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Reforma tributária ambiental.

Análise constitucional e elaboração de propostas

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O objeto do presente estudo é examinar o direito fundamental ao meio ambiente e sua eficácia, analisando como o manejo da tributação extrafiscal pode ser útil à efetivação desse direito.

Sumário:1 INTRODUÇÃO. 2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. 2.1 Dignidade humana, bens, direitos e garantias fundamentais. 2.2 O direito fundamental ao meio ambiente e seus bens jurídicos tutelados. 2.3 A eficácia jurídica e efetividade do direito fundamental ao meio ambiente. 3 A CRISE DO ESTADO SOCIAL E O NASCIMENTO DA EXTRAFISCALIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. 3.1 O desafio da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente. 3.2 O papel da extrafiscalidade no limiar da crise do Estado Social. 3.3 A extrafiscalidade socioambiental como instrumento de um novo modelo de Estado. 4 A DEFINIÇÃO E A CONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL AMBIENTAL NO BRASIL. 4.1 A estrutura da tributação extrafiscal socioambiental. 4.2 A constitucionalidade da tributação extrafiscal socioambiental no Brasil. 4.3 A extrafiscalidade ambiental e os tributos ambientais. 5 PROPOSTAS PARA A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL AMBIENTAL NO BRASIL. 5.1 Considerações iniciais. 5.2 Impostos incidentes sobre a produção e a circulação econômica. 5.2.1 IPI. 5.2.2 Contribuições sociais: PIS/COFINS. 5.2.3 IVA-F. 5.2.4 O novo ICMS. 5.3 Tributos incidentes sobre a renda e o lucro. 5.4 Impostos incidentes sobre a propriedade territorial – ITR e IPTU. 5.5 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. 5.6 Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE. 5.7 Outros tributos. 5.8 Repartição de receitas tributárias. 6 CONCLUSÃO. 7. BIBLIOGRAFIA.


1 INTRODUÇÃO

O objeto do presente estudo é examinar o direito fundamental ao meio ambiente e sua eficácia, analisando como o manejo da tributação extrafiscal pode ser útil à efetivação desse direito.

Para melhor analisar o referido direito fundamental, faz-se necessário, em primeiro lugar, expor nosso entendimento a respeito da distinção entre bens, direito e garantias fundamentais e demonstrar a utilidade desses conceitos e da noção de dignidade humana. Em seguida, trabalharemos a eficácia jurídica do direito fundamental ao meio ambiente, eficácia esta que justifica a adoção de todos os instrumentos à disposição do Estado (entre eles, a tributação extrafiscal) que sejam aptos à proteção dos bens fundamentais pertinentes e à efetivação do direito em questão.

Firmados esses conceitos, exporemos a crise de efetividade que afeta os direitos sociais e difusos como um todo e que representa, ao fundo, a crise do próprio Estado e do Direito, os quais não mais correspondem à sociedade atual (e a nova que ainda está em processo de formação) e não mais conseguem satisfazer os anseios sociais. A partir da superação dessa crise, deve surgir um novo modelo de Estado, ao qual deve corresponder novo regramento jurídico. Nessa nova ordem jurídica que se vislumbra, faz-se necessária, ao lado da satisfação direta de direitos sociais e difusos prestacionais (como o direito ao meio ambiente) e da punição de atos socialmente indesejados, a utilização de instrumentos como a tributação extrafiscal, instrumentos estes que, conquanto comportem margem de liberdade ao agente econômico ou social, mostram-se efetivos se agregados aos métodos tradicionais.

Adotando a tributação extrafiscal como estratégia de efetivação de direitos sociais e difusos (em especial, para nós, do direito fundamental ao meio ambiente), passaremos a centrar nossas atenções na extrafiscalidade ambiental e nos tributos ambientais, conceituando-os e apresentando suas estruturas. Após, analisaremos a validade constitucional da tributação extrafiscal ambiental como mecanismo de intervenção do Estado no mercado e na sociedade. Firmada essa constitucionalidade, examinaremos os diplomas jurídicos vigentes que servem aos propósitos da tributação ambiental, bem como as propostas legislativas hoje existentes. A partir daí, e tomando por base a proposta de Reforma Tributária gerada no Ministério da Fazenda em votação no Congresso Nacional, apresentaremos nossas próprias propostas de alteração legislativa, eminentemente constitucional, que sirvam de medida de efetivação do direito fundamental e humano difuso ao meio ambiente.


2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

Antes de analisar a fundo o direito fundamental ao meio ambiente saudável, é importante examinar os conceitos de bens, direitos e garantias fundamentais, conceitos estes pouco explorados em nossa doutrina, mas de utilidade ímpar na interpretação e aplicação das normas constitucionais [01].

A distinção entre direitos e garantias, segundo José Afonso da Silva [02], foi mais perfeitamente desenvolvida na doutrina brasileira por Rui Barbosa, o qual firmou a seguinte lição: direitos traduzem-se em normas – "declarações" – que tutelam interesses e bens da pessoa, enquanto que garantias são disposições que asseguram o respeito a esses direitos.

Partindo dessa perspectiva e com apoio no texto constitucionalmente positivado em nossa ordenação jurídica, observamos a existência de três elementos normativos distintos: bens, direitos e garantias. Bens, para efeito dessa distinção, são interesses e valores que buscam ser tutelados pelo Estado Constitucional. Direitos são preceitos de tutela dos bens. Garantias são instrumentos que asseguram a efetividade prática e jurídica dos direitos.

