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Prazo prescricional para repetição de indébito, Lei Complementar nº 118/2005 e direito intertemporal

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09/10/2008 às 00:00
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ADENDO – DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ANTIJURIDICIDADE DO ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 118/2005.

Muito embora não tenha relação direta com o título do tema proposto, em se tratando do novel prazo estabelecido pela LC nº. 118/2005, algumas outras questões merecem destaque.

Ressalta o Autor que a explanação abaixo não retrata fielmente às posições defendidas acerca dos diversos institutos do Direito Tributário. Tal abstenção é necessária para a escorreita compreensão da matéria, até porque quem vos fala sequer acredita que o lançamento por homologação seja efetivamente lançamento. Mas isto fica para outra oportunidade.

De início, vale transcrever a redação do malfadado art. 3º, da LC nº. 118/2005, in verbis:

"Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei."

Pela simples leitura do comando normativo supra, verifica-se que a clara intenção do legislador foi a de criar uma Lei interpretativa para modificar um posicionamento plenamente consolidado no Superior Tribunal de Justiça.

Como já exposto em linhas pretéritas, pela tese dos "cinco mais cinco", o contribuinte paga antecipadamente o tributo sujeito a homologação, tendo o Fisco o prazo de cinco anos para homologar expressamente o procedimento. Constatada a probabilíssima inércia, ao fim do prazo ocorre a homologação tácita do pagamento, tendo início o prazo do art. 168, do Código Tributário Nacional, para pleitear a repetição do indébito.

Com a Lei Complementar nº. 118/2005, procurou-se antecipar o início do prazo prescricional para o exercício da repetição de indébito, devendo os cincos anos do art. 168 começar a fluir a partir do pagamento antecipado. De fato, a norma retirou um dos sentidos possíveis de interpretação dos dispositivos do CTN, pretendendo impor os argumentos vencidos da Fazenda Nacional.

Toda discussão ora traçada seria desnecessária caso o próprio art. 168, do CTN tivesse sua redação alterada. Porém, no afã de criar uma norma interpretativa, e, assim, atingir os fatos pretéritos, optou-se por editar uma Lei Complementar em apartado, absolutamente deslocada, que acabou por causar uma série de incongruências no já tão incongruente Código Tributário Nacional.

Ademais, tais incongruências podem a elevar seu potencial destrutivo, tendo em vista que o Superior Tribunal de Justiça, inadvertidamente, no nobre intento de barrar uma aplicação retroativa, acabou por consolidar o entendimento de que o art. 3º, da LC nº. 118/2005, inovou no ordenamento jurídico, traduzindo uma verdadeira lei material. Ora, conforme será mais bem demonstrado, utilizando, inclusive, excertos de votos proferidos pelos próprios Ministros do STJ, deixar a LC nº. 118/2005 indene e ainda com status de lei material não é o rumo correto a ser tomado.

Partindo do pressuposto de que realmente está a se tratar de uma lei material e não meramente interpretativa, conclui-se que ficam revogadas todas as disposições em contrário. Nesse passo, pela própria transcrição literal da Lei, "a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei".

Não é propriamente o que prescreve o art. 150, § 1º, do CTN, além do que nos revela a prática fiscal e contábil, in verbis:

"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. (…)"

Considerando o crédito como extinto, não caberá ao Fisco fazer qualquer reparo, salvo nos casos de comprovada existência de dolo, fraude ou simulação. É o que estabelece o parágrafo único do art. 149, do CTN, in verbis:

"Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(…)

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública."

Desta maneira, a homologação tácita ou expressa do lançamento deixa de existir, bem como a condição resolutória para a extinção do crédito tributário de que trata o § 1º, do art. 150, do CTN, nos casos de lançamento por homologação. Se isso fosse realmente levado a cabo, o prejuízo da Fazenda Pública seria flagrante, propiciando, sem qualquer dúvida, a elevação dos índices de sonegação fiscal.

Nesse quadro, muitos devem recordar que o art. 3º, da LC nº. 118/2005 fala que a extinção do crédito tributário no momento do pagamento antecipado se dá apenas "para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional". Justamente nesta disposição está a antijuridicidade do referido artigo.

Como é possível a extinção de um mesmo crédito tributário se dar concomitantemente em dois momentos completamente distintos?

Da forma que está, a extinção do crédito tributário "para efeitos de repetição" ocorre no momento do pagamento antecipado. Já "para efeitos de fiscalização" acontece no momento da homologação, tácita ou expressa, geralmente cinco anos depois.

"Para efeito de repetição" a lei é material, inovando no plano normativo. Já "para efeito de fiscalização" a lei é interpretativa, deixando de revogar as disposições em contrário. Tal intelecção se dá ao sabor da Fazenda Pública, o que representa um descalabro sem precedentes.

Grande parte da perplexidade aqui transparecida se deve ao fato de que o próprio STJ, em seus julgados, reconheceu plenamente muitos dos argumentos ora lançados. Porém, ao tomar as medidas cabíveis, ao invés de declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, da LC nº. 118/2005, elevou-o (verdadeiramente) ao status de lei material e não meramente interpretativa.

Vejamos o que traçou o genial Ministro Teori Albino Zavascki, em seu voto vencedor, quando do julgamento do EREsp 644736/ PE, in verbis:

"Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele atribuído pelo Judiciário. Ainda que defensável a ´´interpretação´´ dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que atribui a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência." (AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 170)

Pelo excerto, reconheceu-se que a interpretação até então vigente era legítima; que se trata de uma nova interpretação; que retirou das disposições legais um dos sentidos possíveis; que o STJ é o guardião e intérprete da legislação federal; que a lei teve o objetivo de modificar o entendimento do STJ (intérprete constitucional do CTN). Ao fim, contraditoriamente, o art. 3º, da LC nº. 118/2005, não foi declarado inconstitucional, mas, na verdade, recebeu o prêmio de se tornar lei material.

