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Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade.

Possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de dúvida fundada sobre a natureza do prazo do art. 2º, caput, da Lei nº 9.800/99

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21/11/2008 às 00:00
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8. Conclusão

Quase sete anos depois de vir a lume a Lei n. 9.800/99, que permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais, dúvida fundada sobre a natureza do interregno legal de cinco dias previsto no caput do art. 2º para a entrega em juízo dos originais tem sido causa de não-conhecimento freqüente de inúmeros atos, notadamente de recursos.

Isso encontra explicação, primeiramente, na imprecisão da própria redação do dispositivo mencionado. Não bastasse, a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à natureza do prazo, se novo prazo ou se mera continuação do primeiro lapso temporal concedido para a prática do ato, sendo esta última a posição unânime do STJ e do STF.

Em razão da patente imperfeição do sistema, não pode a parte responder. Propugna-se, pois, uma nova aplicação do princípio da fungibilidade (com âmbito de incidência maior), a fim de se possibilitar a admissibilidade do ato "intempestivo" em tese, porquanto em desacordo com o entendimento do Tribunal, mas lastreado numa racionalidade jurídica que não pode ser negada em absoluto.

È sabido por todos que o Poder Judiciário encontra-se assoberbado, tendo que apreciar uma quantidade de demandas muito acima do que sua estrutura pode suportar. Não bastasse, os recursos financeiros disponíveis não são suficientes para satisfazer as necessidades da Justiça. Ocorre que tal situação, em essência política, não pode dar ensejo à denegação da justiça, sob pena de desvincular o sistema de seu fim maior: a pacificação social com a realização do direito material in concreto. E tem-se visto com não rara freqüência que os Tribunais vêm se apegando a aspectos de forma para se negar a realizar a análise de aspectos de fundo, de mérito, decerto mais trabalhosa. Não se pode esquecer que o processo é meio, e não um fim em si mesmo, e que se deve priorizar, sempre, o legítimo acesso à justiça e a produção de resultados no mundo sensível.


9. Referências

CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: Juspodium, 2006.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

  1. Dinamarco faz importante consideração acerca da diferença existente entre os conceitos de correr e contar. Ensina o ilustre processualista: "Na realidade, a contagem do prazo só tem início quando se completa a primeira unidade de sua duração e não no termo a quo. Se sou intimado hoje e hoje o prazo começa a correr (início do prazo ou de sua fluência), só amanhã é que, se for dia útil, o prazo começará a ser contado. Hoje é o marco zero da caminhada; amanhã, o marco um. E assim por diante, até que chegue o dies ad quem." E continua: "O Código mistura essa linguagem em dispositivos importantes e vitais na disciplina dos prazos, como aquele segundo o qual os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação (art. 184, §2°). Não. Eles começam a correr no dia da intimação. No primeiro dia útil é a contagem que terá início." DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 564.
  2. Por todos: NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 382.
  3. Por todos: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 562 e 563.
  4. Art. 810. Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a quem competir o julgamento
  5. NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 139.
  6. Assim também, sempre no tocante especificamente aos recursos, NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 146.
  7. Nesse sentido, CUNHA, Leonardo José Carneiro da e DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: Juspodium, 2006. p. 37.
  8. Nesse sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 72: "De fato, se a sua razão de ser consiste em fazer com que a parte não sofra qualquer tipo de prejuízo em função do que poderíamos chamar de uma imperfeição do sistema, concretizada nas situações em que existe efetivamente dúvida a respeito de qual seja o caminho correto a seguir, inexiste razão em função da qual se deva insistir em que a incidência do mencionado princípio se limite ao campo dos recursos".
  9. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.136.
  10. No sentido que vai no texto, Teresa Wambier: "Este é um ponto que merece reflexão: o princípio da fungibilidade não deve gerar a necessidade de conversão de um meio, no outro. Como conseqüência inexorável e inafastável da incidência do princípio, tem-se o exame do pedido da parte e a aceitação do meio eleito por ela, desde que se esteja diante de uma zona cinzenta. A necessidade de conversão não é inerente à idéia que está por detrás do princípio da fungibilidade, até porque, dificuldades de ordem procedimental poderiam levar alguém a concluir no sentido de que, por serem insuperáveis tais dificuldades, o princípio não deveria incidir." WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.136.
  11. Põe-se entre aspas o termo intempestivo porque, como se viu, não existe um posicionamento certo e outro errado. Havendo dúvida fundada, ou seja, sendo a doutrina ou jurisprudência divergentes, tanto o ato pode ser considerado tempestivo como poder ser tido também como intempestivo. No caso, por óbvio, há de considerá-lo intempestivo- em tese e de acordo com seu entendimento prevalente- o Tribunal, devendo por isso socorrer-se do princípio da fungibilidade para admiti-lo.
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Sobre o autor
Ticiano Alves e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ticiano Alves. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade.: Possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de dúvida fundada sobre a natureza do prazo do art. 2º, caput, da Lei nº 9.800/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1969, 21 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11980. Acesso em: 23 abr. 2024.

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