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O direito sucessório dos companheiros à luz do Código Civil de 2002

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19/10/2008 às 00:00
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2.DA FAMÍLIA E DA SUCESSÃO

A constituição da família por meio da união estável, como ocorre com a celebração do matrimônio, produz efeitos não somente entre os conviventes, como também entre estes e sua prole.

Fábio Ulhoa Coelho preleciona que "as famílias constitucionais (fundadas no casamento, união estável e monoparental) têm assegurados iguais direitos, sendo inconstitucional qualquer preceito de lei ordinária que as discrimine". [162] Os efeitos produzidos pela união estável seriam, neste sentido, os mesmos gerados pelo casamento. [163]

Todavia, é difícil esclarecer as questões relativas à união estável e delimitar o alcance de seus efeitos tendo como referência o Código Civil de 2002, porque o instituto é regulado de modo específico somente pelos artigos 1.723 a 1.727. Este também é o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa.

O legislador não foi claro, ou porque não soube, ou porque assim não desejou. Desse modo é difícil sistematizar os direitos dos companheiros e, muito mais que isso, nos casos práticos será por vezes difícil harmonizar os efeitos da união estável com efeitos do casamento, quando ambos se apresentam concomitantemente ou sucessivamente aos olhos do intérprete. [164]

Após a Constituição de 1988, a primeira lei a trazer disposições acerca dos efeitos jurídicos da união estável foi a 8.791, de 29 de dezembro de 1994, que previu o direito a direito aos alimentos "À companheira comprovada de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole (...) desde que prove a necessidade". [165]

O direito a alimentos, segundo a lei 8.791, depende de a convivência perdurar por tempo superior a cinco anos, ou independentemente do decurso do prazo ou não, a existência de prole em comum.

Hoje, conforme ensina Caio Mário, tal lei encontra-se parcialmente revogada pela lei 9.278, de 1996, e não há que se falar em prazo mínimo para a constituição da união estável. [166]

Outra condição a ser obedecida é o fato de o convivente ser livre, isto é, "solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo".

O direito alimentar é temporário, porque só permanece enquanto o beneficiado não constitui nova união. E, a despeito de o legislador não ter esclarecido se a cessação do direito acontece quando da constituição de uma nova união matrimonial ou não, é possível entender que mesmo no caso de ser constituída união estável deixará de existir para um dos companheiros a obrigação de prestar alimentos, já que a Constituição Federal direciona o entendimento no sentido de prestigiar a entidade familiar. [167]

Contudo, o direito a prestação alimentícia só é devido ao companheiro caso se prove a sua necessidade, que é requisito para existência de qualquer crédito alimentar e, obviamente a possibilidade da prestação, pois não se pode impor que alguém preste alimentos a outrem em detrimento da própria subsistência. [168]

A lei 8.971 também previu a concessão de usufruto de parte dos bens do falecido se ele tivesse deixado filhos ou ascendentes, e desde que não fosse constituída nova união. A mesma lei não limitou o usufruto apenas aos bens comuns adquiridos com esforço comum, logo, os percentuais estabelecidos por ela referem-se à totalidade da herança. [169]

Se os bens deixados pelo autor da herança resultassem de atividade em que tivesse havido colaboração do companheiro, o sobrevivente teria direito à metade dos bens, como já dispunha a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal. [170] Deve-se entender como colaboração todo tipo de participação, trabalho ou esforço para promover o acúmulo dos bens. Caio Mário doutrina que o direito à metade dos bens no caso de colaboração e o direito ao usufruto são cumulativos. [171]

A lei 9.278, de 10de maio de 1996, apesar de ser mais abrangente que a lei 8.971 não a substituiu completamente. A derrogação parcial da lei de 1994 ocorreu somente no atinente ao prazo de cinco anos para que restasse configurada a união estável.

A referida lei trouxe a presunção relativa de condomínio quanto aos bens adquiridos pelos companheiros a título oneroso na constância da união estável, assumindo, assim, alguns pressupostos do regime de comunhão parcial de bens, que teve sua aplicação expressamente determinada a partir do Código Civil [172] de 2002, desde que não houvesse contrato escrito que de modo diverso. [173]

O legislador de 1996 estabeleceu a igualdade de direitos e deveres entre os companheiros, enumerando alguns deles em seu artigo 2º. [174] O artigo 1.724 do Código Civil de 2002 também trouxe disposição acerca dos deveres recíprocos dos conviventes:

Artigo 1.724 – As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Sobre os deveres de guarda, sustento e educação dos filhos, e respeito e assistência entre os conviventes são válidas as considerações feitas quando foram examinados os efeitos decorrentes do casamento.

O Dicionário Houaiss define a lealdade como sendo o "(...) respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade, (...) fidelidade aos compromissos assumidos". Já a fidelidade, possui sentido mais específico, pois seria "(...) característica, atributo do que é fiel, do que demonstra zelo, respeito quase venerável por alguém ou algo; lealdade, (...) compromisso que pressupõe dedicação amorosa à pessoa com quem se estabeleceu um vínculo afetivo de alguma natureza, (...) característica de um sentimento que não esmorece com o decorrer do tempo".

No entanto, "não se justifica dar tratamento diverso, quando são valores essenciais nas relações entre os cônjuges e os companheiros", [175] mesmo que o legislador tenha utilizado a palavra lealdade ao tratar dos deveres dos conviventes e fidelidade ao tratar dos deveres dos cônjuges.