Melhor juízo da questão fez o notável Ministro Francisco Peçanha Martins, no mesmo EREsp 644732/PE, ressaltando, como membro do STJ, que não foi dada a melhor interpretação à matéria, alertando, ainda, sobre o caráter autoritário do comando normativo:

"A meu ver, a Lei Complementar, dita interpretativa, não deu a melhor interpretação à matéria. Reflete comando autoritário do Executivo sem resolver as dúvidas preexistentes com relação as regras contidas no CTN. A final, a Constituição do crédito tributário continua competindo à autoridade administrativa pelo lançamento, atividade administrativa vinculada e obrigatória, nos termos do art. 142 e parágrafo único do CTN, e só se constitui pelo lançamento expresso ou tácito, ou seja, é dependente de ato ou omissão da autoridade administrativa." (AI nos EREsp 644736/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06.06.2007, DJ 27.08.2007 p. 170)

De fato, o processo de criação da norma tem início com o Poder Legislativo, que edita o texto da Lei, e se encerra com o Poder Judiciário, cuja função é a de interpretar o texto da Lei editado, encetando a construção normativa.

No caso trazido à baila, o STJ findou a construção normativa iniciada pela edição do CTN, por meio de reiterados julgamentos. Depois de cristalizado o entendimento, o Poder Legislativo editou nova Lei, não para alterar o CTN e sim para modificar o processo final de construção da norma, usurpando uma competência definida pela Constituição.

Deste modo, é de se concluir que o art. 3º, da Lei Complementar nº. 118/2005 alterou a interpretação de legislação federal, função que compete ao Superior Tribunal de Justiça, usurpando a competência deste, violando, pois, os abaixo citados dispositivos constitucionais, in verbis:

"Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(…)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

(…)

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. (…)"

O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a atuação do STJ como guardião da lei federal comum, tendo a prerrogativa de uniformizar a interpretação dos atos normativos emanados pela União, tudo como decorrência lógica do art. 105, III, "c", da CF.

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Vejamos o que consignou o Ministro Celso de Mello a esse respeito:

"O recurso especial, por sua vez, está vocacionado, no campo de sua específica atuação temática, à tutela do direito objetivo infraconstitucional da União. A sua apreciação jurisdicional compete ao Superior Tribunal de Justiça, que detém, ope constitutionis, a qualidade de guardião do direito federal comum. O legislador constituinte, ao criar o Superior Tribunal de Justiça, atribuiu-lhe, dentre outras eminentes funções de índole jurisdicional, a prerrogativa de uniformizar a interpretação das leis e das normas infraconstitucionais emanadas da União Federal (CF, art. 105, III, c). Refoge, assim, ao domínio temático do recurso especial, o dissídio pretoriano, que, instaurado entre Tribunais diversos, tenha por fundamento questões de direito constitucional positivo. A existência de fundamento constitucional inatacado revela-se bastante, só por si, para manter, em face de seu caráter autônomo e subordinante, a decisão proferida por tribunal inferior." (AI 162.245-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-94, DJ de 24-11-00)

Dito isto, cabe reafirmar o estreito cabimento das leis interpretativas, as quais só têm lugar quando houver dúvida justificada acerca do texto legal. Depois de sedimentado um posicionamento jurisprudencial, em especial do Superior Tribunal de Justiça, presume-se inexistente qualquer dúvida sobre o texto legal, sendo dado ao Poder Legislativo somente modifica-lo.

Definitivamente não foi o que aconteceu. Mesmo porque as dicções dos art. 168 e 150 do CTN permaneceram inalteradas, o que comprova a intenção interpretativa e, por conseguinte, inconstitucional do legislador.

Uma simples alteração no art. 168, do CTN, surtiria os mesmos efeitos, sem qualquer autoritarismo ou burla aos ditames constitucionais impostos.

Abaixo transcreve uma das alterações possíveis, em substituição ao art. 3º, da LC nº. 118/2005, que inclusive passou pelo mesmo processo legislativo necessário a alteração do CTN:

"Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165:

a) da data da extinção do crédito tributário, nos casos de tributos sujeitos a lançamento de ofício (art. 149) ou lançamento por declaração (art. 147);

b) da data do pagamento antecipado a que se refere o § 1º, do art. 150, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação.

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória."


CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Diante de todas as colocações declinadas, resta apenas aguardar os rumos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo porque a questão do direito intertemporal ainda não foi enfrentada frontalmente, tanto pela Corte quanto pelos Contribuintes. Em se tratando de intrincada matéria, não é improvável que surjam outras regras além das três acima explanadas.

No que concerne à inconstitucionalidade e à antijuridicidade do art. 3º, da autoritária Lei Complementar nº. 118/2005, cabe ao Contribuinte levar seus questionamentos ao Supremo Tribunal Federal, o qual poderá tomar para si a palavra final sobre o assunto, como já ocorreu em outros casos. Inclusive, o Autor autoriza honorificamente a reprodução das idéias suprafirmadas, com o anseio de que a tese seja polinizada nas mais diversas cortes pátrias.

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Sobre o autor
Rodrigo Nascimento Accioly

Advogado do escritório Cavalcanti, Carvalho e Alcoforado Advogados Associados.Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACCIOLY, Rodrigo Nascimento. Prazo prescricional para repetição de indébito, Lei Complementar nº 118/2005 e direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1926, 9 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11831. Acesso em: 23 abr. 2024.

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