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Candidatura, Constituição e Judiciário.

Breves comentários ao julgamento da ADPF nº 144

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A UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO: PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL VERSUS PROBIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVA?

Nesta perspectiva, seria possível vislumbrar possível óbice à candidatura daqueles que respondem a processo penal ou por improbidade administrativa, decorrente do já mencionado Art. 14 da CF, agora em seu § 9º, dispondo que a Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Tal disposição pode e deve ser vista, ainda, à luz do que reza o Art. 37 da CF, acerca da submissão da Administração Pública está submetida aos princípios da moralidade e da eficiência e sobre o fato de que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos.

Tal óbice, contudo, é apenas aparente, posto que em virtude do princípio da unidade da constituição — outra conseqüência lógica do fato da Carta Constitucional aspirar ser a efetiva positivação do pacto social — os dispositivos constitucionais devem ser interpretados sempre de forma harmônica, evitando assim a antinomia, conforme leciona Augusto Zimmermann (2004, p. 166) citando Canotilho e Daniel Sarmento:

"O postulado da unidade da Constituição define que as normas constitucionais devam ser interpretadas de modo a se evitar qualquer tipo de contradição entre si. Nas palavras de Canotilho, este princípio obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.

Para Daniel Sarmento, trata-se de princípio que demanda o esforço de buscar a conciliação entre normas constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões. Isto porque — ainda segundo Sarmento — a Constituição não representa um aglomerado de normas isoladas, mas um sistema orgânico, no qual cada parte tem de ser compreendida à luz das demais." (grifos do original)

Este princípio teve seu valor reafirmado no voto do ministro Eros Grau, nos julgamento da ADPF 144 quando o mesmo disse que "não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços, mas sim na sua totalidade".

Existe ainda um último argumento a ser considerado,é o fato de que uma vez que a opinião pública parecia apontar no sentido de que o Pretório Excelso deveria conferir aos juízes eleitorais a possibilidade de rejeitar as candidaturas daqueles que respondessem a processo penal ou de improbidade administrativa, então poderia existir, na parte submersa e invisível da Constituição brasileira – ou noutras palavras, talvez houvesse um ideal ético do povo brasileiro que não restou positivado no texto constitucional — disposição excepcionando os princípios da inocência e do due process of law aos candidatos aos cargos públicos.

Como é sabido, o STF não decidiu desta forma, contrariou, aparentemente, a opinião pública, e acabou dando margem à discussão sobre o grau de acerto desta decisão, oriunda de uma sessão demorada e pautada por afirmações que se tornaram polêmicas, como a do presidente, ministro Gilmar Mendes, quando o mesmo disse que "Cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua (...) a missão dessa Corte constitucional é aplicar a Constituição ainda que essa decisão seja contrária ao pensamento da maioria".

Data maxima venia, é justamente nas ruas, no convívio quotidiano das pessoas comuns, onde está a transcorrer com toda a força e energia na ambiência sensível da vida a parte submersa e invisível das Constituições, mas em que possa não ter sido totalmente feliz nesta afirmação, o ministro mostrou grande clareza de pensamento quando criticou o fato de que a população tende a ver a lista com os nomes dos candidatos que respondem a processos "a solução de todas as mazelas", porque de fato tal lista não o é.

Por mais que o povo brasileiro possa estar descrente com relação à classe política que os representa, é desarrazoado crer que o indivíduo comum é afeito à injustiça ou não comunga dos valores éticos do devido processo legal e da garantia da inocência. O que se tem na realidade são pessoas cansadas das injustiças e da impunidade, e que, em algum momento, passaram a acreditar que uma lista com processados — que se tornaria inelegíveis — seria capaz de limpar a política pátria.

Por outro lado, sendo razoável crer, aliás, é quase certo que na referida lista estejam presentes os nomes de indivíduos, os quais em virtude de seu caráter duvidável ou inaptidão para gerir a res pública não estão aptos a assumir nenhum cargo público, assim como é possível que tal lista encerre o nome de algum inocente, sendo que este, em hipótese alguma, pode ser penalizado como se fosse um daqueles, e aqui já é conveniente recordar o velho adágio de que mais vale ver dez culpados absolvidos do que um único inocente penalizado.


