Sumário: I.) A Defensoria Pública e a Assistência Jurídica Integral; II.) A Universalização da Jurisdição a atuação das Defensorias Públicas: III.) Da Legitimidade das Defensorias Públicas para a Ação Civil Pública: IV.) Dignidade da Pessoa Humana, Defensoria Pública e acesso à ordem jurídica justa e social; V.) O Litisconsórcio entre Defensorias e as conclusões; VI.) Referências Bibliográficas.
I.) A Defensoria Pública e a Assistência Jurídica Integral:
A Defensoria Pública é uma instituição essencial à Justiça, com envergadura constitucional (art. 134 da CF/88) e mesma dignidade e importância que a Magistratura, o Ministério Público, a Advocacia Pública e Privada [01].
Não há dúvidas de que todas estas instituições do mundo jurídico têm um papel relevante na construção do acesso à Justiça.
No entanto, por vocação constitucional, a Defensoria Pública tem um papel diferenciado. Seu desiderato, à luz da assistência jurídica integral, objetiva o acesso à Justiça Social sem dispor da defesa da cidadania, assim como a Magistratura não pode dispor da jurisdição e o Ministério Público da ação penal sendo, portanto, vital "instrumento de concretização dos direitos humanos" [02].
Os órgãos de execução, isto é, seus Defensores Públicos são os olhos, ouvidos e vozes de milhões de pessoas que vivem na pobreza de toda ordem, isto é, num verdadeiro "apartheid" [03] jurídico, e que não têm a quem recorrer. Trata-se, de forma inegável, da última porta.
Daí a ratio que permite concluir que os Defensores Públicos são também agentes de transformação social [04].
Neste contexto é que deve ser salientado que a sua performance pode se apresentar e subdividir como função típica, pressupondo hipossuficiência jurídica e econômica e, de outro lado, função atípica, que não exige tais condições, mas sim a de necessitado puramente jurídico, v.g. do curador especial, ex-vi-legis do art. 9°, II, do Código de Processo Civil.
Apenas para elucidação, na sua função típica-originária, "o acesso à Defensoria Pública é decorrente de garantia constitucional como segmento do exercício da cidadania. Não é a pobreza que assegura esse direito, e sim a cidadania, pois de outro modo estar-se-ia abrindo espaço para o preconceito [05]".
À guisa de exemplos da função típica, extrai-se os seguintes:
-vários pedidos realizados no Estado de Minas Gerais,
pelos órgãos de execução da Defensoria Pública pela efetivação do
exercício do direito ao voto pelos presos provisórios, onde se infere a
hipossuficiência jurídica e econômica [06]; -atendimento de pessoas superendividadas, que embora não
estejam na linha da pobreza, mas por estarem comprometidas economicamente,
tornam-se juridicamente hipossuficiente [07].
Na dinâmica da segunda função que se insere, também, a sua atuação afirmativa em sede coletiva, emergindo tratamento amplo em detrimento de fragmentados litígios.
Tratam-se dos direitos chamados non abbientes (aqueles sem riquezas ), cujo tratamento grupal é que abre as portas da universalização da jurisdição e consectária unidade de convicção jurisdicional.
Embora a edição da Lei n° 11.448/07 tenha incluído a Defensoria Pública no rol do art. 5°, II, da Lei n° 7.347/85, como parte legítima ad-causam para propor ação principal e cautelar em ação civil coletiva, é se de atentar que tal previsão já encontrava guarida no art. 82, III, do Código de Defesa do Consumidor ( Lei n° 8.078/90 ), com a chancela da jurisprudência do STJ [08].
II.) A Universalização da Jurisdição a atuação das Defensorias Públicas:
A questão da legitimatio, pois, ao revés do que se arquiteta, embora nova, não foi inaugurada pela mutação legislativa da lei da Ação Civil Pública, cujo debate é imenso/intenso.
Por tal razão é que restringiremos este singelo estudo a um único ponto, pouco explorado, mas de relevância crucial à valoração do pacto federativo de cooperação e da universalização da jurisdição.
A atuação isolada ou em litisconsórcio das Defensorias Públicas Estaduais com a Defensoria Pública da União, perante, especificamente, a Justiça Federal, assinalada no art. 14, da Lei Complementar Federal n° 80/94.