Dos bens tutelados juridicamente, alguns foram acolhidos pela Constituição como bens fundamentais. São bens tutelados com primazia pelo Estado Constitucional e que também representam opções valorativas que dão plasticidade a toda a ordem constitucional. Os bens fundamentais podem ser encontrados no caput do art. 5º da Lei Maior; são eles: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Esses bens devem ser entendidos em sentido amplíssimo, incorporando todos os bens que circundam sua esfera. Assim, por exemplo, a vida engloba a integridade física e mental, bem como, em um de seus aspectos, a incolumidade do meio ambiente; a liberdade engloba a intimidade e a livre iniciativa; a propriedade engloba a chamada propriedade intelectual.

Além desses bens expressos no art. 5º, devem ser considerados fundamentais todos os bens que derivam diretamente da dignidade humana, que é fundamento da República (art. 1º, III, CRFB). Logo, e.g., a honra também deve ser tomada por bem fundamental. Essa conclusão deve-se em razão da primazia da dignidade humana em nossa ordem constitucional (art. 1º, III, CRFB) e de sua relação íntima com os direitos fundamentais. Se, como reconhece a boa doutrina [03], a dignidade é elemento que está presente em todos os direitos humanos e fundamentais, conferindo-lhes unidade e indivisibilidade, então, necessariamente, há relação indissociável entre bens jurídicos fundamentais e dignidade humana, sendo aqueles manifestações desta.

Assim, devemos observar que existe uma relação não somente próxima, como também causal entre a dignidade humana e os bens fundamentais. Estes são fundamentais justamente porque imbrincados estão com a dignidade humana, de tal forma que, sem a preservação desses bens, fica obstado o gozo da vida digna. Por isso, devemos reconhecer que, em termos lógicos, antes dos bens jurídicos eleitos para serem protegidos pela ordem constitucional, há a dignidade como elemento central de nosso sistema (art. 1º, III, CRFB) e uma das razões legitimadoras do Estado e do Direito. É com base na dignidade que se instituíram os bens fundamentais, assim como é com base nela que se os reconhece e que se os interpreta.

Os direitos fundamentais, por sua vez, são direitos que tutelam diretamente bens fundamentais. Vale dizer, em cada direito fundamental é possível reconhecer um bem fundamental. Às vezes, essa relação é óbvia e tautológica, como o direito fundamental à vida, a que corresponde o bem fundamental vida. Noutros casos, esse elo é menos evidente, como no caso do direito à autonomia associativa (art. 5º, XVII), que tutela o bem fundamental liberdade.

A idéia que aqui tentamos desenvolver com o relacionamento entre os conceitos de direito fundamental e bem jurídico fundamental não é alheia à cultura jurídica brasileira, mas não é ainda empregada claramente por nossos maiores juristas. Ainda assim, para exemplificar a adoção da idéia de bem jurídico fundamental como objeto de direito fundamental, bem como do entendimento de que a dimensão objetiva deste último encontra-se no primeiro, juntamos trecho de importante obra de Daniel Sarmento, que expõe a lição de Robert Alexy:

"Segundo Robert Alexy, chega-se à delimitação da dimensão objetiva de um determinado direito fundamental através de um procedimento de tríplice abstração. Ele fornece o seguinte exemplo: suponha-se o direito fundamental a que o Estado não impeça o exercício da liberdade de opinião. O titular do direito é o sujeito que deseja manifestar-se, o destinatário é o Estado e a prestação exigida uma abstenção. Abstraindo do titular, do destinatário e da prestação, sobra o bem jurídico tutelado – liberdade de opinião. Portanto, a dimensão objetiva vai consistir, na prática, na tutela deste bem jurídico, reconhecido como um valor fundamental na ordem jurídica, que vai por ela se irradiar e influir em todo o direito objetivo" [04].

As garantias fundamentais, por fim, asseguram o respeito aos direitos fundamentais. Citamos aqui alguns exemplos elencados por José Afonso da Silva: o direito fundamental à liberdade de pensamento é garantido pelo chamado "direito de resposta" (o qual, nessa classificação, não é exatamente direito, mas sim garantia); o direito fundamental à intimidade é garantido pela inviolabilidade do lar; o direito fundamental de livre locomoção é garantido pela previsão do habeas corpus. Como bem anota o constitucionalista em questão, a garantia é muitas vezes confundida com o direito em si, havendo casos em que não se sabe se está diante duma espécie ou doutra. Citamos nós o caso do direito ou garantia de greve, em que a doutrina diverge quanto a se tratar de direito ou garantia social. Essa dificuldade surge quando não se vislumbra claramente se a posição jurídica em exame tutela diretamente um bem jurídico ou se esta tutela é mediata, de segundo grau; vale dizer, se a tutela é diretamente do próprio bem ou do direito que tutela esse bem. Num caso, temos o direito; noutro, a garantia. O mesmo problema de raciocínio também surge no momento de distinguir o bem do próprio direito que o tutela (exemplo já dado aqui: vida e direito à vida).

A garantia, além de tutelar um ou mais direitos em especial, também acaba funcionando como uma tutela direta do bem fundamental segurança, traduzindo-se em desdobramento do direito de segurança em sentido amplo, assim entendido como o direito que tem a pessoa de gozar seus direitos livre de ameaças e contestações por parte do Estado ou de terceiros [05]. Por "ameaças e contestações", entenda-se também incertezas e surpresas. Nesse sentido, o bem jurídico segurança deve ser tomado como bem relacional, porquanto, necessariamente, relaciona-se com o gozo doutros bens jurídicos. Registre-se, ainda, o conceito dado por Ingo Wolfgang Sarlet, que identifica segurança em sentido jurídico como sendo:

"(U)m atributo inerente a todos os titulares de direitos fundamentais, a significar, em linhas gerais, a efetiva proteção dos direitos fundamentais contra qualquer modo de intervenção ilegítimo por parte de detentores do poder, quer se trate de uma manifestação jurídica ou fática do exercício do poder" [06].

