se em consideração o pretenso pronunciamento anterior quanto à existência do crédito.
Tratando-se de títulos extrajudiciais, a ausência de controle prévio do judiciário na sua formação afasta eventuais limitações quanto às matérias a serem incluídas na impugnação feita pelo devedor. Ora, se não há controle estatal prévio, não se poderia suprimir, mesmo diante de certas exigências, a possibilidade de o devedor discutir ampla e irrestritamente a formação do crédito [07].
A tradicional na tipificação dos títulos executivos, portanto, fundamenta suas bases na restrição ou não dos níveis de cognição próprios dos meios de impugnação do devedor. Essa dualidade simplificadora, no entanto, não é capaz de acompanhar a dinâmica das relações sócio-econômicas atuais, nem tampouco os novos institutos processuais que se apresentam.
A atipicidade da formação do título em questão nos remete à classificação trazida por Teori Zavascki, que realça a possibilidade de existência de uma terceira modalidade de título, resultado da formação mediante atuação jurisdicional e negocial das partes, verbis: "São também títulos que ensejam execução forçada as sentenças que têm como ‘efeito anexo’ o de tornar certa a obrigação de ressarcir danos. É o caso das sentenças que extinguem a execução provisória, das quais decorre , automaticamente, independentemente de condenação, a responsabilidade do exeqüente pelos prejuízos sofridos pelo executado, nos termos do art. 588, I do CPC. Da mesma forma nas situações previstas no art. 811 do CPC, nasce a executividade independentemente de condenação, de provimentos jurisdicionais que produzem a ineficácia das medidas cautelares e das quais decorre, como conseqüência natural da ordem jurídica, a responsabilidade objetiva do requerente pelos prejuízos causados ao requerido. Outro exemplo significativo de sentença que dispensa condenação para ter força executiva é a que julga procedente a ação de resilição de contrato de promessa de compra e venda. Segundo a jurisprudência do STF, reafirmada pelo STJ, em casos tais, a sentença é título para a ação de execução visando a entrega da coisa independentemente de ter havido pedido explícito ou condenação específica a respeito, pois a obrigação de restituir o bem é efeito necessário e natural da resolução do compromisso." [08]
Restou claro, portanto, da transcrição acima que o direito processual civil admite situações em que surgem da sentença efeitos obrigacionais diversos daqueles buscados na postulação inicial. Nesse caso, os efeitos obrigacionais vão se corporificar em um verdadeiro título executivo que, no entanto, será representado formalmente pela mesma sentença que resolveu a ação primitiva.
Vê-se, por conseguinte, que a classificação dual tradicional não é mais capaz de abranger todas as variáveis e particularidades do fenômeno jurídico na atualidade. Há diversas situações que são trazidas pela legislação que não permitem um enquadramento confortável na sistemática tradicional.
Vejamos como exemplo dessa assertiva a execução fundada em sentença arbitral. A modalidade é expressamente elencada como título judicial (Código de Processo Civil, art.475-N, V), no entanto, a sistemática preconizada para o procedimento arbitral (Lei Nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996 ) estabelece a eficácia plena do título, independentemente de qualquer chancela do poder judiciário.
É óbvio que, nesta hipótese, a intenção do legislador foi diminuir o nível de cognição da impugnação manejada pelo devedor. No entanto, é fragrante que, pelo menos em relação a esse tipo específico de título executivo, os critérios tradicionais não são capazes de fornecer uma classificação segura das modalidades legais.
Quando transferimos o foco da discussão para o direito processual do trabalho, concluímos que a dualidade tradicional entre títulos executivos judiciais e extrajudiciais se apresenta ainda mais inócua. A ampliação do espectro da competência material da Justiça do Trabalho, impulsionada principalmente pelo advento da Emenda Constitucional Nº 45, de 08 de dezembro de 2004, criou um leque quase que infinito de títulos sujeitos à tutela executiva. Mesmo assim, a legislação processual trabalhista vigente limita-se a enumerar, de forma tímida e restritiva, alguns poucos títulos no âmbito da CLT, art. 876.
Diante desse laconismo do direito processual trabalhista, é óbvio que outras modalidades de títulos reconhecidos em nosso ordenamento jurídico podem ser assimiladas na sistemática laboral. Nessa assimilação, o procedimento da tutela executiva a ser adotado é aquele preconizado pela norma processual trabalhista, no entanto, fortemente influenciado pelas diretrizes procedimentais fixadas pelo direito processual civil. A classificação dos títulos executivos trabalhistas deve, por conseguinte, levar em consideração a origem dos títulos e suas características gerais. Levando em consideração esses fatores, propomos a seguinte classificação dos títulos executivos trabalhistas: a) títulos judiciais próprios; b) títulos judiciais subsidiários; c) títulos atípicos; d) títulos extrajudiciais próprios; e e) títulos extrajudiciais subsidiários.
