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Partes e terceiros no processo civil.

Cinco dimensões da qualidade de parte à luz dos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório

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11/11/2008 às 00:00
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4. Partes, terceiros interessados, terceiros estranhos ou desinteressados e cinco dimensões da qualidade de parte no processo civil:

Neste tópico iremos fazer a análise pontual das várias dimensões da qualidade de parte no processo civil. A abordagem terá como base as diretrizes decorrentes dos princípios constitucionais do acesso à justiça e contraditório, acima analisados. Antes, porém, faremos uma abordagem introdutória com a finalidade de diferenciação entre partes em sentido restrito, terceiros interessados, que também estão inseridos na qualidade de parte em sentido mais amplo e pluralista, e terceiros estranhos ou desinteressados, cujo conceito é obtido pelo método da exclusão ou da aferição residual.

Ressalta-se, todavia, que a indicação das cinco dimensões da qualidade de parte abaixo descritas não tem a pretensão de ser exaustiva, nem a poderia ser por força da incidência das garantias constitucionais fundamentais relacionadas aos institutos analisados, garantias constitucionais essas que impedem qualquer tipo de interpretação restritiva.

4.1 Partes, terceiros interessados, terceiros estranhos ou desinteressados

Não há entendimento pacífico sobre os critérios para a distinção entre partes e terceiros no processo civil. Por outro lado, pela falta de uma leitura mais constitucionalizada do processo civil, os critérios estabelecidos pela doutrina pátria para distinguir terceiros interessados e terceiros estranhos ou desinteressados não são satisfatórios. Essa problemática não se limita ao Brasil, já que em outros países também há sérias divergências sobre a distinção entre partes e terceiros no processo civil [59].

O Professor Arruda Alvim entende que o conceito de parte é puramente processual, resultando da simples afirmação da ação [60].Por outro lado, entende Vicente Greco Filho, o critério cronológico adotado por Ramiro Podetti, no sentido de que terceiro seria todo aquele que, por qualquer motivo, não figurou no processo desde o início, independentemente da qualidade do seu ingresso, não é suficiente para explicar o fenômeno e, não fosse isso, ele faz gerar confusão entre litisconsórcio ulterior, assistência, sucessão processual, institutos que não comportam a inserção dentro da mesma principiologia. Com efeito, o simples fator temporal gerado pela propositura da ação e pela citação inicial não é suficiente para conferir qualificação que distinga cientificamente parte de terceiros [61].

Assim, Greco Filho afirma que o conceito de terceiro deve ser aferido em função de seu ingresso no processo. A pessoa que do processo não participou por qualquer motivo seria sempre terceiro em relação à sentença proferida inter alios, independentemente de sua posição caso tivesse integrado a relação processual. Esse terceiro seria extraneus perante a sentença e poderia pleitear-lhe a invalidação se ela tivesse sido proferida sem sua presença como integrante da lide, isso quando fosse o caso de integração necessária da lide, como exemplo de um co-proprietário em ação com pedido de reivindicação de coisa comum. Mas se tivesse participado do processo, essa pessoa não seria terceiro, mas parte em sentido primário e direto (parte demandada). Destarte, conclui Vicente Greco Filho que é no momento em que ingressa no processo e justamente pela razão que justifica o seu ingresso é que devemos apreciar a qualidade do interveniente, voluntário ou coacto. Mas se ele não intervir será sempre extraneus e, portanto, terceiro [62].

Não concordamos com o critério exposto acima, que é meramente formal. E se o terceiro for atingido beneficamente pela sentença? Ele poderá utilizar-se dos efeitos da decisão, habilitando-se inclusive no processo para tais fins. Imaginemos uma ação com pedido declaratório de paternidade cumulada com ação com pedido condenatório de alimentos movidas pelo Ministério Público em favor de determinado menor. Como se pode afirmar que esse menor, que não compareceu no processo e irá se beneficiar da sentença, seja considerado como estranho ao processo? Ora, se o direito deduzido no processo a ele pertence, ele não pode ser considerado como estranho ao processo. Por outro lado, em lhe sendo desfavorável a sentença, nada impede que ele compareça e recorra como terceiro prejudicado, assumindo a qualidade de parte para fins recursais, passando daí a participar do contraditório.