À definição colacionada de Sarlet somente acrescentamos que o direito de segurança impõe a proteção dos direitos fundamentais não somente contra os detentores de poder (em especial, sim, destes), mas também contra todos aqueles que se encontram em posição que possibilite ofender ou pôr em perigo os bens jurídicos tutelados. Enfim, o importante aqui é notar que a garantia fundamental sempre representa uma relação estreita entre a segurança e outro direito fundamental.

A distinção entre bens, direitos e garantias não é de interesse meramente acadêmico. A análise dessa tricotomia possui três utilidades: (i) identificar a estrutura da norma e da relação jurídica, alcançando a natureza do que se está a analisar; (ii) perceber que o direito só existe em concreto, em sentido subjetivo, se existir o bem, e que a garantia só existe em concreto, em sentido subjetivo, se existir o direito; (iii) fornecer elementos mais seguros para a interpretação e a aplicação das normas que instituem direitos e garantias fundamentais. A segunda utilidade é uma das mais importante e, em termos práticos, significa que o direito perece se desaparecer o bem e a garantia tampouco subsiste se inexistente for o direito.

É relevante também destacar que os bens, direitos e garantias fundamentais têm uma dimensão objetiva e outra subjetiva. Em sua dimensão subjetiva, bem jurídico fundamental é o que concretamente integra a esfera jurídica da pessoa, direito fundamental é a pretensão ou faculdade de que dispõe em concreto a pessoa e garantia fundamental é o instrumento – poder ou imunidade – à disposição da pessoa a fim de que defenda o respeito a seus direitos. Perceba-se que, em sentido subjetivo, os direitos e garantias representam relações jurídicas concretas. Em sentido objetivo, bens, direitos e garantias assumem não mais a feição de relações jurídicas, senão de normas jurídicas abstratas que impõem o respeito a determinados valores constitucionalmente acolhidos. É o que muito se chama de "efeito irradiante dos direitos fundamentais". Essa "perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais" significa, na doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet, que:

"(O)s direitos fundamentais não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do Poder Público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos" [07].

Em realidade, a verdadeira dimensão objetiva dos direitos e garantias fundamentais arrima-se nos bens fundamentais que eles acolhem [08]. Estes sim, os bens fundamentais, denotam a opção fundamental do Estado Constitucional. Os direitos e garantias fundamentais, porém, demonstram a forma especial como o Poder Constituinte almejou proteger os bens fundamentais. Essa forma especial, por sua vez, revela os meios adequados pelos quais deve ser efetivada a tutela dos bens fundamentais, meios estes que corroboram na formação da arquitetura constitucional.

Em suma, devemos observar que há relações, em graus concatenados, entre (i) dignidade humana, (ii) bens fundamentais, (iii) direitos fundamentais e (iv) garantias fundamentais. São quatro graus jurídicos. O primeiro (dignidade) justifica o segundo (bem), que é tutelado pelo terceiro (direito), que é garantido pelo quarto (garantia).

2.2 O direito fundamental ao meio ambiente e seus bens jurídicos tutelados

Não há um conceito único de meio ambiente no Brasil. Temos, decerto, um conceito legal e vários doutrinários. O primeiro pode ser encontrado no art. 3º, I, da Lei 6.938/81. É a letra da lei:

"(Entende-se por) meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Entre os conceitos de meio ambiente colhidos da doutrina, cremos que o melhor é o de autoria de José Afonso da Silva. Ei-lo:

"O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas" [09].

Definido o objeto (embora ainda não o bem jurídico), deve-se entender por direito fundamental ao meio ambiente o direito titularizado pela coletividade de todos os seres humanos a que seja preservado o equilíbrio do meio ambiente, de modo que somente sejam seus elementos e recursos utilizados ou modificados de maneira responsável, visando à manutenção dos ecossistemas e do modo de vida humana na Terra, bem como da riqueza biológica, e à proteção da vida em todas as suas formas e, em especial, da vida, da saúde, da integridade física e da dignidade humana.

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O direito constitucional ao meio ambiente é entendido como direito fundamental de terceira geração, sendo talvez o mais típico desta. É chamado direito de solidariedade [10], pois, em sua concepção original, firma-se na solidariedade entre os povos e as gerações. É o que reconhece o Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal:

"(Trata-se de) um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que assiste ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na integridade da proteção desse bem essencial de uso comum de todos quanto compõem o grupo social" [11].

Classicamente, concebe-se a solidariedade ambiental como intergeracional; vale dizer, como solidariedade entre gerações diversas de pessoas. Atualmente, porém, observa-se os danos causados e os perigos gerados à vida, à saúde e à integridade física das pessoas (como, p. ex., grandes catástrofes, tufões, furacões, tsunamis, secas, alagamentos, desaparecimento de rios, ameaça ao abastecimento de água nos centros urbanos e todos os demais eventos associados, duma forma ou doutra, às mudanças climáticas) estão ocorrendo ainda dentro da mesma geração. Por isso, a preocupação com gerações futuras perde relevância, já que a nossa própria está em grande risco.