A despeito de o artigo 1.724 do Código Civil não mencionar o dever de fidelidade, entende-se que ele também atinge os companheiros, pois se assim não fosse seria impossível falar em união estável, haja vista que tal estabilidade advém do dever de fidelidade entre os conviventes. [176]

Embora o código também não faça referência ao dever de vida em comum, a jurisprudência é relutante em aceitar a configuração de união estável quando os companheiros vivem em domicílios diversos. Assim, é possível considerar que a vida em moradia única é um dos deveres dos conviventes. [177]

O descumprimento dos deveres inerentes a união estável, todavia, não gera efeito negativo algum, pois no caso de desfazimento da união estável, as conseqüências jurídicas serão as mesmas, qualquer que seja o motivo que tenha dado ensejo à separação. [178]

A união estável não dá aos companheiros o status de casados. Mas há entendimento no sentido de que a inexistência de identificação legal das pessoas em união estável gera insegurança não somente em relação aos conviventes, como também no que se refere às relações com terceiros, pois a união estável traz conseqüências patrimoniais. Assim, seria necessário que a lei determinasse meio de identificar os companheiros, para evitar que terceiros ou que os próprios conviventes sejam lesados. [179]

A constituição da união estável estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial da família ainda que não haja qualquer declaração expressa de seus membros, pois a intenção do legislador foi proteger o direito à moradia. [180] Os conviventes também podem destinar parte de seu patrimônio para a instituição do bem de família, conforme diz o artigo 1.711 do Código Civil de 2002.

A partir da constituição da união estável são estabelecidos vínculos de afinidade entre cada companheiro e os parentes do outro, de acordo com a dicção do artigo 1.595 do Código Civil. [181]

2.4.Da Sucessão Entre Companheiros

O Código Civil de 2002 trouxe em seu artigo 1.790 a matéria atinente à sucessão entre companheiros.

Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves, e Sílvio de Salvo Venosa criticam a inserção do referido dispositivo no Capítulo I do Título I, que trata das disposições gerais da sucessão em geral, prejudicando a sistematização das regras sobre o assunto, quando seria mais apropriado que o assunto fosse abordado no Título II, que versa sobre a sucessão legítima. [182]

Para que o companheiro possa participar da sucessão do outro é necessário que a união estável tenha perdurado até o momento da abertura da sucessão, pois, apesar do silêncio da lei a união estável deve ser atual para que exista vocação hereditária do companheiro sobrevivente. Todavia, se os conviventes estivessem separados por motivos alheios à suas vontades não ocorre descaracterização da união estável. [183]

Para analisar as regras atinentes a sucessão entre os companheiros, é bom que se repita o dispositivo legal no qual tais regras se encontram:

Artigo 1.790 – A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O legislador do Código Civil restringiu a participação do companheiro na sucessão aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, diferentemente do que rezava a lei 8.971, de 1994, que não limitava o direito sucessório do companheiro apenas a tais bens. A lei 8.971 estabeleceu entre os conviventes um condomínio que resultaria, quando de sua dissolução, no reconhecimento do direito à metade dos bens integrantes patrimônio condominial. O novo Código Civil limita o direito sucessório do companheiro sobrevivente aos bens sobre os quais já possui meação. [184]

A participação do companheiro não sofre restrição de acordo com o regime de bens adotado pelos companheiros durante a união estável. A participação do companheiro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável sempre acontecerá, diferentemente do que acontece no caso do cônjuge, que pode não participar da sucessão do outro. [185]

A expressão filhos comuns, constante do inciso I, deve ser entendida como descendentes comuns, porque se assim não fosse os descendentes de grau maior que o primeiro seriam adequados à hipótese do inciso III, e tocaria ao companheiro receber um terço da herança quando concorresse com quatro ou mais netos, por exemplo, enquanto esta mesma situação permite que o cônjuge receba um quarto da herança. "A lei teria, em iguais circunstâncias, conferido ao companheiro mais direitos que ao cônjuge". [186]

Em concorrência com descendentes comuns cabe ao companheiro quota equivalente à que por lei for atribuída a cada descendente chamado a suceder por direito próprio. Mas, diferentemente do que ocorre quando da sucessão entre cônjuges, não há reserva de quota mínima no caso da sucessão entre conviventes.

No inciso II, a expressão descendentes do autor da herança se refere àqueles que são chamados a suceder por direito próprio, ou seja, os filhos. Assim, em concorrência com descendentes que não sejam também filhos do companheiro, cabe a este a metade da fração destinada cada filho, e à estirpe de eventuais filhos pré-mortos. [187]

Como também acontece com a sucessão entre os cônjuges, o Código não dá solução para o caso de concorrência entre o companheiro e descendentes comuns e não comuns simultaneamente. Os filhos possuem iguais direitos sucessórios, [188] por isso é difícil aceitar a aplicação concomitante dos incisos I e II, mesmo porque a quota cabível ao companheiro teria que ser idêntica à dos filhos comuns e, ao mesmo tempo, a metade da quota dos filhos não comuns. Assim, o melhor é, mesmo diante do risco da possibilidade de os bens do de cujus mudarem de linhagem, que no caso de concorrência mista seja adotada a solução mais favorável ao companheiro: a partilha feita por cabeça, em igualdade de condições com os demais herdeiros que forem chamados a suceder por direito próprio. [189]