Ao estruturar a tipificação dos títulos em cinco espécies diferentes, levamos em consideração em primeiro lugar o nível de cognição da impugnação a ser manejada e a origem da produção dos referidos títulos. Nesse sentido, acrescentamos às duas modalidades tradicionais de títulos uma terceira, que denominamos de atípicos. Atípicos porque não se amoldam perfeitamente em nenhuma das classificações tradicionais, tendo em vista o hibridismo da sua criação, apresentando características judiciais ou extrajudiciais, dependendo do ângulo de que se observa.
Desdobramos ainda as modalidades tradicionais em grupos diferentes, levando em consideração a previsão expressa na legislação processual trabalhista, ou ainda a aplicação subsidiária de normas pertencentes a outros ramos da processualística. Sendo assim, podemos classificar os títulos judiciais e extrajudiciais em originários, quando previstos de maneira expressa pela legislação laboral, e em subsidiários, quando provenientes da aplicação subsidiária de títulos previstos em outros ramos da processualística.
Analisaremos as modalidades de títulos executivos trabalhistas nos itens seguintes.
3. Títulos executivos trabalhistas judiciais originários.
Títulos executivos judiciais são aqueles produzidos ou referendados diretamente pelo próprio poder judiciário, onde "...a atividade de identificação da norma concreta já foi objeto de cognição" [09]. Na sua acepção tradicional os títulos judiciais apresentam como característica principal a limitação da cognição dos meios de tutela do devedor, ou seja, a defesa do devedor em face da tutela executiva acha-se circunscrita às hipóteses prevista em lei (CLT, art. 884, § 1º e 5º). Nessa modalidade, no entanto, só são relacionados os títulos expressamente preconizados pela legislação processual trabalhista e não provenientes da aplicação de qualquer dispositivo legal alienígena.
Apenas dois títulos executivos trabalhista se enquadram nos requisitos acima expostos: as decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo e os acordos, quando não cumpridos (CLT, art. 876, primeira parte). Embora se apresentem numericamente reduzidos, esses títulos representam a maioria esmagadora do movimento processual destinado a impulsionar a tutela executiva no âmbito da Justiça do Trabalho.
A imprecisão técnica e metodológica própria da regulação processual feita pela Consolidação faz com que sejam necessários alguns ajustes, a fim de que sejam dimensionados corretamente os dois títulos judiciais trabalhistas. Inicialmente, não se pode dizer que as "decisões" sejam os títulos, tendo em vista que o termo é genérico e envolve todo e qualquer ato judicial que tenha conteúdo decisório. Nesse sentido, no âmbito do conceito de decisão, pelo menos na consagrada sistemática do direito processual brasileiro, vamos encontrar as sentenças e as decisões interlocutórias. É fato que essas últimas podem até assumir o papel de título judiciais, todavia não foi essa a intenção do marco normativo estabelecido pela CLT, art. 876. De fato, as "decisões" a que se reporta o referido dispositivo legal são as "sentenças" proferidas pelos órgãos jurisdicionais trabalhistas.
Da mesma forma, a incongruência terminológica do artigo em questão nos força a estabelecer o verdadeiro alcance do termo "acordo". Adotando uma visão sistêmica, podemos facilmente concluir que o acordo a que se reporta o legislador, nada mais é do que a sentença homologatória de conciliação entre as partes, denominada entre nós de Termo de Conciliação (CLT, arts. 831, parágrafo único e 846, § 1º). Além do mais, é totalmente dispensada a utilização do complemento "não cumprido", tendo em vista que não é a inadimplência que confere a condição de título, mas o simples reconhecimento legal de sua eficácia executiva. Nesse sentido, melhor será denominar este título de sentença homologatória de conciliação havida entre as partes.
Detalhemos a análise das duas espécies de títulos judiciais originários.
3.1 A sentença proferida pelos órgãos jurisdicionais trabalhistas.
Conforme explanado no item anterior, é indispensável que sejam apresentados os corretos limites do título judicial preconizado pela CLT, art. 876. O documento que é portador de eficácia executiva não é "decisão", mas sim a sentença proferida por órgão jurisdicional trabalhista. Mesmo estabelecida essa premissa é indispensável ressaltar que não são todas as sentenças trabalhistas que assumem o caráter de título executivo, mas tão-somente as sentenças que apresentam algum provimento de caráter sancionatório direto [10], ou seja, que impliquem na efetiva mudança de uma situação fática, por atuação direta do poder judiciário [11]. Não importa o rótulo que se busque dar ação que resultou na sentença, pois o que servirá como forma de mensuração são os limites e as características do próprio provimento jurisdicional.
Tomemos, como exemplo dessa questão, o caso do inquérito para apuração de falta grave (CLT, art. 853). Segundo posição francamente dominante na doutrina [12], trata-se de ação de característica predominantemente constitutiva, pois busca obter a resolução do contrato de trabalho de um empregado portador de estabilidade ou de garantia provisória no emprego (CLT, arts. 543, § 3º). O fato de essa ação ser classificada como constitutiva não lhe retira, a priori, a possibilidade de produzir um título executivo judicial. É certo que, em sendo acolhida a pretensão do autor, o provimento jurisdicional será preponderantemente constitutivo, correspondendo ao reconhecimento do término da relação laboral. No entanto, em não sendo acolhida a pretensão destinada ao rompimento do liame empregatício, a sentença passará a contemplar um comando de caráter condenatório, impondo ao autor obrigação de fazer [13] e de pagar [14]. Nesse sentido, a sentença que julga improcedente a postulação do inquérito para apuração de falta grave é titulo executivo judicial trabalhista originário, posto que contempla sanção direta a uma das partes, somente alcançável mediante atuação da tutela executiva. Não é relevante o rótulo que se procura dar à ação manejada, mas sim pesquisar as características do provimento jurisdicional.