Com relação à classificação do direito fundamental ao meio ambiente como de terceira geração, devemos alertar ser ela objeto de crítica de diversos autores. Em verdade, mais do que criticar o próprio reconhecimento da geração, o intento dos críticos é afastar correntes doutrinárias que hierarquizam tais gerações, de forma a privilegiar a eficácia das chamadas liberdades civis e políticas em prejuízo das sociais, econômicas, culturais e difusas em geral. Por isso, propõem o entendimento de que os direitos fundamentais (também entendidos como direitos humanos) se complementam, não se sucedem. Nesse sentido, argumenta Víctor Bazán, tratando de direitos humanos, que a unidade de natureza desses direitos decorre da unidade da própria dignidade humana. São suas palavras:

"Partimos de uma base indiscutible: la dignidad humana es unitaria; razón por la cual la bifurcación de los derechos humanos en ''categorias'' pretendidamente diversas y estancas (derechos civiles y políticos, por una parte, y DESC, por la otra) sólo conduce a la creación de falsas dicotomías que poco aportan en favor de la indivisibilidad, la universalidad y la interdependencia de los derechos humanos" [12].

Como mesmo adverte Víctor Bazán, a dignidade humana é o elemento que confere unidade conceitual aos direitos humanos [13]. É por isso que sua unidade (da dignidade) determina a unidade dos direitos humanos. O mesmo se pode dizer dos direitos fundamentais [14].

Numa das concepções do direito ao meio ambiente, este justifica-se somente como forma de proteção da vida humana em sentido amplo. Para os estudiosos dessa corrente, a preservação da vida humana e da qualidade desta depende da conservação dos meios físicos, biológicos e químicos em que fomos gerados e em que nos desenvolvemos. Nesse sentido, a defesa do meio ambiente não poderia ser um fim em si mesmo, devendo ele ser manejado de acordo com as necessidades humanas e em cuidado com a vida, a integridade e a saúde humana. Trata-se de concepção alinhada à chamada ecologia utilitarista, que busca a proteção do meio ambiente como medida de proteção do próprio homem. A ela se opõe a ecologia fundamentalista, que observa no meio ambiente um fim (bem) em si mesmo e que impõe sua preservação independentemente da utilidade humana [15].

Acreditamos que a vida humana é o principal bem jurídico fundamental tutelado pelo direito fundamental ao meio ambiente, mas não é o único. Em verdade, diversos bens e direitos fundamentais (em especial, a vida) estão relacionados à proteção do meio ambiente, mas este também merece respaldo constitucional em razão de seu valor intrínseco, podendo-se identificar na Carta Máxima a existência de um patrimônio ambiental, autônomo, de titularidade difusa, devendo, assim, ser o meio ambiente reconhecido como bem jurídico autônomo [16].

Cremos ser indispensável a perspectiva integrada dos bens jurídicos relacionados ao direito ao meio ambiente, com foco na unidade da dignidade humana que se espraia por todos os direitos fundamentais, na lição já mencionada de Víctor Bazán [17]. O próprio Constituinte tratou de relacionar o direito fundamental ao meio ambiente a outros também fundamentais. Assim, por exemplo, ocorreu com o direito à educação, que foi conjugado com o direito ao meio ambiente, por meio da norma constitucional que impôs a educação ambiental em todos os níveis de ensino (art. 225, § 1º, VI, CRFB). O mesmo se diga em relação ao direito fundamental coletivo indígena à identidade e integridade cultural, o qual foi intimamente relacionado ao direito ao meio ambiente equilibrado (art. 231, caput e § 1º, CRFB).Em especial, também, devemos atentar para sua relação com o direito à saúde.

Há uma relação muito estreita entre o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à saúde e à subsistência, porquanto todos tutelam, de forma conexa, a vida. O meio ambiente saudável é um fator importante de saúde pública. Inúmeras patologias da via respiratória decorrem da poluição aérea. A poluição dos solos e da água, por sua vez, importam em patologias alimentares e intoxicações no seio da população. A contaminação do meio ambiente por meio de radiação, igualmente, pode causar deformações genéticas e sérios danos à saúde. E a emissão de carbono em excesso, como sabemos hoje, gera desequilíbrios na natureza que põem em risco milhões de homens, além de afetar o direito à alimentação de vários povos. O mesmo vale para a antropização dos leitos dos rios, que contribui para seu assoreamento e põe em risco o abastecimento de água para diversas populações, gerando também perigo a essas vidas humanas e prejudicando a própria agricultura, que também é essencial para a efetivação do direito constitucional à alimentação adequada.

Por fim, devemos explorar o conceito de patrimônio ambiental e de bem jurídico ambiental, o qual deve fechar o sistema lógico de proteção do meio ambiente.

O emprego do vocábulo "patrimônio" no âmbito da proteção ambiental pode ser encontrado no art. 225, § 4º, da Constituição Brasileira, em que se institui que a "Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e Zona Costeira são patrimônio nacional". O patrimônio nacional referido nessa norma, claramente, não esgota todo o patrimônio ambiental brasileiro. Este, em verdade, é um patrimônio difuso, de todo o povo brasileiro, e alcança todos os bens ambientais.

O patrimônio é difuso, e não estatal ou federal. A Floresta Amazônica, por exemplo, é identificada pelo Texto Maior como patrimônio nacional, mas não da União [18]. Nacional não é sinônimo de federal. Nacional é tudo aquilo que é da nação, e esta, subjetivamente, refere-se ao povo que a identifica. Nação refere-se, precisamente, a uma coletividade difusa de pessoas, sendo esta o titular do direito difuso ao meio ambiente, ao menos no plano do direito interno, pois, no plano internacional, há a tendência de se atribuir o direito ao meio ambiente à toda a humanidade.