No mesmo sentido, Silvio de Salvo Venosa diz que "... não há que se admitir outra solução, uma vez que os filhos, não importando a origem, possuem todos os mesmos direitos hereditários". [190]

No entanto, há entendimento no sentido de que no caso de concorrência entre o companheiro e descendência híbrida, cabe ao companheiro receber metade do que for destinado a cada um dos que sucedem por direito próprio, enquanto estes recebem quotas idênticas. [191]

Em concorrência com outros parentes sucessíveis é reservada ao companheiro quota correspondente a um terço da herança. Os dois terços restantes são divididos de acordo com a ordem estabelecida pelo artigo 1.829 do Código Civil, que estabelece que o chamamento dos ascendentes precede o dos colaterais. [192]

A quota de um terço cabível ao companheiro independe do número de ascendentes sucessíveis, ou mesmo o grau de parentesco entre estes parentes e o de cujus. [193]

Os ascendentes repartem os dois terços remanescentes seguindo as regras que lhes são próprias: faz-se a partilha por linhas, sendo que os ascendentes de grau mais remoto são excluídos pelos de grau mais próximo, sem distinção de linha e não é cabível o direito de representação. [194]

Se a concorrência se der entre o companheiro e os colaterais, estes concorrem por cabeça ou por estirpe. É possível que haja direito de representação de sobrinhos do de cujus,conforme a disposição do artigo 1.840, do Código Civil de 2002. [195]

O último inciso do artigo 1.790 trata da hipótese de não existirem parentes sucessíveis, ou seja, o patrimônio do de cujus é destinado integralmente ao companheiro, se ele não houver deixado descendentes, nem ascendentes, nem colaterais até o quarto grau. Se tal ocorrer o companheiro terá direito à totalidade da herança não testada. Ora, se houver testamento tocará ao companheiro somente os bens que não foram destinados pelo testador a seus legatários. [196]

Há que se falar que o fato de permitir que o cônjuge sobrevivente participe da sucessão do falecido se estivessem separados de fato por período inferior a dois anos na data da abertura da sucessão permite que exista concorrência entre o cônjuge e o companheiro sobrevivente, haja vista que não existe prazo mínimo para esteja configurada a união estável. Mas, esta situação não foi resolvida pelo legislador do Código Civil de 2002.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves a melhor solução seria a exclusão do direito do cônjuge relativamente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, enquanto ao companheiro não caberia participar da partilha dos bens adquiridos anteriormente a data de início da união estável. [197]

2.5.Da sucessão na Constituição, Código Civil e doutrina

Vistos os aspectos atinentes ao casamento e à união estável, bem como os efeitos deles decorrentes, não só no que diz respeito à sucessão, como também de modo geral, é possível passar à análise das opiniões adotadas por alguns autores que trazem pensamento bastante distinto entre eles, principalmente no que tange à constitucionalidade do tratamento dado pelo Código Civil à sucessão entre os cônjuges e entre os companheiros.

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Foram escolhidos autores para ilustrar o viés doutrinário apresentado em cada teoria, não significando que eles sejam os criadores desta ou daquela corrente.

Entendimento De Fábio Ulhoa Coelho

Segundo Fábio Ulhoa Coelho o casamento, a união estável e a família monoparental são famílias constitucionais, por isso o legislador ordinário não poderia estabelecer tratamento diverso no que diz respeito aos direitos e obrigações delas decorrentes. Tal só seria possível quando se fala em famílias não constitucionais, como seria o caso da família constituída pela união de pessoas de mesmo sexo.

O autor entende se tratarem de institutos distintos [198], mas a única diferença entre a família resultante do matrimônio e aquela proveniente da união livre e estável residiria tão somente no que diz respeito à prova judicial da existência do vínculo de conjugalidade.

Enquanto no casamento prova-se o vínculo com extrema facilidade, mediante a exibição da certidão do Registro Civil, o da união estável demanda prova mais complexa, para que se convença o juiz de que havia, entre os litigantes, uma convivência duradoura, contínua, pública e destinada à constituição de família. [199]

Destarte, no que tange aos demais aspectos, a união estável seria instituto idêntico ao casamento, independentemente do fato de o legislador constitucional ter acrescentado ao artigo 226, § 3º, a determinação de que a lei devesse facilitar a conversão da união estável em casamento.

Na verdade, essa parte final do preceito constitucional, deve ser interpretada com olhos voltados à realidade. Existem dois tipos de união estável: a dos que têm recursos econômicos para se casar, mas não querem; a dos que não se casam somente porque não têm recursos econômicos para tanto. A facilitação da conversão da união estável em casamento é uma previsão, de alcance social, destinada a atender aos interesses desse segundo grupo de conviventes. Não tem outro significado além desse. [200]

Maria Berenice Dias, no mesmo sentido, diz que o legislador constituinte não pretendeu estabelecer qualquer hierarquização entre as famílias. O rol constante do artigo 226, da Constituição Federal, seria meramente exemplificativo, não havendo, por parte do legislador, intenção de prever maior ou menor produção de efeitos para esta ou para aquela família. Logo, os mesmos direitos sucessórios aplicáveis ao cônjuge, caberiam também ao companheiro. [201]

Data venia, não há que se falar em equiparação entre a união estável e o casamento, pois a Constituição Federal, ao prever a conversão da primeira na segunda, afastou a possibilidade de serem institutos de mesma natureza. Na lei não há palavra ou expressão que se possa reputar inútil. Em verdade, se o legislador quis facilitar a conversão em casamento, não o fez apenas para atender aos interesses de pessoas que não dispõem de recursos financeiros para a realização do matrimônio, mas para dar incentivo àqueles que desejassem realizá-la, protegendo a família matrimonial.

