IV.) Dignidade da Pessoa Humana, Defensoria Pública e acesso à ordem jurídica justa e social:
A dignidade da pessoa humana é um dos pilares fundamentais da República, sendo certo que a lei quando o consagra traceja um perímetro mínimo de respeitabilidade aos direitos humanos, pouco importando o indivíduo, vez que é universal a sua incidência.
Luiz Antônio Rizzatto Nunes expõe:
É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o
sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos
individuais... Dignidade é um conceito que foi elaborado no decorrer da
história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como valor
supremo, construído pela razão jurídica... A dignidade nasce com a
pessoa. É lhe inata. Inerente à sua essência" [23]
José Joaquim Gomes Canotilho, por seu turno, em magistral lição ensina que a dignidade da pessoa humana parte pela teoria dos cinco elementos, a qual explica:
A Constituição da República não deixa quaisquer
dúvidas sobre a indispensabilidade de uma base antropológica
constitucionalmente estruturante do Estado de direito (cfr. CRP, art. 1.°:
«Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa
humana»; art. 2.°: «A República Portuguesa é um Estado de direito
democrático baseado no respeito e na garantia de efetivação dos direitos
e liberdades fundamentais»). A densificação dos direitos, liberdades e garantias é
mais fácil do que a determinação do sentido específico do enunciado
«dignidade da pessoa humana». Pela análise dos direitos fundamentais,
constitucionalmente consagrados, deduz-se que a raiz antropológica se
reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como
administrado (cfr. infra, Padrão II). Quanto à dignidade da pessoa humana,
a literatura mais recente procura evitar um conceito «fixista»,
filosoficamente sobrecarregado (dignidade humana em sentido «cristão e/ou
cristológico», em sentido «humanista-iluminista», em sentido
«marxista», em sentido «sistémico», em sentido «behaviorista»). 1. Teoria de cinco componentes Nesta perspectiva, tem-se sugerido uma «integração
pragmática», susceptível de ser condensada da seguinte forma: (1) Afirmação da integridade física e espiritual do
homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente
responsável (CRP, arts. 24.°, 25.°, 26.°). (2) Garantia da identidade e integridade da pessoa
através do livre desenvolvimento da personalidade (cfr. refracção desta
ideia no art. 73/2.° da CRP). (3) Libertação da «angústia da existência» da
pessoa mediante mecanismos de socialidade, dentre os quais se incluem a
possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas
(cfr. CRP, arts. 53.°, 58.°, 63.°, 64.°). (4) Garantia e defesa da autonomia individual através da
vin-culação dos poderes públicos a conteúdos, formas e procedimentos do
Estado de direito. (5) Igualdade dos cidadãos, expressa na mesma dignidade
social e na igualdade de tratamento normativo, (cfr. CRP, art. 13.°), isto
é, igualdade perante a lei. Esta «teoria de cinco-componentes» (PODLECH)
parece adequada às sugestões normativas da constituição e ao contexto
jurídico-cultural [24].
O grau de maturidade de uma democracia está na intensidade de seu respeito, bem como no teor da concretização de uma igualdade de fato, material e não uma letra seca e fria no texto constitucional.
Luiz Antônio Rizzatto Nunes diz:
...toda pessoa humana, pela condição natural de ser,
com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se
destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Estas
características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero
existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação é a raiz
da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de
existir, independentemente de sua situação social, traz na sua
superioridade racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação,
quer em razão do nascimento, de raça, de inteligência, saúde mental ou
crença religiosa [25].
A concretização desse postulado depende da vivacidade das garantias no sistema de tutela das liberdades públicas, a qual aparecerá definitivamente quando a todos indistintamente for concedido oportunidades de vida, além de possibilitar que as pessoas possam efetivamente ter chances de reconstruir seus passos rumo a horizontes melhores.
A dignidade da pessoa humana é o postulado que demanda um tratamento condigno a cada ser humano, com reconhecido equilíbrio na concretização de políticas públicas e o respeito às individualidades e particularidades de cada ser humano, onde considera-se que o homem é a medida de todas as coisas como expunha o filósofo Protágoras.
José Joaquim Gomes Canotilho diz que o postulado é um elemento dotado de abertura de valoração, cuja adequação e concretização depende de uma atuação dos órgãos ou agentes de concretização das normas [26].
José Afonso da Silva endossa o coro ao afirmar:
(...) o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a
uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem,
não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos
sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da
personalidade" individual, ignorando-a quando se trate de direitos
econômicos, sociais e culturais". Daí decorre que a ordem econômica
há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art.