Afinal, como bem realçado pela doutrina, "a exigência da representatividade adequada não pode tornar-se uma alternativa para ‘sentenças processuais’, vedando o enfrentamento da matéria de fundo" [09].
Pois bem!
O art. 14, § 1°, da LC n° 80/94, afirma literalmente que, verbis:
"§ 1° A Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos no caput, no desempenho das funções que lhe são cometidas por esta Lei Complementar" ( g.n. ).
Em singela análise do preceptivo normativo em epígrafe, verifica-se que o indigitado convênio viabiliza, se editado, a transposição do desempenho das funções da Defensoria Pública da União para as Defensorias Públicas Estaduais descritas apenas e tão-somente na aludida lei, para que estas atuem perante, dentre as várias Justiças Especializadas, a Federal.
Logo, não havendo estipulação funcional/institucional específica na referida lex, cujo rol do art. 4° é numerus clausus, quanto ao patrocínio da Ação Civil Pública pela Defensoria Pública da União, é de se concluir que as Defensorias Públicas Estaduais não estão impedidas de atuar, em sede coletiva, sejam sozinhas ou em litisconsórcio perante a Justiça Federal.
O desempenho da função de patrocínio de ação coletiva é determinada pela Lei Complementar Estadual n° 65/03, no caso de Minas Gerais, aliada à Lei n° 7.347/85, de forma cumulativa à este Estado, e geral, esta última, para os demais que não detiverem previsão em âmbito estadual, inclusive para a DPU, e não pela LC n° 80/94, que serve de isolado parâmetro para a edição do convênio.
Daí a ratio de o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, do Instituto Brasileiro de Direito Processual – CBPC-IBDP elencar, através do seu art. 19, IV, sem restrição de órgão jurisdicional para autuação, e aumentada para todo o microssistema processual coletivo, a legitimidade da Defensoria Pública, litteris:
A Defensoria Pública para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas forem necessitados, do ponto de vista organizacional, e dos individuais homogêneos, quando os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas forem, ao menos em parte hipossuficientes [10].
Também em sede de estudo da codificação é a perspectiva da UERJ/UNESA, sobre a legitimidade sem restrição de atuação:
A Defensoria Pública, para a defesa dos direitos ou
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, quando os
interessados forem, predominantemente, hipossuficientes [11].
Em corolário, tanto pela perspectiva da legislação vigente como o âmago da prospectiva, indiscutível a dispensabilidade do convênio em sede coletiva por não ser função estipulada na norma paradigmática (Lei Complementar Federal), prestigiando a universalização da jurisdição.
Ademais, considerando que a LC estipula norma geral, permite-se, à luz do art. 24, XIII, § 1° e 3°, da Constituição Federal, que os Estados legislem de forma específica e complementar/suplementar para atender peculiaridades funcionais da Defensoria Pública Estadual.
Aliás, é o que se dessume da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
No âmbito da Legislação concorrente, a competência da
União fica limitada ao estabelecimento de normas gerais (que devem fixar
princípios da matéria relacionada no artigo 24 da Constituição Federal),
não excluindo a competência suplementar dos Estados [12]
Se a lei complementar não previu a possibilidade do manejo da Ação Civil Pública, o fez, de forma legítima, suplementar/complementar e residual, verbi gratia, o Estado Mineiro, através da Lei Complementar Estadual n° 65/03, por meio do art. 5°, inciso VI, legitimando a Defensoria Pública Mineira ao patrocínio de ações coletivas, independentemente do órgão jurisdicional de primeira instância, ex-vi-legis do art. 111, da LC n° 80/94.
Confira a literalidade do referido preceptivo:
Art. 111 - O Defensor Público do Estado atuará, na forma do que dispuser a legislação estadual, junto a todos os Juízos de 1º grau de jurisdição, núcleos, órgãos judiciários de 2º grau de jurisdição, instâncias administrativas e Tribunais Superiores (art. 22, parágrafo único).
A atuação da Defensoria Pública da União não é exclusiva, como se pensa, seja na esfera federal de forma coletiva, bastando-se ver, que em determinados casos concretos há atuação em litisconsórcio ativo voluntário-convergente, como por analogia, também, a dicção jurisprudencial sobre a atuação funcional recursal, não privativa, da DPU.