Que motivo teria o legislador para permitir que dois institutos de mesma natureza, e dos quais derivassem os mesmos efeitos, continuassem a existir, se a única diferença entre eles residisse apenas em suas denominações? Se fossem idênticos os institutos, não haveria razão para a existência concomitante do casamento e da união estável.

Fábio Ulhoa Coelho obtempera que o companheiro é merecedor do mesmo tratamento dado ao cônjuge no que diz respeito à ordem de vocação hereditária estabelecida pelo Código Civil, pois o legislador, ao colocar o cônjuge em primeiro, segundo e terceiro lugar na ordem sucessória, pretendia deixar que o patrimônio continuasse nas mãos daquele que provavelmente mais contribuiu para sua formação.

Desse modo, se o cônjuge tem se beneficiado de uma inegável valorização em sua posição na ordem de vocação hereditária, em função do reconhecimento de sua maior contribuição para a formação do patrimônio a partilhar, é inconcebível que o companheiro não possa desfrutar de igual promoção. Seria uma odiosa discriminação. O direito das sucessões, portanto, não pode diferenciar o cônjuge e o companheiro, na definição das preferências e quinhões sucessórios. Ambos devem receber da lei tratamento idêntico, porque não existem razões que possam justificar qualquer vantagem ou desvantagem, para um ou outro, no momento da destinação dos bens do falecido com quem mantinham relação de conjugalidade. [202]

Contudo, é bom recordar que Washington de Barros Monteiro entende que o direito sucessório tem como fundamento o direito de propriedade, que tem como característica principal a perpetuidade (capítulo 2).

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, toda e qualquer diferença que quisesse o legislador infraconstitucional estabelecer entre as famílias de que ora se comenta, seria inconstitucional. "Por conseguinte, no falecimento de pessoa vinculada a união estável, o companheiro sobrevivente terá os mesmos direitos sucessórios titularizados pelo cônjuge". [203]

O autor considera inconstitucional o artigo 1.790, II e III, do Código Civil de 2002, por violar os artigos 226, § 3º, e 5º, XXX, da Constituição Federal, sobre a proteção da união estável como entidade familiar, e sobre a garantia do direito de herança. O mesmo acontece com o artigo 1.829, I, do diploma civil, que trata o cônjuge de modo menos vantajoso do que estabelece o artigo 1.790 na mesma hipótese, pois a participação do cônjuge depende do regime de bens adotado no caso de concorrência entre ele e os descendentes chamados a suceder por direito próprio, enquanto a participação do companheiro não sofre tal limitação.

É inconstitucional reconhecer o direito à concorrência com os descendentes aos casados em certos regimes de bens e negá-lo aos que adotaram outros regimes. A fragilidade dos critérios para distinguir quem concorre e quem não concorre seria já suficiente para questionar-se a constitucionalidade da norma frente ao princípio constitucional da igualdade. Mas, além disso, é inconstitucional discriminar o cônjuge, na concorrência na primeira classe de familiares sucessíveis em função do regime de bens porque o companheiro não foi assim discriminado. [204]

Destarte, o cônjuge e o companheiro participariam da sucessão independentemente do regime de bens adotado pelo casamento ou pela união estável.

Mesmo Fábio Ulhoa Coelho, que afirma não haver diferença entre a união estável e o matrimônio, reconhece a falta de lógica em se impor limitação ao cônjuge que não existe para o companheiro. Todavia, não é possível aceitar a solução proposta pelo autor, que equipara o regime sucessório do casamento ao da união estável, desrespeitando a intenção do legislador de conceder direito sucessório ao cônjuge que não fizesse jus à meação, e de não permitir que bens incomunicáveis quando da constituição do vínculo matrimonial pudessem passar a integrar o patrimônio do sobrevivente após a morte do outro (item 2.1.1).

Seria também, segundo o autor, aplicável à sucessão do companheiro o dispositivo que concede a quota mínima de um quarto quando da concorrência entre o companheiro sobrevivente e filhos exclusivamente comuns. Já no caso de concorrência com descendentes exclusivos do de cujus caberia ao companheiro receber quota igual à daqueles que sucedem por direito próprio.

Em concorrência com ambos os pais do falecido, caberia ao companheiro um terço da herança. Mas, concorrendo com um só ascendente ou com ascendentes de grau maior que o primeiro, teria direito a receber metade da herança, conforme dispõe o artigo 1.837 do Código Civil de 2002.

Finalmente, se não houvesse descendentes ou ascendentes, o companheiro, bem como o cônjuge, receberiam a totalidade da herança não testada do de cujus, sendo inconstitucional a admissão de concorrência do companheiro com os colaterais até o quarto grau. [205]

Entendimento De Caio Mário

Antes de expor o entendimento do autor a respeito da sucessão entre os companheiros, é preciso esclarecer que os comentários contidos em sua obra foram acrescentados por Carlos Roberto Barbosa Moreira, que a atualizou com a ajuda dos manuscritos desenvolvidos por Caio Mário desde a versão original do Projeto do Código Civil de 1975.