Como afirmamos, o átomo do conjunto chamado patrimônio ambiental difuso é o bem ambiental. Esse bem é abstrato, e não concreto. Sendo abstrato, o bem ambiental não se confunde com a árvore, o rio, a unidade de conservação. Esta última, por exemplo, pode ser federal, se instituída pela União e mantida por pessoa jurídica federal de direito público. Porém, ainda assim, nessa unidade de conservação devem ser reconhecidos bens ambientais, que não se identificam com as coisas físicas que a formam. Esses bens ambientais encontrados são de titularidade difusa, enquanto que o terreno, as árvores e os animais e tudo o que fisicamente se encontre na unidade de conservação são de titularidade da União. Caso essa unidade de conservação seja invadida e danificada, o ilícito aí ocorrido é de interesse (e competência jurisdicional) federal, porque o patrimônio da União (ou de pessoa jurídica federal de direito público) foi violado. Ainda nesse caso, todavia, também o patrimônio de uma coletividade difusa de pessoas foi agredido, razão pela qual, se o Ministério Público agir em juízo em razão desse dano, defenderá o direito difuso dessa coletividade indeterminada de pessoas, e não da União. Fique claro: no exemplo em que demos, bens da União (concretos) foram afetados, bem como bens difusos (abstratos) também o foram; estes últimos bens são os bens ambientais.

O bem ambiental relaciona-se com a dignidade humana, pois que não se pode conceber o homem sem o convívio com a natureza. Não existe vida humana digna sem a existência do meio ambiente, seja natural, seja artificial. Assim sendo, o bem ambiental é bem jurídico fundamental.

Em suma, o direito ao meio ambiente deve ser considerado direito fundamental em razão de proteger dois bens jurídicos fundamentais: o bem da vida e o bem ambiental. O primeiro bem, como já dissemos, deve ser entendido em sentido global, alcançando a saúde humana e a integridade física da pessoa. O segundo, no sentido abstrato que explicamos antes. Os dois bens arrimam o direito fundamental ao meio ambiente, formam sua dimensão objetiva e conformam a interpretação e a aplicação de todas as normas, constitucionais ou infraconstitucionais, de conteúdo ambiental. Outrossim, a presença desses dois bens jurídicos fundamentais influencia a delimitação do alcance eficacial do direito fundamental ao meio ambiente, bem como impõe ao Estado a adoção de toda sorte de medidas adequadas à proteção, mediata e imediata, desses bens jurídicos.

2.3 A eficácia jurídica e efetividade do direito fundamental ao meio ambiente

O direito ao meio ambiente "ecologicamente equilibrado" é garantido no art. 225 da Constituição do Brasil. Nesse mesmo dispositivo, em seus parágrafos e incisos, são postas diversas regras jurídicas direcionadas à proteção ambiental, as quais, em sua grande maioria, impõem atuação positiva do Estado, seja por meio de produção normativa, seja por meio de prestações materiais. Assim, por exemplo, determinou-se ao Poder Público, a fim de "efetivar" o referido direito, que preserve e restaure os processos ecológicos, que proveja o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, que preserve a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país, que fiscalize as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, que defina espaços territoriais especialmente protegidos, que exija estudo prévio de impacto ambiental para o licenciamento de obras ou atividades potencialmente impactantes, que controle a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que ponham em risco o meio ambiente e a vida das pessoas, que promova a educação ambiental e que proteja a fauna e a flora. Como se pode observar, a efetivação do direito ao meio ambiente pelo Estado, num primeiro plano, dá-se por meio de prestações, devendo ser ele, por isso, chamado de direito prestacional.

Os direitos prestacionais típicos são os chamados direitos sociais, os quais, no plano internacional, são também chamados de direitos econômicos, sociais e culturais (DESC). A partir do estudo desses direitos é que se costuma analisar a eficácia jurídica dos direitos prestacionais.

É tradicional e bem conhecida a classificação de José Afonso da Silva das normas constitucionais em três espécies: de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada. Tradicionalmente, os direitos prestacionais são entendidos como de eficácia limitada, pois sua plena eficácia demandaria regulamentação legal. Diz-se que tais direitos seriam meramente programáticos, porquanto imporiam ao Estado um programa a ser desenvolvido, por meio de ações normativas e materiais. Dessa maneira, das normas constitucionais em questão não surgiriam originalmente direitos subjetivos aos particulares.

Essa visão tradicional dos direitos sociais e prestacionais como um todo está sendo hoje superada pela doutrina e jurisprudência. A partir do reconhecimento de que os direitos prestacionais em questão são verdadeiros direitos fundamentais, conclama-se a aplicação do art. 5º, § 1º, da Constituição, em que se impõe que as "normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". "Aplicação imediata" equivaleria à aplicabilidade plena e imediata. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, "aplicabilidade" seria conexa a eficácia jurídica, sendo esta identificada como potencialidade de aplicação [19]. Assim, da referida norma constitucional (art. 5º, § 1º), afastar-se-ia qualquer interpretação constitucional que exclua a produção imediata de efeitos jurídicos das normas instituidoras de direitos prestacionais, independentemente de regulamentação legal.

Claus-Wilhelm Canaris, trabalhando a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito privado (eficácia horizontal, em face de terceiros), adverte que não se pode confundir a vigência imediata dos direitos fundamentais com a eficácia imediata. [20] Com base nessa lógica, pode-se aduzir que a norma contida no art. 5º, §1º, da Lei Magna imponha a vigência imediata da norma, mas não a eficácia imediata do direito. Sem embargo disso, hoje, a tendência que notamos é a superação do binômio aplicação/não-aplicação (ou eficácia/ineficácia) para alcançar a definição das formas de eficácia jurídica das normas que instituem direitos fundamentais prestacionais. Como já explicamos em momento anterior desse estudo, os direitos fundamentais, além de sua dimensão subjetiva, possuem dimensão objetiva. É desta dimensão objetiva que decorrem grande parte dos efeitos jurídicos das normas constitucionais em exame.

