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A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do STJ

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01/12/2000 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução - 2. A Súmula 60-STJ e o instituto do mandato - 3. Do tratamento jurisprudencial dado à cláusula mandado - 4. Do artigo 115 do Código Civil Brasileiro - 5. O Ato cooperativo - 6. Conclusão - Notas - Bibliográfia.


1. INTRODUÇÃO

Após a edição da Súmula 60, do Superior Tribunal de Justiça, muitos de nossos juízos de primeira e segunda instância, que outrora não visualizavam qualquer restrição à utilização da cláusula mandato (verdadeiro instrumento procuratório inserido no bojo do contrato), passaram a repelir tal disposição e reputá-la ofensiva ao ordenamento jurídico, mesmo em situações onde os litigantes não detinham qualquer das características elencadas na hipótese sumulada.

Em sua gênese, a Súmula 60-STJ originou-se de reiterados julgamentos de litígios envolvendo instituições de crédito e mutuários, onde previa-se em cláusula instrumentária, poderes genéricos e inespecíficos para que terceira personalidade jurídica, integrante do mesmo grupo econômico do mutuante, assumisse obrigações e emitisse títulos de crédito em nome do mutuário, em seu exclusivo arbítrio e interesse (dela, a instituição mutuante). Eis o seu enunciado:

Súmula 60 - STJ: "É nula a cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste".

Como substrato desse entendimento sumulado, estava a limitação ou total restrição da liberdade de contratar - já que certas obrigações eram assumidas em nome do mutuário, pelo próprio procurador (do mutuário, mas ligado ao mutuante) -, bem como a decorrente sujeição da parte mutuária ao arbítrio da mutuante, amoldando-se por subsunção à hipótese da segunda parte do artigo 115 do Código Civil Brasileiro.[1]

Do que se observa na jurisprudência, quando da aplicação da Súmula 60-STJ, sobressai o entendimento de que a relação contratual havida entre as partes colocou uma delas ao arbítrio da outra, quando permitiu que a parte credora se valesse do instrumento de mandato contido na cláusula para assumir obrigações, ditar procedimentos e ao final emitir cambial representativa da obrigação unilateralmente apurada, sem a participação do próprio devedor.

É o que se observa do julgado da 4a. Turma do STJ, coletado junto ao periódico Juris Síntese, verbete 200358: DIREITO CAMBIAL - MANDATO PARA EMISSÃO DE NOTA PROMISSÓRIA - INVALIDADE - É nula, a teor do artigo 115 do Código Civil, a cláusula contratual de outorga de mandato, pelo mutuário, a pessoa jurídica integrante do grupo econômico do mutuante, a fim de emitir ou avalizar nota promissória em favor do mesmo mutuante, por ser defesa a sujeição de uma das partes ao arbítrio da outra. A hipótese traduz um artifício para constituição, pelo próprio credor, de título executivo, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade. Nulidade, em decorrência, da nota promissória emitida pela mandatária. (STJ - REsp 13.421 - RS - 4ª T. - Rel. Min. Athos Carneiro - DJU 08.06.1992). [2]

Ocorre que a adoção dessa Súmula pelo Poder Judiciário, que deveria ficar adstrita às hipóteses em que a sujeição de uma parte ao arbítrio da outra fosse patente e constatada na instrução processual, ou seja, em consonância com a prova dos autos, passou a dar-se de forma generalizada, em alguns casos, até, sem critérios bem definidos, o que constitui verdadeira ameaça à segurança jurídica.

Abrimos aqui um parêntese para analisar o instituto do mandato e as formas de emissão das cambiais.


2. A SÚMULA 60-STJ E O INSTITUTO DO MANDATO

Em certos julgamentos, cujas ementas grassam publicadas nos mais variados informativos, vislumbra-se que o critério para a aplicação da Súmula 60-STJ passou a ser não mais a verificação dos requisitos de ofensa ao artigo 115 do Código Civil, mas a pura e simples constatação da existência de cambial emitida por mandatário, o que não nos parece estar em consonância com os ditames daquela Súmula e nem com nossa legislação.

Vejamos, a propósito, o acórdão de lavra da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná[3], em processo executivo proposto por Cooperativa contra associado (logo, figuras diferentes das de mutuário e mutuante):

"EMBARGOS À EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - AVAL PRESTADO MEDIANTE CLÁUSULA MANDATO - NULIDADE DECRETADA - RECURSO IMPROVIDO.