De acordo com o que ensina Caio Mário não há que se falar em equiparação entre o casamento e a união estável, pois se a Constituição prevê a conversão em matrimônio têm-se dois institutos de naturezas diversas.

De primeiro, afasta-se a sua equiparação ao casamento. Uma vez que "a lei facilitará sua conversão em casamento" deixou bem claro que não igualou a entidade familiar ao casamento. Não se cogita de conversão, se se tratasse do mesmo conceito. [206]

O eminente estudioso, bem como fazem outros autores, destaca a colocação do artigo 1.790 nas Disposições Gerais do Livro das Sucessões. "É evidente que o companheiro não poderia deixar de figurar a rigor na lista dos herdeiros legítimos (artigo 1.829)". [207]

Francisco José Cahali afirma que, a despeito de não existir referência ao companheiro na ordem de vocação hereditária, a sucessão legítima depende da conjugação dos artigos 1.829 e seguintes, e também do 1.790. [208]

No sistema do Código Civil de 1916, o cônjuge não era considerado herdeiro necessário, e logo não era cabível o entendimento que pronunciava que o companheiro o fosse. [209]

Com o advento do novo Código Civil, o cônjuge foi elevado à condição de herdeiro necessário. O reconhecimento da união estável como entidade familiar a ser protegida não teria servido para atribuir direitos sucessórios aos companheiros, já que a Constituição nada contém a esse respeito, tal só aconteceu a partir das leis 8.971, de 1994, e 9.278, de 1996, mesmo assim não teria havido inclusão do companheiro no rol de herdeiros necessários quando do sistema do Código de 1916. Silvio de Salvo Venosa não considera que o legislador civil de 2002 pretendesse incluir o companheiro no rol de herdeiros necessários.

Inexplicável que o dispositivo diga que essa quota será igual a que cabe "por lei" aos filhos. Não há herança que possa ser atribuída sem lei que o permita. Como, no entanto, não deve ser vista palavra inútil na lei, poder-se-ia elocubrar que o legislador estaria garantindo a mesma quota dos filhos na sucessão legítima ao companheiro, ainda que recebessem diversamente por testamento. Essa conclusão levaria o sobrevivente à condição de herdeiro necessário. Ao nosso ver, parece que essa interpretação nunca esteve na intenção do legislador. [210]

A despeito de o notável jurista duvidar que o legislador civil tivesse intenção de incluir o companheiro no rol de herdeiros necessários, é forçoso concordar que "... a lei claramente concede ao companheiro uma participação na herança que escapa à disponibilidade em testamento" [211], e que, portanto, ele deve ser considerado herdeiro necessário, a quem cabe o direito à legítima.

Na hipótese de concorrência com descendentes comuns, toca ao companheiro sobrevivente receber quota equivalente àquela cabível a cada um dos herdeiros chamados a suceder por direito próprio. O mesmo não ocorre se a concorrência se der com descendentes exclusivos do de cujus, quando o companheiro receberá metade do que for destinado aos outros herdeiros, conforme a dicção dos dois primeiros incisos do artigo 1.790.

No caso de concorrência com filhos comuns e filhos exclusivos do falecido, deve ser deferida ao companheiro sobrevivente a mesma porção que couber aos descendentes chamados a suceder por direito próprio, posição compartilhada por Francisco José Cahali e Silvio de Salvo Venosa, e que parece ser a solução que mais se harmoniza com a determinação constitucional de igualdade entre os filhos.

A questão não poderia ser resolvida por meio da aplicação do inciso II, do artigo 1.790, que é bem claro ao estabelecer que o companheiro recebe a metade do que couber aos outros herdeiros, se concorrer com descendentes só do autor da herança.

Outra restrição agora imposta à vocação do companheiro consiste em limitá-la "aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável". A Lei nº 8.971/94 não circunscrevia o direito sucessório do companheiro apenas a bens com tais características. [212]

Caio Mário entende que a boa técnica jurídica recomenda a análise dos incisos a partir do que se encontra disposto no caput do artigo 1.790, de modo que o companheiro devesse participar somente na sucessão dos bens onerosamente adquiridos na constância da união estável. Todavia, considera que nos casos dos incisos III e IV do referido dispositivo legal, a limitação da participação do companheiro levaria a situações nas quais seria necessário considerar vacante a herança, mesmo em face da existência de um companheiro.

Francisco José Cahali diz que o companheiro somente recebe a totalidade da herança no caso de não haver qualquer outro parente sucessível. E ainda assim toca a ele receber apenas a totalidade dos bens onerosamente adquiridos na constância da união estável. Se houver bens particulares do de cujus, sem que o falecido tenha deixado outro herdeiro além de seu companheiro, tais bens serão considerados herança jacente, e serão destinados ao Poder Público. [213]

A aparente incongruência entre o caput e os dois últimos incisos do artigo 1.790 (na atual redação do novo Código Civil) se resolveria, assim, pelo entendimento de que, nas hipóteses de concorrência com descendentes, comuns ou não, a participação do companheiro na herança do de cuius está efetivamente restrita aos bens mencionados no caput, ao passo que quando deva concorrer com "outros parentes sucessíveis", a fração seria calculada sobre a totalidade da herança. [214]

O fato de o companheiro participar da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável fere a intenção de atribuir direito sucessório ao sobrevivente que não tivesse direito à meação. Este sistema permite que, além da meação a que tem direito, o companheiro receba parcela dos bens comuns integrantes da meação do falecido.