Cândido Rangel Dinamarco, transcrevendo as cinco categorias de terceiros defendida pelo jurista Uruguaio Luis Torello Giodano [63], sustenta que tais classificações constituem a chave para a determinação dos casos em que o terceiro terá legitimidade para intervir e dos casos em que não a tenha, sendo elas importante também para a configuração das diversas espécies de intervenção de terceiros, tendo em vista que essas classificações mostram que: a) há terceiros destinatários integrais dos efeitos diretos da sentença, mesmo sem haverem intervindo no processo, como os titulares de obrigações solidárias; b) há os que são legitimados a intervir pelos reflexos jurídicos da sentença em sua esfera de direitos, tais como o fiador, os co-titulares de direito etc; c) há os que, por não suportarem efeito algum ou suportarem meros reflexos econômicos ou de fato (não jurídicos), não teriam nenhuma legitimidade para intervir [64].

Não concordamos também com o posicionamento acima, pois ele é restritivo às garantias constitucionais do acesso à justiça e do contraditório. Primeiro, porque direito também é fato e poderá ocorrer que fatos relevantes justifiquem a intervenção para que na fase instrutória a prova seja devidamente esclarecedora de fatos que tenham várias repercussões, inclusive sobre a honra de terceiros. Depois, porque existem interesses legítimos, como o institucional, que justificam a intervenção de terceiro no processo, como a intervenção do Ministério Público como assistente em ação de responsabilidade movida diretamente em face da pessoa física de determinado promotor de justiça, em que se discutem questões relativas ao exercício de prerrogativas do Ministério Público.

Robson Renault Godinho já enfrentou a questão relativa à intervenção do Ministério Público como assistente simples em demandas de responsabilidade civil movidas diretamente em face de membros da Instituição. O jovem jurista propõe, com muita clareza e precisão de idéias, uma releitura do instituto da assistência para admitir o interesse institucional como espécie do gênero interesse jurídico. Aduz ainda o autor que é evidente a presença de interesse institucional nas demandas de responsabilidade civil movidas diretamente em face de membros do Ministério Público quando as questões ventiladas nessas demandas envolverem prerrogativas institucionais, direitos e garantias de membros do Ministério Público. Conclui, por fim, Robson Godinho que admitir a intervenção do Ministério Público como assistente simples, em processo em face dos seus membros, com base em interesse institucional, é fazer com que o processo sirva às partes, mas também, acima de tudo, à própria sociedade, que é a beneficiada principal da atuação do Ministério Público como Instituição independente [65].

E, por fim, poderá o terceiro intervir porque é detentor de conhecimento técnico-jurídico sobre o assunto e, assim, ingressar para auxiliar técnica e juridicamente o juiz na decisão. É o caso da figura do amicus curiae (amigo do tribunal), figura hoje presente em vários dispositivos legais (art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.668/99; art. 482, § 3º, do CPC etc.) e em ascensão no sistema jurídico brasileiro.

Por conseguinte, observa-se que, seguindo a clássica orientação de Chiovenda, Cassio Scarpinella Bueno afirma que parte é quem pede e contra quem se pede alguma espécie de tutela jurisdicional, sendo que terceiro seria todo aquele que não pede ou contra quem nada se pede em juízo [66]. Scarpinella sustenta ainda que ‘ser terceiro’, para os fins de sua pesquisa, não se relaciona, em primeiro momento, com o participar do contraditório e ser sujeito de direitos, deveres, faculdades, ônus e obrigações na seara do processo. Assim, conclui o jovem processualista que entender parte todo aquele que participa, de algum modo, do contraditório é entender o fenômeno ‘parte’ como elemento exclusivo do processo, sendo que ‘parte’ relaciona-se também ao próprio direito de ação e ao direito material [67].

Não concordamos com o entendimento do Scarpinella. Primeiro porque poderá acontecer que alguém não compareça como sendo aquele que pediu ou como sendo aquele em face de quem foi formulado o pedido, mas ingresse em um dos pólos do processo, passando a ser demandante ou demandado. É o que ocorre com o denominado litisconsórcio facultativo unitário superveniente. Um dos co-proprietários ingressa no pólo ativo do processo instaurado por ação, com pedido reivindicatório, ajuizada por um dos condôminos. Nesse caso, ele não formulou pedido, mas ingressou como demandante incidente, passando a participar do contraditório.