Se a execução escora-se em um único título, ou seja, uma nota promissória avalizada por pessoas pertencentes à Diretoria da Cooperativa credora, demonstra-se correta a decisão que declara a nulidade da cambial, pois ‘É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.’ (Súmula n° 60, do Superior Tribunal de Justiça)."

Parece-nos equivocada a decisão supra. Ocorre que uma cooperativa não é instituição financeira e não opera com mútuo. Seus associados não são mutuários, mas sim proprietários, participantes da sociedade! Como tal, tomam valores e bens da sociedade, em operações internas que recebem tratamento legal diferenciado, consoante restará apreciado mais adiante.

Esse, justamente o enfoque que nos propomos dar ao tema, para demonstrar que a cláusula mandato, enquanto instrumento válido e não defeso em lei - ao contrário, conta com previsão e regulamentação expressa - não constitui óbice à emissão de cambiais, sendo inaplicável a Súmula 60-STJ às demais situações que não o mútuo (e com instituições financeiras), sobretudo naquelas em que não se fazem presentes o abuso e a sujeição do mutuário (ou qualquer outro devedor) ao arbítrio do mutuante (ou credor).

Os artigos 1288 e seguintes, do Código Civil, disciplinam o mandato, estabelecendo textualmente seus limites, exigências e conseqüências jurídicas.

Nesse contexto, o Código estabelece também a responsabilidade do mandatário, caso extrapole os poderes que lhe foram conferidos pelo mandante, seja na realização de ato ou negócio, seja na emissão de título ou assunção de qualquer compromisso ou responsabilidade.

Assim, a princípio, o ato praticado pelo mandatário não se revestiria de nulidade, mas sim, geraria para este responsabilidade pessoal, caso se afastasse dos limites determinados pelo mandante quando da outorga dos poderes.[4]

Isto porque o mandato é instituto jurídico legítimo, disciplinado pela lei e pleno de validade e presta-se a permitir que alguém se faça representar por outrem, nas mais variadas situações jurídicas, até mesmo em contratos de natureza "sui generis" como o de casamento[5].

Não destoam desse permissivo as disposições das diversas legislações que rezam sobre as características e requisitos dos títulos cambiariformes.

É exemplo disso o Decreto-lei 413/69, relativo aos títulos de crédito industrial, que em seu artigo 14, X, dispõe: A cédula de crédito industrial conterá os seguintes requisitos, lançados no contexto: X - Assinatura do próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais. (grifamos).

Disposição idêntica se repete no Decreto-lei 167/67, que disciplina os títulos de crédito rural, nos seus artigos 14, IX (cédula rural pignoratícia); 20, IX (cédula rural hipotecária); 25, X (cédula rural pignoratícia e hipotecária); 27, VIII (nota de crédito rural); 43, VIII (nota promissória rural) e 48, XI (duplicata rural), onde consta como requisito de todos os títulos de crédito rural a "assinatura do próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais". Logo, é da essência das cambiais admitir emissão por mandatário, o que se repete em relação aos demais títulos de crédito mercantis (nota promissória, duplicata, etc.).

E como a figura do mandato repousa no princípio da autonomia da vontade das partes (pacta sunt servanda), negar a licitude da pactuação havida, quando presentes a liberdade de contratar e inocorrente a sujeição da vontade a qualquer arbítrio, importaria em violar um princípio jurídico e, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello, "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (Revista de Direito Público, n° 15, pág. 284)"[6].

Em síntese, o mandato é figura legalmente amparada; a emissão de cambial por mandatário conta com permissão legal expressa para praticamente todas as modalidades de cambiais e, inegavelmente, os contratos podem ter previsão de poderes ou constituição de mandatário expressa em cláusula (e o que se restringe e combate não é a previsão, mas o abuso e a ilegalidade).