Num exemplo em que o de cujus não tivesse deixado bens particulares, o companheiro sobrevivente, em concorrência com dois filhos comuns, receberia além da parte correspondente a sua meação, um terço dos bens do falecido, enquanto aos filhos tocaria dividir os dois terços restantes. Ao cônjuge, casado em regime de comunhão parcial de bens, se não houver bens particulares, é atribuída somente a quota que se refere à sua meação, enquanto os filhos dividem a herança do pai ao meio. É bom frisar que hipóteses como estas não são raras, haja vista que muitos são os casais que começam a formar seu patrimônio a partir do início da vida em comum.

Melhor seria que a expressão bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável fosse retirada do caput do artigo 1.790, o que resolveria a questão referente ao inciso IV, comentada por Francisco José Cahali e Caio Mário. Estaria claro que na ausência de parentes sucessíveis a totalidade da herança do falecido seria atribuída ao companheiro sobrevivente, não mais se cogitando a participação do Poder Público.

A lei 8.791 previa que na falta de ascendentes e descendentes, o companheiro sobrevivente teria direito à totalidade da herança. No entanto, na ausência de descendentes e ascendentes o artigo 1.790, do Código Civil de 2002, prevê a concorrência entre o companheiro sobrevivente e os colaterais até o quarto grau. Somente na hipótese da falta de parentes sucessíveis seria deferida ao companheiro a totalidade da herança.

(...) o Código Civil de 2002, contrariando o sistema que resultava da primeira daquelas duas leis, situou o companheiro em situação pior na ordem da vocação hereditária: na ausência de descendentes e de ascendentes, e a partir da vigência do novo diploma, o companheiro passou a ser chamado em concorrência com "outros parentes sucessíveis", e não mais na qualidade de herdeiro único. [215]

Há que se concordar com Sílvio de Salvo Venosa, que diz que concorrência entre o companheiro e os colaterais representa um retrocesso que deve ser corrigido por meio da alteração do texto legal para que o companheiro receba toda a herança na falta de descendentes e ascendentes do de cujus, colocando o companheiro "... em posição inferior àquela conquistada em 1996". [216]

Note que existe um retrocesso na amplitude dos direitos hereditários dos companheiros no Código Civil de 2002, pois, segundo a lei referida, não havendo herdeiros descendentes ou ascendentes do convivente morto, o companheiro sobrevivo recolheria toda a herança. No sistema implantado pelo artigo 1.790 do novo Código, havendo colaterais sucessíveis, o convivente apenas terá direito a um terço da herança, por força do inciso III. O companheiro ou companheira somente terá direito à totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis. [217]

Entendimento De Sílvio de Salvo Venosa

Sílvio de Salvo Venosa obtempera que o casamento e a união estável têm naturezas jurídicas diversas: "... enquanto o casamento é negócio jurídico, a união estável é fato jurídico". [218]

Francisco José Cahali afirma que "... para efeito de proteção do Estado, há equiparação plena da união estável ao casamento, com eficácia imediata da norma às relações exteriores da relação; vale dizer, os efeitos externos da união estável para o Estado e para a sociedade são idênticos aos do casamento. Entretanto, para os efeitos internos da relação, especificamente quanto aos direitos e obrigações recíprocas entre os conviventes, em razão do silêncio da norma constitucional, não há como se aplicar as mesmas regras destinadas ao casamento, sendo imprescindível a edição de legislação própria e específica sobre o universo dos direitos pessoais e patrimoniais aos partícipes da relação". [219]

No entanto, deve-se reconhecer o fato de o legislador constitucional não ter equiparado a união estável e o casamento, o que se constata por meio da análise do artigo 226, § 3º, 2ª parte, da Constituição Federal, que determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Em momento algum se afirma que os efeitos produzidos pela constituição da união estável seriam iguais aos que decorrem da celebração do matrimônio. Neste sentido, convém transcrever os ensinamentos de Maria Helena Diniz:

A Constituição Federal de 1988, no artigo 226, § 3º, 2ª parte, não pleiteou a edição de leis que conferissem direitos e impusessem deveres aos conviventes como se a união estável fosse idêntica ao casamento, mas sim de normas que viessem a simplificar ou facilitar procedimento para conversão da união estável em matrimônio. Todavia, não é novidade que, apesar da referida norma constitucional ser de ordem pública, requerendo interpretação restritiva, a legislação infraconstitucional e a jurisprudência, em lugar de facilitar sua conversão passaram a conferir mais direitos aos conviventes que aos cônjuges. [220]

As semelhanças entre os institutos se limitam a seus elementos essenciais, já que ambos são dignos da proteção do Estado, são regidos pelo Direito de Família, pressupõem a existência de uma relação monogâmica fundada na fidelidade, impõem aos cônjuges e aos companheiros direitos e deveres recíprocos, entre outras. Mas, não se deve generalizar a ponto de concluir que os efeitos do casamento devem ser estendidos à união estável.