Por outro lado, a assertiva de que o contraditório se restringiria à parte demandante e à parte demandada não tem razão de ser e contraria toda a magnitude do contraditório como princípio constitucional fundamental.

Ademais, para participar do contraditório, a parte tem que demonstrar a importância e a razão da sua participação e, para a aferição da presença de interesse que justifique a intervenção no processo em curso, o juiz vai analisar, em regra, a fundamentação no próprio direito material ou em outras questões fáticas e ou de interesse legítimo que justifique a intervenção. Portanto, analisar as dimensões da qualidade de parte pelo prisma do princípio constitucional do contraditório não é resumir o fenômeno parte somente à dimensão processual, mas é fazer com que o direito processual tenha legitimidade constitucional e atenda às reais necessidades do direito material.

Destarte, entendemos que, no plano processual, devem ser consideradas as partes em sentido mais restrito (demandante e demandada) e as partes intervenientes, que seriam os terceiros intervenientes. Os terceiros estranhos seriam aqueles que não possuem qualquer tipo de interesse que demonstre a razoabilidade da intervenção.

Portanto, terceiros desinteressados são aqueles que não têm qualquer tipo de interesse no processo e na própria prestação jurisdicional, seja jurídico em sentido estrito, seja interesse jurídico em sentido mais amplo, seja qualquer outro interesse legítimo que justifique a sua intervenção. Já terceiros interessados são aqueles que possuem interesse jurídico em sentido restrito ou interesse jurídico em sentido amplo no desfecho da demanda ou qualquer outro interesse legítimo que justifique a sua intervenção, sendo terceiros porque não são titulares da relação jurídica material deduzida em juízo e não estão autorizados legalmente para a defesa, em nome próprio, do direito alheio decorrente da relação jurídica material em juízo deduzida.

Thereza Alvim chega a sustentar que o representante do menor absolutamente incapaz, por atuar para integrar a capacidade, seria também parte no processo e, nesses casos, formaria com o incapaz, que também é parte, uma parte composta [68] .

Com base nos princípios do acesso à justiça e do contraditório, apontaremos abaixo, de forma bem objetiva, cinco dimensões da qualidade de parte no processo civil.

4.2 Parte em sentido material

Parte em sentido material são os titulares da relação jurídica material deduzida em juízo e, em comparecendo em juízo, serão os legitimados ordinários [69]. Essa dimensão da qualidade de parte é importante para aferir as dimensões da sua participação no contraditório, bem como para saber quem será atingido pelos limites subjetivos da coisa julgada (art. 472 do CPC). Essa dimensão também é fundamental para se aferir litispendência, perempção, continência etc.

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Em regra, as partes em sentido material é que serão parte da demanda, na qualidade de demandante ou de demandado, salvo nos casos de substituição processual, que depende de autorização legal (art. 6º do CPC).

Nesses casos de substituição processual, em comparecendo somente o substituto processual, entendemos, conforme já afirmado acima, que coisa julgada, por força de imposição constitucional decorrente do devido processo legal e contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF/88), deverá sempre operar segundo eventum litis. Em caso de decisão contrária aos interesses do substituído (titular do direito deduzido em juízo), esse não poderá, com respeito aos entendimentos em sentido contrário, ser atingido pela coisa julgada se não participou do contraditório.

4.3 Parte na demanda

Parte na demanda é todo aquele que figura no pólo ativo (demandante ou autor) ou passivo (demandando ou réu) da demanda posta em juízo, sendo que, em regra, partes na demanda serão os legitimados ordinários, mas o legitimado extraordinário também poderá figurar como parte na demanda quando houver autorização legal para que ele venha a defender, em nome próprio, direito alheio. O litisconsorte, ativo ou passivo, sempre será parte da demanda. O demandante se torna parte no processo, em regra, com a propositura da ação (art. 263 do CPC) e o demandado se tornará parte no processo, em regra, pela citação (art. 213 do CPC) ou pelo seu comparecimento espontâneo (art. 214 do CPC), salvo outras exceções legais.