Cássio M. C. Penteado Jr[7], é esclarecedor: "A orientação codificada, nada obstante sintética, parece obviar que o mandato é nulo, quando outorga poderes para a celebração de negócio jurídico extremado do escopo original do contrato, como por exemplo, o contrato financeiro cuja cláusula mandato faculte ao mandatário vender bens do mandante, em caso de inadimplemento ou mesmo pretenda alcançar valores outros, possuídos pelo mandante, na instituição financeira, parecerá configurar situações de abuso, fazendo prevalecer a vontade do credor sobre o hiposuficiente devedor. Ao revés, os poderes usuais das cláusulas mandatos, autorizando a emissão e o aceite de cambiais, pelo exato valor da dívida, não padecem de condição abusiva, até porque decorrem do negócio originalmente pactuado e não significam, ao que sentimos, imposição ilícita de vontade. A chave, aqui, reside na correlação necessária entre os poderes do mandato e o contrato em que se inserem, afastando eventual argumento de nulidade, seja pelo cabimento do próprio mandato, como conclusão da doutrina e da jurisprudência, seja pela harmonia desses poderes com o objeto do contrato".

Necessário atentar que o que se reputa em desconformidade com a lei é a sujeição de uma das partes contratantes ao arbítrio da outra, em função de poderes outorgados para emitir cambial sem paralelo com qualquer obrigação assumida diretamente pela parte - pois em caso contrário não haveria sujeição.

Basta ver que o próprio Código de Defesa do Consumidor[8] não faz qualquer referência ao mandato como cláusula vedada nos contratos de fornecimento de bens e serviços, apenas reputando inválidas aquelas cláusulas que importem em excessiva onerosidade ao consumidor, sujeitando-o ao arbítrio do fornecedor (conforme se ilai dos incisos do artigo 51).

A propósito, tem-se observado uma tendência localizada, no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em considerar o inciso VIII[9] do artigo 51, como dispositivo restritivo à liberdade de instituir mandatário para a emissão de cambiais, elastecendo a abrangência da questão sumulada e estendendo-a aos contratos em geral.

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Entendemos equivocada aquela interpretação, haja vista que o escopo textual do inciso VIII, sob nossa ótica, dirigiu-se à hipótese de cláusulas contratuais que imponham representante para a própria formalização do negócio jurídico em lugar do consumidor e não para a simples emissão de cambial que materialize a obrigação que o devedor assumiu pessoal e diretamente.

Admitimos, entretanto, que se faz sobremaneira precipitado rechaçar qualquer posição da doutrina ou da jurisprudência acerca da cláusula mandato e da Súmula 60-STJ, que certamente ainda vai gerar acirradas polêmicas antes de restar pacificada.


3. DO TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DADO À CLÁUSULA MANDATO

Se é certo que estabeleceu-se nos Tribunais brasileiros intensa controvérsia jurisprudencial acerca da utilização de mandato inserido em cláusula de contrato para fins específicos de emissão de cambiais, seguidas, algumas vezes, de prestação de aval, não menos correto seria afirmar que essa celeuma, ao contrário do que entendem alguns, ainda não atingiu um desfecho satisfatório e muito menos consolidou qualquer entendimento.

O que se vê, inversamente, é a perpetuação da divergência pretoriana, a despeito da edição da Súmula 60-STJ, que tem âmbito extremamente restrito de incidência, não obstante as imprudentes tentativas de aplicá-la indistintamente aos processos que se fundem em cambiais emitidas ou avalizadas por mandatário constituído através de cláusula contratual.

Isto porque, em Direito, tantas são as possibilidades quantos são os casos em concreto que se põem frente ao Judiciário em reclame da prestação jurisdicional.

E quando o Estado retirou do particular o "direito da força", concentrando no juiz a jurisdição - poder/dever de dizer o direito - para estabelecer uma nova era, em que iria imperar a "força do direito", evidentemente assumiu por encargo desempenhar esse papel satisfatoriamente.

Não obstante, o acúmulo de processos nas varas, a morosidade que se institucionalizou e a tendência que se instalou perniciosamente no sentido de restringir a jurisdição superior (notadamente, o apego exagerado ao formalismo, como instrumento para obstaculizar a ascensão de processos aos tribunais superiores, em detrimento do próprio direito material) refletem diuturnamente na perda da individualidade, sumulando-se matérias cuja aplicação é casuística, não podendo ser privada da prova robusta em cada processo, isoladamente considerado.

Mas, se por um lado apresenta-se volumoso o número de julgados sumários, que desprezam o contexto do processo para impor-lhe o decesso súbito e precipitado, com base em súmulas e "posições consolidadas", sem adentrar nas particularidades do caso concreto, há que reconhecer-se que muitos são aqueles em que o inverso acontece, sendo digna de realce a postura dos julgadores que se dispõem a ditar o direito com profundidade e sua coragem em contrariar e até modificar o que antes se considerava posição solidificada.