Como já se afirmou em tópico anterior (item 1.3.1) a união estável é entidade familiar, que tem como requisito fundamental para sua caracterização o objetivo de constituição de família.

Para que seja constituída a família, verdadeiramente, é preciso que tenha ocorrido a celebração do matrimônio, pois a constituição da família é mais importante dos efeitos decorrentes do casamento (item 2.1), e igual efeito não é gerado pela união livre e estável entre os conviventes.

Sendo a união estável fundada no objetivo de constituir família, a sua conversão em casamento é conseqüência lógica e natural. A finalidade da união estável é, um dia, se converter em casamento, haja vista que se não houver intenção de formar família, não se pode falar em união estável.

Torna-se, então, impossível aceitar que os dois institutos possam produzir os mesmos efeitos, o que de fato não acontece. Há que se concordar com o pensamento de Sílvio de Salvo Venosa, pois se se admite que a união estável seja convertida em casamento, e não o contrário, é de se concluir que do matrimônio derivam mais efeitos do que da convivência estável.

Assim, "por uma questão de lógica e em decorrência do sistema constitucional sobre a família, a união estável ou o concubinato, em princípio, nunca poderá gozar de direitos mais amplos do que o casamento". [221]

Sob forte aspecto, a regulamentação da união estável é um paradoxo, pois quem escolhe por assim viver não quer se prender a formalismos de um ordenamento. (...) ao contrário da maioria das legislações, o legislador brasileiro optou por uma postura francamente intervencionista na vida dos unidos sem casamento. Trata-se, sem dúvida, de uma publicização da vida privada. Se, por um lado, o Direito não pode ignorar os fenômenos sociais, por outro, a excessiva regulamentação tolhe a liberdade de cada um. Se o casal opta por viver à margem do casamento é porque não deseja a intervenção do ordenamento em sua relação. [222]

O legislador do Código Civil preferiu apresentar disposições acerca da união estável. Mas, de acordo com o autor, a legislação tratou da matéria de modo obscuro. "Poderia o legislador ter optado em fazer a união estável equivalente ao casamento, mas não o fez. Preferiu estabelecer um sistema sucessório isolado no qual o companheiro supérstite nem é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras claras para sua sucessão". [223]

De acordo com o sistema sucessório estabelecido pelo artigo 1.790 do Código Civil de 2002, a participação do companheiro na sucessão do outro ocorre somente quanto aos bens onerosamente adquiridos durante a união estável, sem necessidade de se observar o regime de bens adotado pelos conviventes.

É preciso observar que tal sistema cria hipóteses na quais o companheiro tem situação mais confortável do que o cônjuge, que tem sua participação sucessória limitada se tiver sido casado em regime de comunhão universal, separação obrigatória, ou comunhão parcial, em que não haja bens particulares do falecido.

Não sendo aceitável que a união estável produza efeitos mais amplos que aqueles decorrentes da união matrimonial, também não se pode considerar que o companheiro possa participar da sucessão do outro independentemente do regime de bens em que se deu a convivência. O legislador deveria ter previsto, no mínimo, que a participação do companheiro dar-se-ia apenas quando o regime de bens fosse a separação facultativa de bens, a participação final nos aqüestos, ou se no caso da comunhão parcial de bens houvesse bens exclusivos do companheiro falecido, que são os casos que permitem a participação do cônjuge na sucessão.

Sílvio de Salvo Venosa também critica o fato de o legislador não ter se ocupado das repercussões que poderiam atingir o direito sucessório quando da celebração de contrato escrito pelos companheiros, no qual viessem a adotar regime diverso da comunhão parcial de bens, como ocorre com a sucessão entre os cônjuges, que depende sobremaneira do regime patrimonial em que se dá o matrimônio.

O legislador deveria ter previsto a hipótese, mas, perante sua omissão, a resposta deverá ser negativa. Não há que se levar em conta que o contrato escrito entre os conviventes tenha o mesmo valor jurídico de um pacto antenupcial, o qual obrigatoriamente segue regras estabelecidas de forma e registro. Desse modo, consoante os termos peremptórios do caput do artigo 1.790, o convivente somente poderá ser aquinhoado com patrimônio mais amplo do que aquele ali definido por meio do testamento. O contrato que define eventual regime entre os companheiros não pode substituir o testamento. [224]

O autor ensina que as leis 8.791 e 9.278 não foram inteiramente revogadas pelo Código Civil de 2002. Estariam revogados os dispositivos que disciplinam a forma pela qual se estabelece o direito hereditário dos companheiros, pois o artigo 1.790 trata a matéria de modo diverso. Não mais há que se falar em usufruto, pois a participação do convivente na sucessão do outro se dá sob a modalidade de direito de propriedade.