Veja-se:
Restou pacificado o entendimento de que o acompanhamento
dos processos em trâmite no STJ fica a cargo da Defensoria Pública da
União, enquanto as defensorias dos Estados, mediante lei específica, não
organizem e estruturem o seu serviço para atuar continuamente em Brasília,
inclusive com sede própria. Agravo improvido [13]
Não bastassem tais argumentos, a quaestio em debate acabou recebendo uma panacéia com o advento da Lei n° 11.448/06, que alterou a Lei n° 7.347/85, de cunho especial, não exigindo, igualmente, que a Defensoria Pública Estadual, independente de previsão em legislação estadual, mas completando as já existentes, em sede coletiva, subordine-se à autorização legislativa, principalmente infra-legal para atuar perante a Justiça Federal, eis que a mens legis visa, insista-se: à universalização da jurisdição, jamais o reverso, pena de causar uma verdadeira síndrome de inefetividade na sua atuação atípica.
A submissão do acesso dos assistidos pela Defensoria Pública Estadual a edição de uma normativa significaria subverter a consagrada pirâmide kelseniana de análise das leis, uma vez que a garantia do acesso à justiça encontraria um óbice em um ato administrativo submetido à condição suspensiva.
Os direitos e garantias fundamentais plasmados na Constituição Federal emanam força e pujança a todo ordenamento jurídico, logo, em sede coletiva se a Defensoria Pública Estadual detectar em sua esfera de atuação uma questão que apresenta um desmembramento na Justiça Federal, por razões de autonomia institucional e independência funcional, pode, aliás, deve comparecer para obter uma resposta a celeuma jurídica no prisma coletivo.
O fracionamento das esferas de atuação na área de tutela dos interesses difusos não é crível, pois objetiva-se a interpretação ampliativa e maximizante porquanto se depara com a salvaguarda de fatos jurídico-sociais que demandam uma solução, logo, fazer a atuação das Defensorias Públicas dos Estados firmar esse convênio importaria na minoração da força do comando constitucional do acesso à justiça, tão proclamado como uma das ondas renovatórias do processo civil.
O insigne jurista Mauro Cappelletti leciona:
...o recente despertar de interesse em torno do acesso
efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos
países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos
emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a
primeira solução para o acesso - a primeira ‘onda’ desse movimento
novo - foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas
tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’,
especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o
terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente
"enfoque de acesso à justiça" porque inclui os posicionamentos
anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma
tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e
compreensivo [14].
A Defensoria Pública é uma das instituições que possui maior contato com a sociedade, e, mais intensamente com a população mais carente, a qual ocupa a maioria da massa dos processos envolvendo, v.g., crimes ambientais por manter animais em contraposição com a listagem do IBAMA, superendividados com a Caixa Econômica Federal, etc.
III.) Da Legitimidade das Defensorias Públicas para a Ação Civil Pública:
A Lei Orgânica da Defensoria Pública estabelece como missão institucional velar pela tutela dos direitos e garantias individuais (art. 4º, Lei Complementar 80/94), no que é repetido, por exemplo, pela Lei Complementar Estadual Mineira n° 65/03, em seu art. 5º.
A voz da Defensoria Pública Estadual significa a vox populi e silenciar a autorização legal da instituição para a tutela coletiva é o mesmo que afastar mais ainda a população do acesso à justiça e a ordem jurídica justa e social.
Ainda que não houvesse essa previsão legislativa, a atuação da Defensoria Pública era apurada mediante interpretação sistemática e social que conferia esse significado ao art. 82, do Código de Defesa do Consumidor em conjunto com os dispositivos da Lei de Ação Civil Pública c.c art. 5º, Lei de Introdução ao Código Civil, o que era reconhecido expressamente pelos tribunais pátrios:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NO
JULGADO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DOS
CONSUMIDORES. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA
ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL FRENTE AO DÓLAR NORTE-AMERICANO.
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO
ESPECIALIZADO VINCULADO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO.
Primordialmente cumpre lembrar que a Lei 7.347/85 prevê expressamente, em função da Lei 11.448/07, que a Defensoria Pública possui legitimidade para intervir na tutela coletiva dos direitos, sejam eles difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart apontam que:
A Lei 11.448/2007 conferiu legitimidade à Defensoria
Pública para a ação coletiva, eliminando polêmica existente sobre a
extensão das atribuições deste órgão. Frise-se, no entanto, que a
legitimação conferida à Defensoria Pública está ligada à sua
finalidade essencial, desenhada no art. 134, da CF. Ou seja, a Defensoria
Pública poderá ajuizar qualquer ação para a tutela de interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos que tenham repercussão em
interesses dos necessitados. Não será necessário que a ação coletiva se
volte à tutela exclusiva dos necessitados, mas sim que a sua solução
repercuta diretamente na esfera jurídica dos necessitados, ainda que
também possa operar efeitos em outros sujeitos [16].