Baseando-se em tal perspectiva, em que se supera o binômio aplicação/não-aplicação, Sarlet doutrina que dos direitos prestacionais, ainda que sejam previstos em normas constitucionais consideradas de eficácia limitada, decorreriam as seguintes conseqüências jurídicas [21]:

a) Revogação dos atos normativos anteriores materialmente opostos;

b) Balizamento de parâmetros que deve guiar o legislador;

c) Inconstitucionalidade dos atos normativos posteriores materialmente colidentes;

d) Conformação da interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas, constitucionais ou infraconstitucionais;

e) Criação de deveres jurídicos negativos, consistentes na proibição de contrariar, por ação, a norma programática;

f) Proibição de retrocesso social [22];

g) Surgimento de direitos defensivos – liberdades sociais – previstos especificamente no Texto Constitucional.

Além desses efeitos, cuja maioria decorre da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, Sarlet, valendo-se da lição de Robert Alexy, também defende a possibilidade de reconhecimento de direito subjetivo social originário diretamente decorrente da Lei Máxima sempre que ocorra uma dentre as seguintes hipóteses: (i) quando o princípio constitucional da separação de poderes, bem como outros, forem atingidos de forma diminuta; (ii) quando as prestações forem imprescindíveis ao princípio da liberdade fática [23].

José Carlos Vieira de Andrade, por sua vez, sintetiza os seguintes aspectos relacionados à força normativa (eficácia) dos direitos fundamentais sociais (que podem ser estendidos aos prestacionais como um todo):

a) Imposição de legislação concreta que torne exeqüíveis os preceitos constitucionais;

b) Padrão jurídico de controle judicial de normas;

c) Fator de interpretação jurídica;

d) Fundamento constitucional de restrição ou limitação de outros direitos fundamentais;

e) Força irradiante, conferindo capacidade de resistência dos direitos derivados a prestações às mudanças normativas que impliquem diminuição do grau de realização dos direitos [24].

Das lições acima colacionadas, pode-se perceber que os direitos prestacionais, de diversas formas, são juridicamente eficazes (produzem efeitos jurídicos)" [25]. A regulamentação desses direitos serve para intensificar a produção de efeitos jurídicos, mas não é indispensável em todos os casos. Não pode o destinatário da norma constitucional descumpri-la, em casos em que é evidente o comando normativo que dela decorra, alegando lacuna de regulamentação. Em geral, em direito constitucional ou legal, público ou privado, sempre que uma norma não for concretamente esmiuçada, cabe ao titular do dever jurídico escolher a melhor forma de cumpri-la, não podendo, porém, fazê-lo em desacordo com os parâmetros da razoabilidade. São esses parâmetros que delimitam a discricionariedade e impedem que ela se transforme em arbitrariedade. Isso vale desde a construção de escolas pelo Poder Público, que não pode concentrá-las em algumas regiões pouco populosas e deixar de instalá-las em regiões muito povoadas, até a escolha do objeto de prestação de uma compra e venda civil pelo vendedor, o qual não está obrigado a entregar ao comprador a coisa de melhor qualidade, mas também não pode escolher a de qualidade abaixo da esperada. Dessarte, em se tratando de normas constitucionais definidoras de direitos prestacionais, sempre que não houver regulamentação legal, cabe ao ente público competente escolher a melhor forma de cumprir a norma, gozando de discricionariedade na forma de sua execução, não havendo, porém, a faculdade de não executar. Essa discricionariedade, por sua vez, está limitada pelo princípio da proporcionalidade.

Além da questão de produzirem ou não efeitos as normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais prestacionais, devemos indagar quem está sujeito ao respeito a (e cumprimento de) esses direitos.

Todos os órgãos do Estado, de forma distinta, estão vinculados aos direitos fundamentais. Sua proteção e efetivação são deveres tanto do Poder Executivo, quanto do Legislativo e do Judiciário [26]. Como bem assevera Ingo Wolfgang Sarlet, "a todos os órgãos estatais incumbe um dever de maximização da eficácia e efetividade de todas as normas de direitos fundamentais" [27]; a todos os órgãos, a todos os Poderes incumbe-o. Sem embargo disso, cada órgão deverá efetivar os direitos fundamentais de forma distinta, de acordo com sua aptidão. Assim, ao Executivo, em geral, cabe a realização de prestações materiais condizentes à efetivação do direito, competindo-lhe, outrossim, a regulamentação interna da forma de prestação. Ao Legislativo, em regra, compete a concretização legislativa das normas instituidoras e garantidoras desses direitos [28]. Do Judiciário, por sua vez, espera-se a efetivação judicial dos direitos fundamentais, interpretando e aplicando as normas constitucionais e infraconstitucionais da forma mais eficiente e maximizadora do gozo desses direitos, superando, sempre que necessário, obstáculos formais cuja remoção seja recomendável, sempre ponderado o bem jurídico fundamental segurança com os outros bens fundamentais em jogo. Por fim, ao Ministério Público cabe a atuação judicial e extrajudicial, perante todos os atores sociais, políticos e econômicos, condizente com a defesa dos direitos fundamentais que tenham dimensão social, difusa ou coletiva em sentido amplo.