À MODA DE CONCLUSÃO

Não se pode olvidar o potencial de nocividade a que se submete a sociedade brasileira ao se permitir que possíveis criminosos se candidatem a um cargo público, por outro lado, desrespeitar princípios elementares como o do devido processo legal e da inocência a tais pessoas consistiria numa afronta real à sociedade pátria, seria, pois, uma certeza de nocividade.

Assim, em que possa pesar ser louvável a iniciativa da AMB em tentar impor um maior grau de probidade e moralidade à classe política brasileira, a revogação dos dispositivos da LC 64/90 por si só não seria capaz de afastar os princípios do devido processo legal e da inocência, e ainda que o fosse, como se viu, isto poderia acarretar situações desproporcionais e injustas.

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A Corte Constitucional pátria, de sua parte, acertou em reafirmar princípios tão importantes ao Estado Democrático de Direito, mais que isso, em se tratando de uma questão tão polêmica, uma vez que a decisão foi dividida, isto parece indicar que todas as possibilidades e entendimentos possíveis foram sopesados, o que reafirma a democracia brasileira, é impossível, pois, no Ordenamento Jurídico pátrio atual, desconsiderar os princípios constitucionais do devido processo legal e da inocência a fim de conferir aos juízes eleitorais o poder de rejeitar a candidatura de pessoas.

Resta ainda aquela questão, que como foi mencionado em linhas anteriores, parece passar despercebida pela maior parte daqueles que comentaram a decisão do STF; É que é um último erro, e um erro crasso diga-se de passagem, acreditar que apenas porque o Supremo Tribunal Federal assegurou o direito de políticos que respondem a processo penal ou por improbidade administrativa à candidatura a cargos públicos a corrupção terá necessariamente que continuar, ora, candidatura nunca foi sinônimo de eleição, e se a opinião pública é no sentido de que tais políticos não são aptos a assumir nenhum cargo, é de se esperar que os mesmos não sejam eleitos.

Não é, pois, na rejeição de candidaturas que se garante a moralidade e a probidade da Administração Pública, mas no ato de eleger representantes aptos e, sobretudo, de fiscalizar sua atuação, não é, repita-se ad nauseam, uma lista de candidatos com ida pregressa questionável que resolverá os problemas deste país, mas o compromisso de seu povo quando da eleição e fiscalização de seus representantes.

O que foi dito aqui talvez não seja o suficiente para encerrar o tema, mas se não se puder extrair uma conclusão definitiva de tudo o que se viu até agora, pelo menos dá para firmar a esperança, esperança na democracia que permeia a Suprema Corte pátria, esperança no povo brasileiro que a cada dia se mostra menos afeito à corrupção e impunidade, e, por fim, esperança no dia em que será vista a aplicação da maior e mais justa condenação que um político inapto pode e deve receber, e que não é a recusa de sua candidatura por um magistrado, mas o repúdio popular no dia da eleição.


REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1999

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6° ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, v. 1 São Paulo: Saraiva, 1989

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Íntegra da Decisão, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144. disponível on line em <http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2419475&tipoApp=RT>

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 144. disponível on line em <http://www.stf.gov.br/portal/cms/listarNoticiaStfDia.asp>

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. I .14 ed. São Paulo: Saraiva, 1993

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004

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Sobre o autor
Francysco Pablo Feitosa Gonçalves

Bacharel em Direito. Especialista em Sociologia e História pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Especialista em Direito da Administração Municipal pela Faculdade de Juazeiro do Norte (FJN). Professor e advogado militante na área do Direito Público, com ênfase nas searas administrativa e tributária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Francysco Pablo Feitosa. Candidatura, Constituição e Judiciário.: Breves comentários ao julgamento da ADPF nº 144. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1921, 4 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11810. Acesso em: 18 nov. 2024.

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