A legitimação extraordinária é a da Defensoria Pública, onde se dispensa a demonstração de eventual pertinência temática, mas por amor à dialética e completude argumentativa, apontamos que tais incumbências se fazem presente, a uma, porque se encontram descritas nas leis orgânicas da instituição como função institucional velar por estes interesses difusos e coletivos, como dito alhures, e, a duas também, porque não é segredo que os procedimentos apuratórios dos ilícitos penais e administrativos que tem como gênese os hipossuficientes, a questão ambiental e os atos do IBAMA, por exemplo, bem como os superendividados perante a Caixa Econômica Federal, principalmente os mutuários do sistema financeiro habitacional e do crédito educativo.
Noutro passo, porém, intimamente ligado com a questão tem-se que a legitimação extraordinária basta a previsão legal como sói acontecer em inúmeros casos, dessa sorte, a lei presume o interesse jurídico da atuação dos legitimados legalmente fixados.
José Roberto dos Santos Bedaque leciona: "Também a legitimidade extraordinária é aferida sem necessidade de qualquer juízo de valor sobre elementos da relação material controvertida. Basta verificar se existe autorização especial para que a parte figure em um dos pólos do processo, em nome próprio, defendendo direito de outrem" [17].
Aspectos atinentes à situação e o respeito do piso mínimo vital aos assistidos em matéria ambiental e financeira, traduzem matéria afeta constitucional e institucionalmente a Defensoria Pública, a qual atua nessas hipóteses não tão somente na defesa nos processos individuais nos Juizados Especiais Criminais dos Estados como na esfera cível, objetivando um justo processo legal.
Cirilo Augusto de Vargas realça que:
Conforme dito anteriormente, a legitimidade para
propositura da ação civil pública, conferida à Defensoria por meio da
Lei Federal nº 11.448/07, denota a clara opção do legislador de tutelar
de forma massificada o interesse da população carente, em estrito
atendimento ao art. 134 da Constituição Federal. Se, por acaso, ao final
do processo, uma sentença favorável venha a ampliar o grupo de
beneficiados, englobando pessoas de diferente posição sócio-econômica,
isso não pode ser tomado como justificativa para exigir uma limitação
prévia (não prevista pelo legislador, lembramos) para atuação da
Defensoria. Resumindo: é intolerável a exigência de uma limitação de
origem jurisprudencial (pertinência temática), no que toca à defesa dos
interesses difusos em juízo, uma vez que o próprio Constituinte,
legitimado para tanto, delimitou expressamente as atribuições da
Defensoria Pública. E, caso o requisito constitucional seja atendido num
primeiro momento, nada mais há que se questionar. Basta lembrar que o
Ministério Público, órgão que há anos ocupa lugar de destaque na defesa
dos interesses difusos, encontra no art. 127 da Constituição claro limite
à sua atuação, restrita à defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Que fique bem claro que não estamos aqui defendendo o
ajuizamento sem parâmetro e de forma irrefletida de ações civis públicas
pela Defensoria Pública (o que certamente retiraria a credibilidade da
instituição e banalizaria o instrumento processual). O que se busca é
simplesmente a obediência à Constituição! Se o art. 134 dispõe que a
"Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,
em todos os graus, dos necessitados", caberá ao órgão de execução
encarregado da propositura observar sua atribuição [18].
O atendimento dessa previsão revela a atenção do legislador com a realidade social e o vigor do papel institucional da Defensoria Pública dentro do seio social e no cenário jurídico, o que também se faz necessário na senda da área dos interesses em tela no processo subjacente.