Fábio Ulhoa Coelho, diante da igualdade entre os institutos, diz que não se aplica ao direito real de habitação do cônjuge e do companheiro qualquer restrição. Independentemente de haver outro bem imóvel a inventariar, o cônjuge, bem como o companheiro do falecido, possui o direito de continuar a residir no imóvel que ocupava ao tempo da abertura da sucessão. [225]

O companheiro também é titular do direito real de habitação, não somente por força da isonomia de tratamento em relação ao cônjuge, constitucionalmente assegurada, como também em razão da expressa previsão do artigo 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96, que continua em vigor por versar sobre tema não disciplinado no Código Civil. [226]

Sílvio de Salvo Venosa entende ser possível a manutenção do direito real de habitação previsto na lei 9.278, pois tal direito diz respeito à assistência material que deve ser prestada por ambos os conviventes, e "... atende às necessidades de amparo do sobrevivente, como complemento essencial ao direito assistencial de alimentos". [227]

O mesmo posicionamento é adotado por Caio Mário, que ensina que o direito real de habitação do companheiro existe, a despeito de o legislador do novo Código Civil ter se omitido, devendo ser aplicado nos mesmos moldes em que foi deferido ao cônjuge, conforme a dicção do artigo 1.831. [228] Bastante sensato é o entendimento do notável jurista, ao sugerir que tal direito seja concedido ao companheiro desde que o imóvel em questão seja o único desta natureza a compor o inventário, limitação que, atualmente, só se impõe ao cônjuge.

Em sentido contrário, Francisco José Cahali afirma que os dispositivos que tratavam do usufruto vidual e do direito real de habitação, previstos nas leis 8.791 e 9.278, foram revogados pelo Código Civil de 2002.

Em nosso entender, houve a revogação dos artigos referidos por incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o artigo 1.790 estabelece que o companheiro ou companheira "participará da sucessão do outro (...) nas condições seguintes". Fora das condições previstas na norma, o sobrevivente não participa da sucessão de seu falecido companheiro; e aqueles direitos não deixam de representar uma forma de participar na sucessão. Vale dizer neste particular – sucessão decorrente da união estável –, o novo Código disciplinou inteiramente a matéria, revogando, assim, os efeitos sucessórios entre os conviventes previstos em normas anteriores. [229]

Entende-se que o direito real de habitação do companheiro ainda existe, pois não há disposição expressa sobre a matéria no Código Civil, que não a disciplinou inteiramente, ao contrário do que afirma Francisco José Cahali.

Sílvio de Salvo Venosa concorda com a aprovação do projeto de lei 6.960 de 2002, que dá ao artigo 1.790 a seguinte redação:

O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:

I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (artigo 1.641);

II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;

III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.

Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Segundo o autor as mudanças propostas pelo referido projeto de lei respeitam a igualdade entre os filhos, consideram o regime de bens adotado pelos conviventes, e eliminam a concorrência entre o companheiro sobrevivente e os colaterais. "Urge que esse texto seja aprovado, pois a redação original do artigo é retrógrada, para dizer o mínimo". [230]

De Lege Ferenda

É consenso que a parte da legislação que cuida da sucessão entre os companheiros é permeada de imperfeições. Para as sanar é necessário que o texto legal seja modificado.

Os estudiosos do Direito, de modo geral, após tecerem críticas acerca do que consta da lei, se dedicam apresentar a proposta de alteração que mais lhes parece conveniente, o que é de grande importância para que se possa chegar ao texto que reflita a soma dos fatores reais do poder, [231] ao qual se refere Ferdinand Lassalle.

Este trabalho não poderia ser diferente. Afinal, a crítica pura e simples, que não conduz a uma solução, é crítica vã, ou mera reclamação.

Não há presunção de acreditar que a proposta aqui colocada possa ser chamada de ideal (certamente, não o é); é apenas a cristalização dos resultados do presente estudo, por meio da qual se oferece uma singela contribuição.

Projeto de lei..., de 2007

Dá nova redação aos artigos 1.829, 1.830 e 1.831, 1.836, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 da Lei 10.460, de 10 de janeiro de 2002, que "Institui o Código Civil", acrescenta e revoga dispositivos, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Artigo 1º. Os artigos 1.829, 1.830 e 1.831, 1.836, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 da Lei 10.460, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, salvo se casado, ou se o companheiro tiver mantido união estável, com o falecido no regime da comunhão universal, ou da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro;

III – ao cônjuge ou companheiro sobrevivente;

IV – aos colaterais."

"Artigo 1.830. (...)

Parágrafo único. O direito sucessório do companheiro sobrevivente somente é reconhecido se, ao tempo da morte do outro, não se havia dissolvido a união estável."

"Artigo 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, enquanto viver e não constituir nova união, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a partilhar."

"Artigo 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente. (...)"

"Artigo 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se for maior aquele grau."

"Artigo 1.838. Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente (artigo 1.830)."

"Artigo 1.839. Se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente, nas condições estabelecidas no artigo 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau."

"Artigo 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e o companheiro."

Artigo 2º. Acrescente-se, após o artigo 1.832 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte dispositivo:

"Artigo 1.832-A. O companheiro participará da sucessão do outro na seguinte forma:

I – em concorrência com descendentes comuns, terá direito a quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça.

II – em concorrência com descendentes exclusivos do falecido, terá direito à metade do que couber aos que sucederem por cabeça.

III – em concorrência com descendentes comuns e descendentes exclusivos do falecido, terá direito a quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça."

Artigo 3º. Fica revogado o artigo 1.790 da Lei 10.460, de 10 de janeiro de 2002.

Artigo 4º. Esta lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORDÃO, Luciana Ramos. O direito sucessório dos companheiros à luz do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1936, 19 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11840. Acesso em: 27 abr. 2024.

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