Não nos prenderemos a transcrever decisões negando validade à cláusula mandato, pois não é este o enfoque que nos propomos atribuir ao presente trabalho.

Mais porque, entendemos que muitos são os casos em que a Súmula 60 do Colendo Superior Tribunal de Justiça se amolda com precisão. É inegável a ocorrência do abuso e da arbitrariedade em muitos casos. Assim não fosse, não teriam nossos Tribunais se pronunciado de forma tão contundente e reiterada, consoante se observa atualmente.

Tome-se por parâmetro dessa afirmativa a decisão seguinte, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: "CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE - CLÁUSULA MANDATO - PODERES ILIMITADOS AO BANCO - INADMISSIBILIDADE - "I - A jurisprudência do STJ consolidou entendimento no sentido de que a outorga de mandato pelo mutuário à pessoa integrante do grupo mutuante ou a ele próprio, em regra, não tem validade, face ao manifesto conflito de interesses, a sujeição do ato ao arbítrio de uma das partes e a afetação da vontade. "II - O princípio, assim consubstanciado no verbete 60-STJ é revigorado pelo legislador que, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, passou a coibir cláusulas, cuja pactuação importe no cerceio da livre manifestação da vontade do consumidor" (STJ)." (TJSC - AC 97.001860-6 - 3ª C.C. - Rel. Des. Eder Graf - J. 25.03.1997 - Jurispr. Juris Síntese, verbete 803999).

O escopo desta abordagem, repita-se, é demonstrar que muitos são os casos em que o posicionamento sumulado não possui aplicabilidade, por suas características próprias. Isto ficará bem explicitado quando adentrarmos na análise do ato cooperativo e das cambiais emitidas por mandatário no âmbito dessa modalidade especial de ato jurídico.

Identificaremos, portanto, a corrente que sustenta a validade da cláusula mandato, de sua utilização para emissão e aceite de títulos de crédito e a inaplicabilidade casuística da orientação sumulada pelo STJ, quando impresentes todos os requisitos que a reiteração daquela linha de julgamento exige para amoldar-se completamente ao caso posto sub judice.

Vejamos, portanto, alguns exemplos de julgados que enfocam com maior clareza essa análise particularizada dos casos apreciados pelo Poder Judiciário:

"Mandato. Cambial. Validade e eficácia da cláusula contratual ainda que o mandatário seja empresa do mesmo grupo econômico da credora do título. A execução de uma cártula assim emitida, aceita e ou avalizada deve ser examinada caso a caso, concretamente e diante das ponderações em contrário que porventura forem feitas. Jurisprudência atual e dominante da corte. Descabimento da decisão que, ex officio, inadmite a cambial como título executivo. Provimento da irresignação." (TARS - AC 187.049.762 - 4ª CCiv. - Rel. Juiz Talai Djalma Selistre - J. 24.09.1987 - Jurisprudência Juris Síntese - verbete 1006799 - 1)

"MÚTUO. CAMBIAL. MANDATO. - Contrato bancário - Cláusula mandato. O contrato é lei entre as partes, quando define os direitos e as obrigações correspondentes a cada parte, impondo o cumprimento fiel das cláusulas que constituem a avenca. A cláusula mandato inserta em contrato bancário, outorgando poderes de representação a mandatário do mesmo grupo bancário contratador, vem sendo admitida pela jurisprudência com a ressalva de que cabe examinar a extensão dos poderes definidos ao mandatário e o desempenho do mandato sem a pratica de abuso contra o mandante. Para exame adequado do desempenho, impõe-se, sempre que for exigido, venham aos autos todos os elementos necessários para dimensionar o fiel desempenho sob pena de entender-se que houve abuso no desempenho do mandato. O judiciário, quando examina a questão do desempenho do mandato que gera obrigações tão-somente para o mandatário, que se obriga a exercer poderes que lhe são conferidos, cumpre ordenamento constitucional e não pode abster-se sob pena de desservir a justiça." (TARS - AC 189.086.440 - 2ª CCiv. - Rel. Juiz Guido Waldemar Welter - j. 30.11.1989 - Juris Síntese - verbete 1021458 - 1).