A Defensoria Pública de Minas Gerais atenta a esses preceitos constitucionais e legais obteve na Egrégia Corte de Justiça Estadual Mineira o reconhecimento dessa atribuição, o que revelou sensibilidade do tribunal a realidade social e também respeito às prerrogativas institucionais da classe cuja decisão trazemos à colação:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEFENSORIA PÚBLICA -
LEGITIMIDADE ATIVA – LEI 11448, DE 15/01/2007 - APLICABILIDADE - ARTIGO
462, CPC - LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES - MICROSSISTEMA DO PROCESSO
COLETIVO – APLICABILIDADE DO ARTIGO 82, DO CDC - FINALIDADES INCLUINDO
DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
Atualmente esta discussão perdeu o objeto, uma vez que a lei 11.448/07 incluiu expressamente a Defensoria Pública como legitimada para o ingresso da ação civil pública. Constata-se que o legislador brasileiro acolheu os argumentos favoráveis à legitimidade ativa da Defensoria Pública, posto que editou lei reconhecendo e consolidando tal situação. Oportuno constar que a doutrina, analisando tal alteração, vem afirmando que esta instituição somente poderá ingressar com a tutela coletiva quando existir uma hipossuficiência jurídica por parte dos tutelados, a qual poderá ser comprovada tanto por uma dificuldade organizacional (dificuldade de agrupamento para ingressar com a demanda) como financeira. Por fim, fica registrado que não se desconhece que há, no Supremo Tribunal Federal, ADI proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, questionando a constitucionalidade desta inovação legislativa. Ocorre que até o momento não foi proferida decisão liminar e, conseqüentemente, a decisão desta lide não sofrerá qualquer influência. Diante de tais argumentos constata-se a necessidade de aplicação do artigo 462, do Código de Processo Civil, o qual consagra o primado de que a decisão deve refletir o estado de direito e de fato existente no momento da decisão. Considerando que no estado atual o direito determina a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento da ação civil pública, necessária a reforma da r.sentença, que decidiu de forma contrária a este entendimento" [19].
Assim, resta patente a legitimidade ad causam para Defensoria Pública ingressar com a Ação Civil Pública porque possuí legitimação para ser co-autora da ação e a duas por possuir nas leis de regência da classe dever de velar pelos direitos e garantias dos assistidos no plano individual ou coletivo.
Decline-se, além disso, que o indigitado convênio indicado na referida LC n° 80/94 – art. 14, § 1° perde relevo pelo fato de haver inúmeras atuações conjuntas, isto é, litisconsórcio ativo com aquiescência e cooperação da própria Defensoria Pública da União.
A Constituição Federal, sob a perspectiva do acesso à justiça, não pode ser considerada apenas como um simples pedaço de papel, na observação de Lassalle, tampouco as instituições essenciais nela contempladas, sendo preciso dar-lhe o sentido de Constituição real, transformando-a em força ativa.
É o que nos ensina o mestre alemão Konrad Hesse, senão observe-se: "A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social" [20].
A Lei Complementar n° 80/94, insista-se: norma geral, não expressa o patrocínio da ação coletiva pela DPU, dispensando o convênio, sendo que a LCE n° 65/03, de caráter supletivo, dentro da competência estadual firmada na Constituição Federal, prevê o uso da ação civil pública, agora, de forma indiscutível, pela alteração da Lei n° 11.448/07 sobre a Lei n° 7.347/85, e sem restrição e distinção de órgão jurisdicional de primeira instância.
Conforme exposição do Ministro CELSO DE MELLO, do Supremo Tribunal Federal, na ADI 3.643/RJ, verbis: "torna-se necessário acentuar que a questão da Defensoria Pública não pode nem deve ser tratada de maneira inconseqüente pelo Poder Público".
Nesse passo leciona Humberto Peña de Moraes e José Fontenelle Teixeira da Silva que: "Com efeito, de que vale o Estado assegurar direitos aos deserdados, se ele próprio não oferece quem os defenda e garanta? Por onde andará a Justiça? Justiça para alguns não é Justiça e sim odiosa discriminação, incompatível com os conceitos do Estado moderno" [21].
Ademais, é notório que na quase totalidade das sedes da Justiça Federal não há Defensoria Pública da União instala [22], que trabalha sob o crivo da reserva do possível.
A omissão da União em estruturar a Defensoria Pública da União não pode projetar seus efeitos de forma negativa na Defensoria Pública Estadual que trabalha em cooperação com a DPU na salvaguarda dos direitos difusos e coletivos, em especial, na implementação de um sistema multifacetário de proteção da dignidade da pessoa humana na medida em que vulnera a acessibilidade dos mais carentes à ordem jurídica justa.