4.4 Parte em sentido processual

Partes em sentido processual são todos aqueles que participam do contraditório. São todos aqueles que participam do procedimento de preparação do provimento, influenciando na decisão judicial.

É essa a conceituação mais ampla de parte no processo civil e, por isso, ela abrange o demandante e o demandado no processo, os terceiros intervenientes, o Ministério Público como órgão interveniente. Exclui o Juiz, que tem de ser parcial, bem como os auxiliares a ele subordinados.

4.5 Parte para fins de auxílio técnico-jurídico das decisões judiciais (nova dimensão processual da qualidade de parte)

Parte para fins de auxílio técnico-jurídico das decisões judiciais é uma nova dimensão processual da qualidade de parte no processo civil. Ela abrangeria a atuação do amicus curiae (amigo da corte ou do tribunal) [70].

O amicus curiae, que significa amigo da corte ou do tribunal, é instituto originário do direito anglo-americano. Sua introdução no direito brasileiro ocorreu com o advento da Lei nº 6.385.76 que, em seu ao art. 31, passou a impor a obrigatoriedade de intimação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para sua intervenção nos processos em que se discutam questões de sua competência.

Recentemente, a Lei nº 9.868.99, que passou a disciplinar o processo e o procedimento da ação direta com pedido declaratório de inconstitucionalidade e da ação direta com pedido declaratório de constitucionalidade perante o STF, veio a admitir expressamente a intervenção do amicus curiae no sistema do controle concentrado de constitucionalidade, conforme está previsto no seu art. 7º, § 2º [71].

Existem outras disposições legais que também admitem a intervenção do amicus curiae, sendo elas: o art. 89 da Lei 8.884.94, que prevê a intervenção em determinadas causas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); o art. 482, § 3º, do CPC, que dispõe que o relator, levando em consideração a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, em despacho irrecorrível, a intervenção de outros órgãos ou entidades no incidente de declaração de inconstitucionalidade em controle difuso ou incidental nos tribunais.

No sistema brasileiro, o amicus curiae poderá intervir por provocação do juiz ou por requerimento próprio, diferentemente do direito anglo-americano, que prevê também a hipótese da intervenção do amicus curiae por consenso das partes.

Não obstante exista entendimento no sentido de que a figura do amicus curiae é espécie do gênero intervenção de terceiros em sentido clássico, observa-se que há entendimento também em sentido contrário.

O principal argumento em sentido contrário é o de que no sistema da intervenção de terceiros, cuja disciplina básica está no CPC dos arts. 50/80, o terceiro ingressa na relação jurídica processual em curso, passando a ser parte assistente ou até mesmo parte demandante ou demandado, isso conforme a espécie de intervenção de terceiros. O terceiro, no caso das hipóteses clássicas de intervenção de terceiros, torna-se, com a sua intervenção, parte no processo, produzindo alguma forma de alteração subjetiva na relação jurídica processual. Já o amicus curiae não integra, com a sua intervenção, a relação jurídica processual, pois ele somente atua como um auxiliar técnico-jurídico do juiz, com função diversa, mas semelhante à função de um perito. São esses os ensinamentos de Fredie Didier Junior [72], que ainda aduz que a intervenção do amicus curiae consubstancia em um importante apoio técnico-jurídico ao juiz, contribuindo, assim, para o aprimoramento da própria qualidade das decisões judiciais. Ele ainda afirma que, na sua qualidade de assistente técnico-jurídico do juiz ou do tribunal, o amicus curie não teria, em regra, legitimidade para recorrer das decisões proferidas nas causas em que intervir [73].

A respeito do tema, em trabalho de ressaltada profundidade teórica sobre o tema, escreveu Cássio Scarpinella Bueno que o grande aspecto de distinção do amicus curiae daquelas espécies intervenção de terceiros previstas no CPC, seria, principalmente, mas não exclusivamente, a falta de um interesse jurídico, "(...) entendido como aquele que decorre de uma específica relação jurídica-base entre dois ou pouco mais de dois indivíduos, que tem tudo para ser afetada, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, pela decisão (ou decisões) a ser (em) proferidas (s) em processo em que contendem outras pessoas" [74] .