"É hoje questão pacificada no seio deste E. Tribunal, que a nota promissória pode ser emitida e avalizada por procuração lançada em contrato havido entre as partes. Tal procuração é perfeitamente válida desde que, evidentemente, seja utilizada em consonância com os termos da avença. No caso concreto verifica-se que a mandatária exercitou regularmente o mandato que lhe foi conferido, máxime quando se nota que a cobrança está em linha com os termos do contrato, registrando-se, ainda, que os juros cobrados encontram respaldo na Súmula nº. 596 da jurisprudência dominante do Egrégio Supremo tribunal Federal. " (1° TACivSP - Ac. unân. da 6ª Câm. Cív., de 08-11-88 - Ap. 396.337-9- Rel. Pinheiro Franco - publ. no Informativo Semanal de Jurisprudência ADV/COAD - Boletim n° 51/90 - p. 813, verbete n° 42143)."

Nos Acórdãos ora transcritos, resta bastante explícito que inexiste em nosso Direito uma proibição literal à cláusula mandato, mais porque é expressamente admitida a emissão da cambial por procurador e o instrumento de mandato prescinde de forma.

Para concluir este tópico, vejamos outros acórdãos que dão substância às cambiais regularmente emitidas por mandatário constituído em contrato:

"NOTA PROMISSÓRIA - CONDIÇÕES DA EXECUÇÃO - MANDATO

Para a validade da execução de Nota Promissória emitida pelo credor, faz-se necessária a juntada aos autos da autorização do devedor, a teor da Súmula 6 deste Tribunal. (TA-PR. - Ac. unân. da 2ª Câm. Cív., de 09-05-90 - Ap. 1.127/89 - ADV/COAD - Informativo Semanal de Jurisprudência - Boletim n° 35/90 - verbete n° 50646 - ‘Súmula n° 6 - É admissível a cláusula constante em contrato de abertura de crédito que autoriza a emissão de cambial através de mandato outorgado pelo devedor’)"

"MANDATO - EMISSÃO DE CAMBIAL POR MANDATÁRIO.

- Admissibilidade, em princípio, da emissão de títulos por mandatário do grupo econômico beneficiário. Ausentes, no caso, sem sequer alegados, conflito de interesses entre as partes e abusos de mandato". (TJ-SC - Ac. unân. da 2ª Câm. Cív., publ. em 11.09.91 - Ap. 34.554 - Rel. Des. Eduardo Luz). In Boletim de Jurisprudência n° 06 - ADV/COAD, expedido em 09.02.92, pág. 090; verbete n° 57253.

" NOTA PROMISSÓRIA EMITIDA POR PROCURADOR

Conforme já ressaltado nesta Egrégia Terceira Câmara, na Apelação n° 366.162/7, relatada pelo eminente Juiz Toledo Silva, "O contrato, com essa cláusula, não está nulo, pois a promissória pode ser emitida por mandatário com poderes especiais (art. 54, IV, do Decreto 2.044, de 21.12.08), sendo iterativo que o mandato especial pode ser genérico para emissão de cambiais, sem restrições quanto ao tempo, lugar e quantia (cf. Paulo de Carvalho, A Cambial, 3ª ed., n° 112, nota 86, p. 134; Carvalho de Mendonça, Tratado, vol. V/241, Parte II, n° 602; Margarino Torres, Nota Promissória, 6ª ed., vol. 1/109, n° 25, nota 17, e Whitaker, Letra de Câmbio, 7ª ed., n° 30, p. 77) (Jurisprudência da Cambial, de R. Limongi França, pp. 321-2)". (JTACivSP-RT 105/31/32).

Delineados esses pormenores, pode-se dar seqüência à análise dessa temática sob a ótica que se lhe deseja atribuir: a Súmula 60-STJ não pode ser aplicada a toda e qualquer situação jurídica sub judice em que se faça presente a emissão de cambial por força de cláusula mandato.

Conclusão inexorável é que a incidência dessa Súmula ou sua adoção como parâmetro para nortear o julgamento deve pautar-se exclusivamente na verificação inconteste de que o mutuário (ou outro devedor que se lhe equipare) tenha sido compelido a responder por obrigações que não assumiu diretamente, materializadas no título, ou por qualquer forma, tenha perdido por completo a liberdade de pactuar ou a condução da forma e extensão de suas obrigações.

Esta seria a situação fática que se subsumiria à previsão do artigo 115 do Código Civil, a ensejar proteção jurídica à parte contratante privada da plena liberdade de contratar.

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Sobre o autor
Helder Martinez Dal Col

Advogado e Professor no Paraná, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1195. Acesso em: 24 abr. 2024.

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