Ressalte-se que, mesmo sentenças que contemplem a improcedência da postulação do autor, podem adquirir o caráter de título judicial, bastando que imponham obrigações acessórias, como o pagamento de custas processuais ou de honorários periciais (CLT, arts. 789, § 1º e 790-B).
Muito embora tenhamos citado expressamente a sentença como título executivo, não se pode deixar de mencionar que o acórdão dos tribunais também pode ser considerado como título executivo judicial originário. Isso poderá acontecer em duas situações distintas. A primeira delas, quando se tratar de processos de competência originária dos tribunais. Nesse caso, em havendo comando jurisdicional passível de tutela executiva é óbvio que o título não é a sentença, até porque inexistente em tais procedimentos. Entre as hipóteses em que o acórdão em processos de competência originária pode assumir o caráter de título executivo judicial podemos citar, entre outras: a) acolhimento de pretensões condenatórias havidas em sede de ação rescisória (CPC, art. 494; CLT, art. 836, parágrafo único); b) condenação em custas processuais decorrentes do trâmite de Mandado de Segurança de competência originária dos Tribunais; c) custas e despesas processuais decorrentes dos procedimentos de dissídios coletivos.
Mas não apenas nos processos de competência originária dos tribunais os acórdãos podem adquirir do caráter de título executivo. Nas hipóteses de recursos em face das decisões de primeiro grau, o acórdão substitui a sentença de primeiro grau, mesmo que não tenha havido reforma desta, conforme disposição do CPC, art. 512. Nessas situações, o título executivo não é a sentença, mas sim o próprio acórdão.
3.2 A sentença homologatória de conciliação entre as partes.
O processo do trabalho apresenta-se, em sua essência, conciliador. Muito embora a tentativa de conciliação entre os litigantes seja característica presente também do âmbito do direito processual civil [15], no processo do trabalho a fase conciliatória ocupa um papel de destaque. Dentro da própria estrutura procedimental do rito comum (tanto na sua vertente ordinária como sumaríssima) as tentativas de conciliação situam-se no início e no término da tramitação processual (CLT, arts. 846 e 850, in fine) e o Juiz do Trabalho tem a função conciliatória como dever a ser cumprido no curso processual.
O produto do êxito da conciliação havida entre as partes é o "termo de conciliação", conforme preceitua a CLT, art. 846. O termo a que se refere a legislação processual trabalhista nada mais é do que uma sentença homologatória exarada pelo magistrado condutor do feito. A utilização da expressão "termo de conciliação" apenas se justifica pela ausência de rigorismo científico da norma processual trabalhista vigente. De fato, o ato de o magistrado homologar a conciliação havida entre as partes é, induvidosamente, uma sentença, tendo em vista que o trâmite do processo de cognição se encerra definitivamente com o referido ato jurisdicional. Tanto é verdade que o próprio diploma legal trabalhista (de forma absolutamente desnecessária) equipara o termo de conciliação a uma sentença irrecorrível (CLT, art. 831, parágrafo único).
Essas considerações devem ser tecidas para que se fixe a característica jurisdicional da atividade jurisdicional de homologação dos acordos judiciais. O ato de homologação do acordo firmado no âmbito processual não é simples atividade formal de documentação de ato de conciliação entre as partes. A atuação do Juiz deverá ser fiscalizadora e inibidora de eventuais desvios, excessos ou prejuízos para pessoas estranhas à relação processual. É essa atitude dinâmica do magistrado que confere a característica de titulo judicial aos acordos firmados entre os litigantes no curso do processo e, conseqüentemente, inibe e delimita as formas de tutela do devedor em um eventual processo executivo. A própria legislação processual civil, ressaltando a postura mais dinâmica do magistrado como condutor do processo, autoriza a atuação jurisdicional direta contrária ao interesses dos litigantes, conforme se vê do CPC, art. 129. Ora, se pode o Juiz determinar a extinção do processo sem julgamento do mérito quando verificar a tentativa das partes de desvirtuar o processo, poderá muito bem criar óbices para a homologação de conciliações que impliquem em concessões desiguais ou venham a prejudicar o interesse de terceiro.
A utilização do termo acordo para designar o título executivo, portanto, afigura-se despropositada. Não é o simples ajuste de vontade entre os litigantes que vai conferir a autorização para o desencadeamento da atividade executiva, mas sim a atividade jurisdicional que referenda a confluência de vontade dos litigantes. A exeqüibilidade da obrigação pactuada nasce, por conseguinte, do comando jurisdicional homologatório e não apenas da vontade dos litigantes, sendo essa a característica primordial dessa modalidade de título executivo.