É de se consignar que os art. 7º e 18 da Lei 9.868.99 proíbem a intervenção de terceiros no processo objetivo do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pela ação direta declaratória de inconstitucionalidade e pela ação direta declaratória de constitucionalidade, não obstante a própria lei em questão admita a intervenção do amicus curiae (art. 7º, § 2º). Isso, por si só, já seria motivo para que se procure distinguir a intervenção do amicus curiae das espécies clássicas de intervenção de terceiros constantes do CPC brasileiro.

O STF atualmente vem flexibilizando, em suas decisões, a intervenção do amicus curiae, tanto que anteriormente não vinha admitindo a sustentação oral pelo amigo da corte, mas em decisão recente o mencionado tribunal alterou o seu posicionamento e passou a admitir a sua sustentação oral. O principal argumento foi o de que a atuação do amicus curiae não poderia limitar-se à mera apresentação de memoriais, pois a ampliação de sua atuação contribuiria para a garantia da maior efetividade e legitimidade das decisões do STF e ainda valorizaria a dimensão democrática dessa espécie de participação processual.

Além disso, também em decisão recente (ADPF 54 MC-DF, publicada no DJU do dia 02.08.04), o STF entendeu ser possível, outrossim, a intervenção do amicus curiae na argüição de descumprimento de preceito fundamental, aplicando, por analogia, o disposto no § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868/99.

Destarte, há hoje uma forte tendência no sentido de ampliar a intervenção do amicus curiae, o que poderia abranger outras demandas de interesse público e social, como a ação civil pública, a ação popular etc. Essa tendência atende aos ditames de uma democracia pluralista, em que a interpretação jurídica deverá ser pluralista e aberta [75], o que também vai ao encontro do estatuído nos arts. 1º e 5º, XXXV, e § 2º, da CF.

A intervenção como auxiliar técnico-jurídico do juízo, portanto, de entidades, órgãos e pessoas com domínio de conhecimentos técnicos e jurídicos específicos, fortaleceria, em muito, a atuação do Poder Judiciário nas demandas coletivas, especialmente nas mais complexas, como as que envolvem o meio ambiente, a ordem urbanística, a saúde pública, a segurança pública etc. Assim, considerando que a ação civil pública também visa à tutela de interesses gerais da coletividade, mesmo que no plano concreto, nada impediria, no nosso entendimento, a aplicabilidade, também por analogia, do disposto no § 2º, do art. 7º da Lei 9.868/99, na ação civil pública e até mesmo em outras ações coletivas.

Resta saber se o amicus curiae seria parte ou não no processo civil. Entendemos que sim: ele assume a qualidade de parte porque participa do contraditório contribuindo e influenciando na formação do provimento. A sua intervenção é fator de ampliação da própria legitimidade das decisões judiciais. Por outro lado, observa-se que ele não é mero auxiliar técnico do juiz. É também auxiliar técnico-jurídico e, não fosse isso, não se subordina ao juiz. Daí a sua qualidade de parte. Por tais motivos entendemos que não há obstáculo que impeça que o amicus curiae recorra, em sendo o caso de recurso, da decisão judicial que não venha a acatar sua opinião no processo em que houve a sua intervenção.

4.6 Parte para fins de impugnação das decisões judiciais (nova dimensão processual da qualidade de parte)

Parte, para fins de impugnação das decisões judiciais, abrangeria todos aqueles que venham a ser atingidos por uma decisão judicial ou que estejam autorizados para defesa de determinados interesses e, por isso, poderão impugnar, por recurso ou por outro meio idôneo e adequado, decisões judiciais prejudiciais a esses interesses.

Portanto, essa dimensão da qualidade de parte abrange o demandante, o demandado, os terceiros intervenientes que sejam atingidos pela decisão que lhes é prejudicial, bem como outros terceiros que, mesmo não tendo participado do contraditório, venham a ser atingidos pela decisão ou estejam autorizados a defender certos interesses contrariados pela decisão judicial.

Assim, essa dimensão da qualidade de parte abrangeria também o recurso de terceiro prejudicado direta ou indiretamente ou mesmo o recurso de terceiro que esteja autorizado a defender direitos ou interesses prejudicados pela decisão.