Além dos atores estatais, indaga a doutrina se os direitos fundamentais também são oponíveis aos particulares. A questão é ainda mais tormentosa em se tratando de direitos prestacionais, os quais, tradicionalmente, são cobrados diretamente do Poder Público. A doutrina liberal clássica é no sentido da inoponibilidade de tais direitos às pessoas privadas. Esse entendimento é informado pela visão liberal de que os verdadeiros direitos fundamentais seriam as liberdades públicas, entendidas como restrição do poder do Estado, o qual restaria limitado em sua relação com os súditos. Essa linha de interpretação dos direitos constitucionais teve seu auge nos Estados Unidos com a doutrina da state action. [29] Essa doutrina, posteriormente, sofreu temperamentos no seio da Suprema Corte dos EUA e cedeu espaço para a public function theory, "segundo a qual quando particulares agirem no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal, estarão também sujeitos às limitações constitucionais" [30].

No século XX, porém, principalmente nos países europeus continentais, surgiu a doutrina da aplicação indireta (ou mediata) dos direitos fundamentais no âmbito privado. Para seus defensores, como bem narra Daniel Sarmento, os direitos fundamentais não poderiam ser transportados livre e imediatamente para as relações privadas, porquanto estas estariam imersas no campo da autonomia privada, mas poderiam nelas incidir de modo mediato, por intermédio da lei e, em especial, por meio da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados contidos na legislação infraconstitucional, como "boa-fé objetiva", "ordem pública", "bons costumes" etc. [31]

A partir da década de 50, surgiu e vem se desenvolvendo a teoria da eficácia direta (imediata) dos direitos fundamentais em relação a particulares. Para os seguidores dessa linha, não é possível haver uma dupla ética no direito; isto é, não se pode admitir que um mesmo fato seja ilícito na ordem pública e lícito na ordem privada. Demais disso, argumenta-se que a eficácia horizontal (ou privada) dos direitos fundamentais serve ao propósito de maximizar a efetividade desses direitos e conferir supremacia absoluta da Constituição sobre quaisquer outros diplomas legais. Informa-nos Daniel Sarmento que esta é a teoria que se tornou dominante em Portugal e na Espanha, Itália e Argentina [32].

Além dessas doutrinas, surgiram diversas outras, que sofreram influência de uma ou mais delas, como a teoria da eficácia por meio dos deveres de proteção (p. ex., adotada por Canaris), a doutrina da convergência estatista de Jürgen Schwabe e a doutrina mista de Robert Alexy [33]. De todas essas teorias, cremos que, ao menos no Brasil, a tendência é a adoção da teoria da eficácia direta, porém temperada. Essa é a posição de Daniel Sarmento [34] e também é a nossa. Assim, pensamos que prevalecerá o entendimento de que as normas instituidoras de direitos fundamentais incidem, em graus diferentes, para agentes distintos. Quanto mais submersa estiver a pessoa ao regime de direito público, maior será a incidência. Quanto maior for o poder social, político ou econômico do agente, também maior será a incidência. Também será maior a incidência quanto mais perto do núcleo existencial da pessoa humana estiver a pretensão investida no direito fundamental. O que definirá o grau de incidência será a ponderação, a qual deverá ser feita, no âmbito do direito privado, principalmente em face da autonomia privada, e que deverá ser controlada pelos parâmetros da proporcionalidade. De toda forma, até mesmo o mais simples cidadão está submetido ao dever de respeitar o direito fundamental, nem que seja pelo dever de não investir contra ele com conduta comissiva, isto é, pelo dever de conduta omissiva.

As discussões doutrinárias, aqui e noutros países, a respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais costumam-se focar na aplicação dos direitos considerados de primeira geração, as chamadas liberdades civis. No entanto, pensamos que a solução não deve ser diversa se tiver por objeto a eficácia dos direitos prestacionais. Os direitos fundamentais, sejam negativos ou prestacionais, sujeitam todas as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas. O que se altera, caso a caso, é o grau de vinculação. Em verdade, todos os direitos fundamentais, independentemente de sua "geração", demandam atuação positiva e negativa (têm status positivo e negativo). Não há, portanto, discrímen que justifique a adoção de uma teoria sobre a eficácia subjetiva dos direitos fundamentais, para uns direitos, e uma teoria diversa, para outros.

Por óbvio, não se justifica que uma empresa qualquer seja obrigada a prestar saúde a terceiros que venham bater em suas portas. Nada impede, porém, que uma empresa aérea, concessionária de serviço público, venha a ser obrigada a transportar, não-gratuitamente, doentes e materiais orgânicos de uma cidade para outra do país, quando ela é única a operar no referido trecho e este é o único meio possível de garantir o direito à saúde e à vida da comunidade local [35]. Enfim, a solução sobre a aplicação dar-se-á caso a caso e dependerá da ponderação dos bens jurídicos compreendidos pelo Texto Constitucional.

A ponderação também é o mecanismo apropriado para a fixação da eficácia jurídica do direito fundamental ao meio ambiente, porquanto é este, como já exposto antes, eminentemente prestacional. Nessa ponderação, contudo, deverá ser levada em conta a alta importância da proteção do meio ambiente para o amparo da pessoa humana. Como vimos, tem-se aqui um direito informado pelo bem jurídico fundamental da vida, além do bem jurídico ambiental, estando o direito ao meio ambiente também relacionado a outros direitos fundamentais, como o direito à saúde. Por isso, no caso concreto, em ponderação com a autonomia privada e com a liberdade econômica, não poderá ser renegada a importância dos bens tutelados pelo direito fundamental ao meio ambiente.