205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do
conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana [27].
Ao se negar a legitimidade, por falta de convênio entre as instituições, houve, data vênia, ingerência na sua independência e autonomia, por terem se reunido para co-litigar, suprindo, embora desnecessário, o ato de convênio, de cunho infra-legal, por vislumbrarem a relevância social e interesse coletivo do tema.
O disposto no art. 134, da Constituição Federal, não pode se tornar letra morta, tampouco uma promessa inconstitucional! E nem se diga que o prosseguimento do feito isoladamente pela DPU supriria os interesses dos assistidos, porquanto a transcendência dos efeitos determinantes da decisão hostilizada atingirá a atuação da DPE em todos os processos que envolvam entes federais, seja administrativo ou judicial.
Segundo Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior:
A nova redação do art. 5º da LACP (Lei 7.347/1985),
determinada pela Lei n. 11.448/2007, prevê expressamente a Defensoria
Pública (art. 5º, II, LACP) entre os legitimados para a propositura da
ação civil pública. Atende, assim: a) a evolução da matéria,
democratizando a legitimação, conforme posicionamento aqui defendido; b) a
tendência jurisprudencial que se anunciava [28].
Importantíssimo firmar assim a consciência jurídica da verdadeira função e organização da Defensoria Pública no atual cenário Brasileiro. Vejamos as precisas descrições de Marília Gonçalves Pimenta:
A instituição é dotada de autonomia perante os demais
órgãos estatais, estando imune de qualquer interferência política que
afete sua atuação. E, apesar do Defensor Público Geral estar no ápice da
pirâmide e a ele estarem todos os membros da DP subordinados
hierarquicamente, esta subordinação é apenas sob o ponto de vista
administrativo. Vale ressaltar, ainda, que em razão deste princípio
institucional, e segundo a classificação de Hely Lopes Meirelles, os
Defensores Públicos são agente políticos do Estado [29]
V.) O Litisconsórcio entre Defensorias e as conclusões:
Justamente em razão da autonomia e independência funcional, e no interesse coletivo-cooperativo federativo do bem comum dos assistidos é que a actio pode forma convergente de litisconsórcio, por extensão analógica do art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/85.
Analogicamente confira o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.
LITISCONSÓRCIO. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL. AUSÊNCIA DE
DIPLOMA LEGISLATIVO QUE ATRIBUA O JULGAMENTO À JUSTIÇA ESTADUAL. PARCIAL
PROVIMENTO
Onde há a mesma razão, há o mesmo direito!
Em que pese a disposição legal se dirigir ao Ministério Público, vez que à época ainda não havia sido aprovada a Lei n° 11.448/07, considerando que o tratamento constitucional dispensado à Defensoria Pública é igual ao dado para o Ministério Público, sendo ambas as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, tendo, inclusive, princípios institucionais idênticos, conclui-se que, também, é lícito às Defensorias Públicas, inclusive da União, realizarem litisconsórcio para a defesa dos interesses e direito, principalmente quando as circunstâncias do caso o recomende ( CPC, art. 46 ), "[...] independentemente da vontade dos réus [...]" ( RT – 589/155 ).
O litisconsórcio é instrumento de homenagem ao Princípio da Economia Processual.
A Defensoria Pública é órgão uno e indivisível, antes de ser evitada, a atuação conjunta deve ser estimulada. As divisões existentes na Instituição não obstam trabalhos coligados. Dentro da sua autonomia, pode engendrar litisconsórcio sem qualquer autorização e edição de convênio dependendo apenas da presença de um interesse comum, a saber, a defesa dos mais necessitados.
A estratégia é conjunta, e não deve ser cindida, pena de se quebrar a busca da unidade de convicção sobre o meritum causae, eis que o decisum deverá, dentro do impulso dos legitimados ativos, trazer resposta única ao maior interessado: o assistido.
Portanto, é plenamente possível o litisconsórcio facultativo entre órgãos da Defensoria Pública da União e Estadual valendo-se do mesmo entendimento utilizado em prol do Ministério Público.
A atuação da Defensoria Pública em defesa das pessoas necessitadas, permitindo efetividade, sem retórica, da Carta Cidadã, deve ser digna de louvor e homenagens.
Assim, não há como negar a legitimidade da Defensoria Pública para demandar ações civis públicas, inclusive com as Estaduais atuando perante a Justiça Federal sozinhas e/ou em litisconsórcio, no intuito de se garantir a tutela dos direitos denominados metaindividuais, sobretudo por se presumir estar configurado, diante da representação adequada, o interesse social relevante.
VI.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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