No processo civil brasileiro, observa-se que essa dimensão da qualidade de parte ainda não foi muito bem debatida. Por isso, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial entendendo que determinados terceiros, por não serem partes no processo e não terem interesses interligados com o desfecho da demanda, não poderiam recorrer da decisão, mesmo que ela lhes atinja prejudicialmente [76].

É precisamente o caso do perito, do leiloeiro, do depositário etc., os quais poderiam recorrer de decisões judiciais que lhes sejam prejudiciais. Entendemos que eles poderiam recorrer como terceiros (art. 5º, XXXV, da CF e interpretação flexível do art. 499 do CPC). Há entendimento, contudo, que sustenta que eles recorreriam, não como terceiros, mas com base em legitimidade recursal própria [77]. Por outro lado, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que eles não poderiam recorrer, já que seriam meros auxiliares do juízo, sendo que, o mais correto para essa orientação seria o ajuizamento pelos prejudicados, em sendo o caso, de ações autônomas, como no caso do perito judicial para buscar a revisão dos honorários periciais.

Também poderiam assumir essa qualidade de parte, para fins de impugnação da decisão judicial, todos aqueles que, não sendo parte na demanda ou no processo e, mesmo não tendo interesse nessa demanda, interligados, venham a sofrer a aplicabilidade de multa pelo juiz por força do disposto no art. 14, V, e parágrafo único, do CPC — multa essa aplicável a todos aqueles que participem do processo, salvo exceções legais, e que venham a praticar ato atentatório ao exercício da jurisdição.

O advogado, em razão de ser hoje o titular dos honorários advocatícios fixados judicialmente (Lei nº 8.906/94 art. 23 — Estatuto da OAB), tem interesse e legitimidade para recorrer da decisão judicial que, ao fixar honorários, contrariar seus interesses. É certo que o advogado não é parte, mas mero representante técnico da parte; porém, quando ele é atingido pela decisão judicial que fixou ou que deixou de fixar seus honorários, assume ele a qualidade de parte para fins recursais [78] .

A respeito dessa dimensão da qualidade de parte convém destacar aqui a Súmula 202 do STJ, que prevê: "a impetração de impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso".

4.7 Formas de aquisição da qualidade de parte no processo civil

Por vários meios poderá ser adquirida a qualidade de parte no processo civil, consideradas as dimensões acima tratadas. Assim, poderemos apontar as seguintes: a) pela propositura da ação (art. 263 CPC), o autor e o réu adquirem a qualidade de partes na demanda, passando o autor a ser também parte no processo; b) pela citação (art. 213 do CPC), o demandado passa a ser parte no processo; c) pelo comparecimento espontâneo, o demandado assume a qualidade de parte no processo (art. 214 do CPC); d) pela citação, o terceiro interessado adquire a qualidade de parte no processo (art. 213 do CPC); e) pela intervenção espontânea, o terceiro assume a qualidade de parte no processo; f) pela intervenção de terceiro provocada pelo juiz (intervenção iussu iuducis), o terceiro assume a qualidade de parte no processo no momento em que é intimado judicialmente para intervir; g) pela intimação pessoal do membro do Ministério Público, essa Instituição assume a qualidade de parte no processo para atuar como órgão interveniente (arts. 84 e 236, § 2º, ambos do CPC); h) pela sucessão processual voluntária (art. 42 do CPC) ou obrigatória (art. 43 do CPC), o sucessor assume a qualidade de parte no processo e na demanda, pólo ativo ou passivo, conforme o caso; i) pelo recurso ou por meio impugnativo incidental idôneo, o terceiro assume a qualidade de parte no processo para fins de impugnar decisão judicial [79].

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Sobre o autor
Gregório Assagra de Almeida

Promotor de Justiça e Professor Universitário. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor do Mestrado da Universidade de Itaúna. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista consultor do Ministério da Justiça na reforma do sistema de tutela coletiva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gregório Assagra. Partes e terceiros no processo civil.: Cinco dimensões da qualidade de parte à luz dos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1959, 11 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11952. Acesso em: 28 mar. 2024.

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