Nos parágrafos anteriores, tratamos da eficácia jurídica dos direitos fundamentais prestacionais. Porém, além da eficácia, cremos ser importante também o estudo da eficiência e da efetividade desses direitos. Esses aspectos são pouco estudados pela doutrina; em geral, porque são aspectos que fogem da ciência jurídica tradicional. Sem embargo disso, estamos com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem ao Estado e a seus estudiosos não pode mais interessar somente a eficácia de suas ações, vale dizer, a produção de efeitos, sejam eles jurídicos (eficácia jurídica), sejam eles sociais (eficácia social). É preciso buscar eficiência, que passa a ser elevada constitucionalmente a direito difuso da cidadania. E, além de eficiência, é necessário alcançar efetividade, categoria esta metajurídica que considera a real e satisfatória produção de efeitos, despontando ela, a efetividade, como medida de eficiência [36]. Assim deve ocorrer no campo dos direitos fundamentais sociais e difusos. Além da existência, da validade e da eficácia, o jurista socialmente comprometido deve atentar para a efetividade desses direitos, cabendo-lhe, e também ao agente do Direito que atua com tais direitos, procurar meios de efetivá-los; isto é, deve-se buscar alcançar a sua efetividade, que ultrapassa a mera noção de eficácia. Mais do que cientista jurídico, o profissional do Direito é pessoa, e, como tal, deve dedicar seu labor intelectual à efetivação dos valores da dignidade humana e dos bens jurídicos atribuídos fundamentalmente a todos os seres humanos, isolada ou coletivamente considerados.

Como é de conhecimento comum, o Estado Social, especialmente no Brasil, tem falhado na missão de efetivar direitos prestacionais. Não é diferente o quadro do direito ao meio ambiente. Não analisaremos agora, porém, esse problema. Faremos isso em átimo posterior deste estudo. Neste momento, entretanto, queremos deixar claro que todas as medidas lícitas e adequadas à efetivação dos direitos prestacionais devem ser utilizadas, necessariamente, pelo Estado. Entre elas, está a tributação extrafiscal, que é objeto central de nosso artigo. Esse é um instrumento indispensável no mundo de hoje para a plena efetivação do direito fundamental ao meio ambiente. Este direito pode ser juridicamente eficaz sem o manejo da tributação extrafiscal ambiental, mas dificilmente será socialmente efetivo sem ele.

Deve-se conceber a utilização da tributação extrafiscal como instrumento de efetivação do direito ao meio ambiente, mas não como uma obrigação de resultado; vale dizer, o dever de uso do instrumento não significa que o Poder Público seja responsabilizado pela efetividade da medida. Nesse sentido, em que pese a oposição do constitucionalista português José Carlos Vieira de Andrade [37] à distinção feita por Carlos Mota Pinto entre obrigações de meio e de resultado no âmbito dos direitos fundamentais, cremos que o Estado está obrigado a adotar as medidas mais eficazes possíveis de proteção aos bens e direitos fundamentais, sendo este dever, aqui, a princípio, de meio e não de resultado. Sem embargo disso, se o resultado se mostrar insuficiente, fica evidenciada a inadequação da medida, que precisará ser revista posteriormente, estando a norma jurídica de intervenção, neste caso, sujeita ao controle constitucional de prognose legislativa. Deveras, mesmo na obrigação de meio, este deve ser adequado, razoável, suficiente e legítimo. Se assim não se mostrar, deve ele ser substituído ou reparado.

O que não se pode admitir é que o Estado, havendo em mãos instrumento hábil para a proteção do meio ambiente (no caso, a tributação extrafiscal ambiental), não o utilize. Tampouco se pode admitir que o Estado lance mão desse instrumento e se omita na execução de outras políticas públicas que também têm como fim a proteção do direito fundamental. A tributação extrafiscal ambiental deve ser entendida como um instrumento a mais de efetivação do direito fundamental ao meio ambiente, sem que, por isso, possa o Poder Público omitir-se em seu manejo, e sem que este manejo possa justificar outras omissões.

Por fim, tendo em mente o objeto deste estudo, não podemos deixar de apontar de que forma se faz eficaz o direito fundamental ao meio ambiente em face dos entes e agentes públicos, no que tange à tributação extrafiscal ambiental, que é instrumento de efetivação desse direito. Parece-nos que ao Poder Executivo Federal cabe a fixação das alíquotas de sua alçada (II, IE e IPI, em especial) em consideração ao interesse ambiental que alcança o produto tributado, bem como cabe direcionar sua Administração Tributária (isso vale para o Executivo Estadual, Distrital e Municipal) para o pleno controle das declarações e dos pagamentos dos tributos ambientalmente dirigidos; ao Legislativo compete o dever de reformar a legislação tributária a fim de que seja orientada pelo propósito de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável; ao Judiciário cabe o reconhecimento da validade da tributação extrafiscal ambiental e a execução dos referidos tributos, quando não corretamente declarados ou adimplidos. Aos particulares cabe sujeitar-se a essa nova forma de tributação e com ela colaborar.

Enfim, trabalharemos a tributação extrafiscal e a extrafiscalidade socioambiental levando em conta não somente a eficácia dos direitos fundamentais, a qual, a bem da verdade, é pressuposto da efetividade, mas, principalmente, trabalhando com a idéia de efetivação dos direitos fundamentais (aqui, do direito fundamental ao meio ambiente), que interessa a todos enquanto cidadãos.

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Sobre o autor
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes

Procurador da República. Mestre e Doutor (cum laude) em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Ex-Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro. Reforma tributária ambiental.: Análise constitucional e elaboração de propostas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1949, 1 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11925. Acesso em: 5 nov. 2024.

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