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A competência da Justiça Militar brasileira e o abuso de autoridade praticado por militar

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11/10/2008 às 00:00
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4 A COMPETÊNCIA PARA JULGAR MILITAR ACUSADO DE ABUSO DE AUTORIDADE

Há muitos anos discute-se nos tribunais superiores sobre a competência, e até mesmo a natureza jurídica, do crime de abuso de autoridade cometido por policial militar no exercício da função. Aplica-se, neste caso, a regra básica de competência do art. 69 et. seq. do Código de Processo Penal, são elas: o lugar da infração, o domicílio do réu, a natureza da infração, a distribuição, a conexão ou continência, a prevenção e a prerrogativa de função.

No mais, seja militar estadual ou federal, a competência para processo e julgamento é a da justiça comum e não da castrense. Tal afirmação é corroborada por entendimento sumulado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que diz:

"compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço", e não para por aí: "Policiais militares denunciados perante a Justiça Comum e Militar. Imputações distintas. Competência da primeira para o processo e julgamento do crime de abuso de autoridade, não previsto no Código Penal Militar, e da segunda para o de lesões corporais, porquanto os mesmos se encontravam em serviço de policiamento. Unidade de processo e julgamento excluída pela incidência do art. 79, I, do CPP" (STJ – RT, 663/347).

Portanto, pode-se constatar o entendimento jurisprudencial de que compete à justiça comum o julgamento de militar que comete crime de abuso de autoridade contra civil. O principal fundamento é de que não há previsão de tal crime na legislação penal castrense (Código Penal Militar), além do mais é o que dispõe a lei que regula o processo de responsabilização dos crimes de abuso de autoridade.

Por isso, essa é uma doutrina que tem se espalhado pelos tribunais brasileiros, a conferir: o abuso de autoridade – competência – crime praticado por policiais militares no exercício de função administrativa civil (Lei n.º 4.898, de 9-12-65, arts. 3º, 4º e 6º). Tratando-se de delito previsto apenas na lei penal comum e não na militar, a competência para o processo e julgamento é da justiça comum. Precedentes do Supremo Tribunal Federal." (STF – RHC 63.145-2-MG – Rel. Min. Sidney Sanches – DJU, 16 ago. 1985, p. 13.257 – SIP 2/86).

"Firmou-se a jurisprudência do STF e do TRF no sentido de que compete à Justiça Ordinária Estadual conhecer e julgar os crimes de abuso de autoridade, mesmo quando praticados por policiais militares, no exercício de função administrativa civil". (C.Comp. 7.303-MG – 1ª Seção TFR – Rel. Min. Costa Lima – j. 25-3-87 – DJU, 21 maio1987, p. 9.580 – SIP 6/87).

"Processo penal – Competência – Policial Militar – Crime de abuso de autoridade – Lei n.º 4.898/65 – Art. 4º, a – 1. Não previsto o crime no Código Penal Militar, mas na legislação comum, e embora praticado por policial militar, no exercício da função policial civil, a competência é da Justiça Estadual e não da Justiça Militar".


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A organização da Justiça Militar brasileira é de complexidade ímpar, no tocante à matéria de competência. Os legisladores não tratam com uniformidade de assuntos inerentes à Justiça Militar (federal e estadual), gerando um cenário de maior desordem.

No dia 1 de abril de 2008, a Justiça Militar brasileira fez 200 anos de instalação no Brasil, originariamente chamado de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Possui, além de inúmeros desafios estruturais, um sistema de organização ímpar, frente aos outros países que a possui, segundo nos dá noticia o eminente Promotor de Justiça Militar Jorge César de Assis (2008), pois ela é gênero que apresenta duas espécies: a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual.

A Justiça Militar, em razão da pessoa, deveria ser a responsável para julgar o militar incurso desse crime, pela razão jurídica de se manter uma justiça castrense forte, além de preservar práticas típicas e costumes típicos da caserna, inerentes à função de militar, em homenagem ao princípio constitucional militar da hierarquia e disciplina (art. 142, CR/88). Certamente, o pequeno contingente alocado na Justiça Militar, aliado ao descompasso legislativo, fizeram com que os tribunais ditassem esse entendimento dominante.

O militar que pratica um crime, seja qual for e contra quem o fizer, deve ser submetido à Justiça Castrense, pois esta é mais rigorosa quanto à previsão e aplicação da lei penal militar, ressalvado os casos em que o militar comete crime doloso contra a vida humana, competência constitucional intocável do Júri Popular.

Portanto, até que se legisle disposições em contrário, o que não é uma eventualidade do Poder Legislativo tipicamente positivista, o militar que pratica crime de abuso de autoridade contra um civil, no exercício da função, será submetido à Justiça Comum para ser processado e condenado, observadas as ressalvas e especificidades da complexa legislação militar brasileira.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, J. C. de. A Justiça Militar Brasileira. Jus Militaris. Rio Grande do Sul. Disponível em: http://jusmilitaris.com.br. Acesso em: 01 set. 2008.

BARROSO FILHO, J. Justiça Militar da União. Jus Navigandi. Teresina: v. 3, n. 31, 1999.

CARVALHO, A. R. de. A tutela jurídica da hierarquia e da disciplina militar: aspectos relevantes. Jus Navigandi. Teresina: v. 9, n. 806, 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7301>. Acesso em: 24 jun. 2008, p.60-61.

CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 186.

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_______________. Curso de Processo Penal. 11ª edição revista e atualizada. Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p.188.

NETO, J. da S. L. Processo Penal Militar. 5ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p.104.

ROSA, P. T. R. Conceito e Alcance do Conselho de Justificação. Disponível em: www.portalmilitar.com.br. Acesso em: 2008.

Regulamento Disciplinar para a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, Decreto n. 88.777/83.

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Sobre o autor
Julio Cesar da Silva Nunes

Advogado, pós-graduado em Direito Público pela UNISAL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Julio Cesar Silva. A competência da Justiça Militar brasileira e o abuso de autoridade praticado por militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1928, 11 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11859. Acesso em: 6 mai. 2024.

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